Friday, September 28, 2007

Consulta sobre o Integralismo

Por Lúcio Joé dos Santos


I

O conceito filosófico e jurídico do Estado, professado pelo Integralismo, não colide, nem essencial, nem acidentalmente, com a doutrina definida pela Igreja e poderá um católico, “tuta conscientia”, admiti-lo?

II

O sistema de organização social, propugnado pelo Integralismo, responde ao exposto em documentos pontifícios, máxime na Rerum Novarum e Quadragesimo Anno – ou, pelo menos, nada haverá naquele sistema, que entre em conflito com a doutrina social da Igreja? O corporativismo integralista aparta-se, em ponto essencial, do corporativismo de base cristã?

III

Pode um católico, “tuta conscientia”, admitir – como quer o plano integralista – a hipótese da concordata, exigindo-a em tese e abandonando, de vez, a tese da união da Igreja com o Estado? Pode, ainda, um católico admitir, implicitamente, uma vez que se faça integralista, o princípio da liberdade de cultos, condenado pelo Syllabus? Em suma, nada haverá na doutrina integralista, nos manifestos e planos do Chefe Nacional (V.G. o manifesto-programa, de 27 de janeiro de 1936), que, explícita ou implicitamente, se encontre entre as proposições condenadas pelo Syllabus?

IV

Em seu livro Humanismo Integral, Jacques Maritain cataloga o fascismo e o nazismo, na mesma linha do comunismo, dizendo que têm, todos, suas raízes na negação dos valores espirituais da Igreja, e que o totalitarismo, seja qual for, contrariará a ideologia cristã. Haverá no Integralismo algo que mereça a censura de Maritain?

R E S P O S T A S

Antes de responder diretamente à consulta, farei algumas observações preliminares.

A) – Falo, aqui, exclusivamente em meu nome individual, não tendo autoridade para falar em nome dos católicos nem dos integralistas. Estou pronto a emendar o meu modo de ver, aqui externado, se em contrário se manifestar a Igreja. Além disso, exponho a compreensão que faço do Integralismo; reconheço, porém, um Chefe Nacional, e este poderá dizer se bem apreendi o Integralismo ou se me engano.

B) – Há grande número de sacerdotes integralistas, sem falar no de simpatizantes com ele. Já tenho ouvido, de Bispos, declarações favoráveis ao Integralismo.

Não haveria já tempo de serem os católicos premunidos pela autoridade religiosa competente, se errados?

Certamente, em todos os tempos, tem sido a Igreja de grande paciência e longanimidade, mesmo em relação a grandes heresias, tolerando, admoestando, convidando à abjuração, e, só depois de esgotados todos os meios suasórios, condenando definitivamente. Esse, porém, não é o caso do Integralismo. A sua doutrina é bem clara e já está sendo bem conhecida. Os católicos vão aderindo, sem que tenham sido censurados e nem mesmo admoestados pela autoridade competente.

Não é já uma forte presunção em favor do Integralismo, no ponto de vista religioso?

C) – Estamos vendo condenarem-se no Integralismo coisas que se aceitam ou, pelo menos, se toleram nos outros partidos. O Integralismo não é composto de anjos e nem pretende realizar o paraíso na terra.

A tomar o Syllabus no sentido rígido, a meu ver, errôneo, que se lhe quer dar, deveriam os católicos excluir-se da vida pública no Brasil. Ora, o pensamento da Igreja, como direi mais adiante, não é esse, e nem seria possível que só em relação ao Integralismo, se enchessem de escrúpulos os católicos.

Passarei a tratar dos quatro ítens, em conjunto.

1 – A Igreja tem por missão essencial conduzir os homens à salvação eterna, e, para isso, oferece-lhes uma doutrina: a doutrina de Cristo. O resto é secundário.

A Igreja não condena regime político algum, qualquer que seja a sua forma, desde que se respeitem os princípios fundamentais da organização social cristã, os princípios em que assenta a concepção cristã da vida.

Na Encíclica Immortale Rei, de 1º de novembro de 1885, Leão XIII, depois de mostrar a origem da sociedade e de demonstrar que a soberania vem de Deus, acrescenta: “Em si mesma a soberania não está ligada a forma alguma política, podendo adaptar-se perfeitamente a esta ou aquela, desde que seja apta para a utilidade e o bem comum”.

2 – A Sociedade procede da ordem natural das coisas; ora, esta repousa sobre a vontade de Deus; certo é, pois, que o Estado, ou antes, a autoridade do Estado tem como fundamento a vontade de Deus. A Sociedade, portanto, repousa diretamente sobre a natureza e indiretamente sobre a vontade de Deus.

O Cristianismo afirma a existência de uma vida social, organizada sob uma autoridade e orientada para um bem comum, segundo a ordem natural das coisas, com fundamento na vontade de Deus.

Assim pois, a Sociedade não é o produto da vontade do povo, nem de um contrato, nem de um mero arbítrio. A Sociedade não é uma forma de vida, artificialmente estabelecida, ao modo de um mecanismo; ela é um organismo, que resulta certamente de uma atividade fundada sobre leis naturais, mas dotado de uma finalidade própria.

3 – Se a existência da sociedade é assim fundamentada, o mesmo não acontece a sua forma política. Esta forma tem sido assunto das cogitações e controvérsias de filósofos, historiadores e políticos. Ela depende essencialmente das circunstâncias, e será tanto melhor quanto melhor possibilitar aos homens a efetivação dos seus verdadeiros destinos.

Não há, pois, uma forma do Estado apoiada e reclamada pela Igreja. Dever-se-á apenas exigir, no ponto de vista católico, que o objetivo último e superior dos governos seja o subordinarem-se aos grandes temas da História, como são os mesmos desvendados pela revelação (J. Steffes: Religion und Politik, e Die Staatsauffassung der Modernen).

Nenhuma das Encíclicas (Rerum Novarum e Quadragesimo Anno) apregoa ou recomenda uma organização social modelo.

De um certo modo, pois, e feitas essas observações, não será erro dizer, que a Igreja não possui propriamente um conceito filosófico e jurídico do Estado, com o qual possa outro colidir.

4 – Isso, porém, não impede que, em determinadas épocas, possa a Igreja considerar tais organizações do Estado preferíveis a tais outras.

De fato, da doutrina da Igreja se deduzem meios sociais, que sejam preferíveis por mais consentâneos com o fim primordial do homem. Analogamente, dadas as circunstâncias de tempo, de meio, de raça, pode ser preferível uma determinada forma política.

A Igreja, porém, não propõe soluções imediatamente práticas, no domínio da política, da economia, da técnica, ou em qualquer outro.

Referindo-se ao parlamentarismo, disse Pio XI, que a doutrina da Igreja não condena essa instituição política, como não condena quaisquer outras, desde que sejam conformes ao direito e à razão, sendo, porém, manifesto que se presta, mais do que as outras, ao jogo desleal das facções.

Em conclusão, a Igreja deixa liberdade para a escolha entre os regimes políticos, respeitadas as leis divinas e humanas; mas, reclama o direito de manifestar-se sobre tais formas, porque depende da lei moral e porque, na ordem providencial, são outros tantos meios, que podem ajudar o homem a atingir o seu fim, que é a vida eterna, ou deste o afastar.

Em consciência, não posso ser comunista, mas não sou obrigado a dar preferência à monarquia sobre a república, se ambas respeitam os princípios cristãos.

5 – De outro lado, jamais se identificou a Igreja como um regimen político, por mais íntima que tenha sido a sua união com ele. Nenhuma época histórica conseguiu ainda realizar integralmente o Cristianismo, em todos os seus modos de sentir, pensar e agir.

Assim, pois, mesmo aderindo a um regimen político, porque lhe pareça mais de acordo com a sua convicção religiosa, não deve o católico identificá-lo com a sua Religião.

Por melhores que se nos afigurem, podem os regimens políticos deixar de corresponder às necessidades e problemas que vão surgindo.

6 – O Integralismo afirma a existência de Deus e a imortalidade da alma. Compreende a família e a autoridade segundo os ensinamentos cristãos. Reconhece, no homem, “uma tríplice aspiração: material, intelectual e moral”. É contra os ódios e as lutas de classe. Para ele, a sociedade é “a reunião de seres humanos, que devem viver em harmonia, segundo os destinos superiores do homem”. No entender dele, a nação é “como uma sociedade de famílias, vivendo em determinado território, sob o mesmo governo, sob a inspiração das mesmas tradições históricas e com as mesmas aspirações e finalidades”. Para o Integralismo, “os elementos morais da Nacionalidade são a Religião e a Família”. O conceito que ele forma da propriedade é o mesmo de Leão XIII e Pio XI.

Até aqui só encontramos acordo entre o Integralismo e a Doutrina Católica, acordo franco e explícito nos pontos mais importantes e mais graves, nos pontos essenciais.

Mas, o Estado Integralista será um Estado Corporativo. Que dizer desse corporativismo?

7 – Sem ir muito longe, ao grande movimento católico social na Alemanha, principalmente depois de 1848, na Áustria, França, Bélgica, Suiça, etc..., vejamos apenas o que há de mais próximo.

Na Encíclica Quadragesimo Anno, depois de referir-se ao “vício do individualismo”, fala Pio XI nas associações de classes, nas corporações que o Estado sacrificou e que a prática social deve dedicar-se a reconstituir; e elogia as corporações, lembrando palavras de Leão XIII.

O mesmo Pontífice fala nas vantagens da organização corporativa, como sejam: a colaboração pacífica das classes, a repressão das organizações e intentos socialistas.

Pio XI combate com energia o erro da economia individualista, de esquecer o lado social e moral do mundo econômico.

Favoráveis às corporações são também: Leão XIII (na citada Encíclica); Pio X (Breve ao Conde Medolago Albani, a 19 de março de 1904); Bento XV (na carta do Cardeal Gasparri ao Presidente da União Econômico Social, a 26 de fevereiro de 1915).

Como Estado corporativo, pois, o Integralismo está de acordo com a orientação da Igreja.

8 – Temem alguns, diz Pio XI, que, na organização corporativa, o Estado se substitua à livre atividade individual e que se torne uma organização excessivamente burocrática e política, servindo a intuitos políticos. Aí temos mais uma prova da sabedoria do glorioso Pontífice.

Acrescenta ele que, para evitar esse desvio, são necessárias, em primeiro lugar, a bênção de Deus e, depois, a colaboração das boas vontades, desde que seja grande a corporação das competências técnicas profissionais e sociais, dos princípios católicos e sua prática.

A Igreja, é ainda Pio XI quem fala, exige apenas que o corporativismo respeite os direitos da personalidade humana, os direitos do cristão, do pai de família e do produtor.

Ora, o Integralismo está nítidamente, perfeitamente, dentro desse quadro traçado pelo incomparável Chefe da Igreja.

No Integralismo, há um regime corporativo integral, abrangendo todas as profissões, menos o Clero e a milícia. Os poderes se organizam democraticamente, nos três graus (municipal, provincial e federal), por eleição corporativa. Quer dizer que o Estado é a resultante das corporações e nenhum interesse pode ter alheio ou contrário a elas. O Estado liberal, ficticiamente, é a resultante da vontade do povo, manifestada em eleições, pelo sufrágio universal. Esse sistema já fez as suas provas e revelou a sua incapacidade e impotência. Os eleitos por classes representarão muito mais seguramente os direitos, aspirações e interesses destas.

Portanto, mesmo levando em conta as paixões humanas, é muito menos de esperar que o Estado absorva a atividade individual, no Integralismo, que nos regimens vigentes.

O Integralismo invoca as bênçãos de Deus; respeita rigorosamente os direitos da personalidade humana; por sua natureza, dá a direção às capacidades técnicas, profissionais e sociais; empenha-se pela colaboração das boas vontades e conciliação das classes.

A conclusão é que o Integralismo está perfeitamente dentro das condições formuladas por Sua Santidade, o Papa Pio XI.

9 – No caso em que se tenha uma organização corporativa paralela a um Estado que não resulte dela e que se tenha organizado de outra forma, compreende-se que esse Estado possa desmandar, agir politicamente sobre as corporações e invadir o domínio da atividade individual. No Estado Integralista, isso só poderá acontecer, dadas as contingências humanas, não, porém, como resultado da natureza mesma do regime, o qual, ao contrário, é muito mais propício que qualquer outro a uma perfeita harmonia, porque nele, propriamente falando, o Estado se identifica com a organização corporativa, de que é apenas a expressão.

Como diz o Código Social, de Malines, a autoridade do Estado deve aplicar-se em fomentar os bens materiais, intelectuais e morais, para o conjunto dos seus membros. Ora, no regimen liberal, nada garante que, do voto atômico, do sufrágio universal, resulte no Estado a verdadeira representação daqueles bens e interesses, como é de presumir e esperar na representação corporativa.

10 – A idéia da organização corporativa é uma idéia vencedora hoje e se vai espalhando, embora sob modalidades diferentes, sem que contra ela se tenha manifestado a autoridade religiosa. A Igreja entrou em relações com o Estado fascista e com ele resolveu o formidável problema dos estados pontifícios. Certo é, pois, que a Igreja não julga esse Estado, em princípio, contrário a ela. Surgiu um conflito, felizmente dissipado. Esse conflito, porém, não procedeu da natureza do regimen, e sim de um modo de ver em determinada direção, e, por isso, pode ser satisfatóriamente resolvido.

11 – No regime monárquico, dada a união entre a Igreja e o Estado, não tínhamos a liberdade de culto. Dizer que esse regime foi favorável à Igreja, seria desconhecer a realidade. Com a república vieram-nos a liberdade de culto, e, em região mais profunda, a liberdade de consciência, que aliás sempre existiu, a liberdade de imprensa, a liberdade de cátedra, a laicisação completa da sociedade brasileira.

Ora, a Igreja condena essas liberdades, como se vê pelo Syllabus. Entretanto, a Igreja aceitou esse regimen no Brasil, entrou em relações com ele e não vedou e nem mesmo censurou que os católicos fizessem parte das organizações partidárias que têm surgido, nem que colaborassem com o governo ou mesmo neste figurassem.

Há, pois, necessidade de um exame detido sobre o assunto, antes de condenar o Integralismo porque aceite a liberdade de culto e o regimen de concordata, em vez do regimen da união entre a Igreja e o Estado, com todas as suas consequências.

12 – Preliminarmente, devo dizer que abraço a opinião de muitos, no entender dos quais, o Syllabus é um ato autêntico de Pio IX, obrigando universalmente os fiéis, não, porém, uma definição ex-cathedra (D’Alés: Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique. – Art.: SYLLABUS) como nas definições dogmáticas.

A multiplicidade de religiões jamais será um bem, diz Mgr. Bougaud. Melhor será que todas as almas tenham um só Deus, uma fé, um batismo, uma Igreja, um caminho para a eternidade. Se, pois, a liberdade de culto é estabelecida como uma glorificação da multiplicidade de cultos; se a sociedade declara, que concede a todos os cultos a liberdade, porque se equivalem, porque são todos igualmente verdadeiros, sendo, portanto, indiferente que se adote este ou aquele ou nenhum, essa liberdade é inaceitável. É nesse sentido que a Igreja condena a liberdade religiosa.

As coisas, porém, não se passam assim. A liberdade de cultos impôs-se como necessidade resultante de circunstâncias, contra as quais foram impotentes os esforços humanos.

Aceitar, pois, a liberdade de cultos como um mal irremovível, de fato, e não como um princípio que se deva sustentar e defender, não é contrário à doutrina da Igreja (Le Christianisme et les temps presents).

Essa distinção entre o princípio e o fato não é meramente escolástica; tem, ao contrário, grande importância prática. Se o Estado reconhece, em princípio, a liberdade de cultos, ele renuncia, ipso facto, a quaisquer meios, procedimentos e intervenções no sentido de fomentar e favorecer a propagação da verdade religiosa, segundo a crença católica, no ensino, na sociedade, na catequese, etc., e dar à Igreja todo o prestígio a que ela tem direito.

A liberdade religiosa, de fato e não de direito, pode e deve significar, que se reconhece existir uma só Religião verdadeira, tolerando-se as outras para evitar maior mal.

Nesse sentido, a liberdade de culto não é condenada pela Igreja.

13 – As mesmas considerações poderemos, seguindo Mgr. Bougaud, aplicar à liberdade de consciência.

Na realidade não há liberdade de consciência para o indivíduo, diante de Deus. Em presença da verdade e do erro, do bem e do mal, conhecidos, revelados, não há direitos de escolha. Diante, pois, de Deus, que é a fonte, e da Igreja, que é a depositária infalível da verdade, não pode haver liberdade de consciência. Mas, e diante do Estado? Perguntai à própria Igreja, se o Estado tem o direito de oprimir a minha consciência. Ela responderá: Não.

Foi Jesus Cristo, quem primeiro afirmou a inviolabilidade da consciência individual.

Se, em certas épocas e em certas condições, pode o Estado dirigir os seus vassalos em matéria religiosa, ele o fez em virtude de uma delegação da Igreja e não em virtude de um direito, que lhe seja inerente. Ora, dada a separação entre a Igreja e o Estado, exigida pelas circunstâncias, como se tem dito, não pode o Estado, isolado, intervir no assunto, e deve proclamar a liberdade de consciência. Uma vez, pois, que há uma grande variedade de religiões, representadas frequentemente no próprio governo, de que resulta a necessidade do regimen da separação, a liberdade de consciência se impõe como necessidade absoluta (Bougaud: Ibidem).

As teses 77 e 78 do Syllabus relativas à liberdade de culto, estabelecem que a existência de um Estado católico se justifica ainda, em nossos dias, mas não excluem a permissibilidade de outros Estados, dadas outras condições (G. Esser e J. Mausbach: Religion. Christentum. Kirche; III Vol. – Die Kirche und die Kultur).

A Igreja católica é muito sábia. Em todo o conflito entre ela e a cultura moderna se descobrirá facilmente uma interpretação errônea da doutrina da primeira ou uma compreensão viciosa dos resultados da segunda.

14 – Jacques Maritain é um escritor católico de grande merecimento, diante do qual nos curvamos reverentes. Não é, porém, a autoridade necessária no caso. Releva notar, que o ilustre escritor se refere ao fascismo e ao nazismo. São esses os tipos que a Europa tem sob as vistas. O Integralismo não é a mesma coisa que aqueles dois regimens; é bastante diferente.

Não descubro no Integralismo nada que importe na negação dos valores espirituais da Igreja. Se há, é coisa muito sutil, que escapa a minha compreensão. Chegarei, então, a esta conclusão bastante singular, isto é, essa subtileza escapara ao próprio criador do Integralismo, ao Chefe Nacional, católico praticante, e a muitos outros católicos entre as principais figuras do Integralismo.

Para mim, muito ao contrário, o Integralismo visa uma efetivação maior desses valores espirituais da Igreja, em colaboração íntima com ela.

15 – Na citada Encíclica Quadragesimo Anno, Pio XI condena tanto o liberalismo absoluto como o estatismo exagerado, sem definir a técnica nem os limites do corporativismo. Diz, ainda aí, Pio XI que duas coisas são necessárias: a reforma das instituições e a dos costumes, entendendo-se pela primeira, em especial, a reforma do Estado. Exige, porém, que a reforma do Estado se faça pelos meios legítimos, sem violências; e a dos costumes, sobre as bases cristãs.

A meu ver, é precisamente isso que o Integralismo tem como objetivo.

16 – O argumento principal contra o fascismo era, na França, este: Estado totalitário, praticando a economia dirigida, tutelando as atividades individuais.

Digamos, de passagem, que a animosidade contra o fascismo, se não desapareceu de todo, está muitíssimo atenuada na França, depois que o mesmo aí se tornou mais conhecido.

Segundo Jean Guiraud, um dos principais redatores da “Croix”, de Paris, a essência do governo totalitário é a identificação do Estado com um partido político ou social, sendo dessa natureza o regimen na França.

Efetivamente, é o que se tem visto nos Estados liberais, é o que se tem visto no Brasil. O Estado resolveu-se no partido vencedor (e vencedor por que processos!); e esse partido absorve tudo, dominando até nas consciências. O Estado Integralista só é totalitário no sentido de ser a expressão dos interesses legítimos de todas as classes e profissões, de ser a resultante de todas as forças vivas da nação. O Estado Integralista não é totalitário no sentido em que, com tanta mágoa, vê Jean Guiraud praticar-se o apregoado regimen liberal democrata, na França. No Estado Integralista, não há partidos; portanto, não existe o perigo de apossar-se do governo, pela força, pela astúcia ou pela corrupção, um partido para oprimir os outros, para destruir a obra, às vezes grande e nobre do partido que o precedeu no poder, para perseguir quem quer que a ele não se submeta.

No Estado Integralista, o poder não é o instrumento de um partido, mas o centro vital do organismo corporativo, não superior a este, pois é parte integrante do mesmo, por ele se exercendo e efetivando, assim como, pelo corpo humano, em união substancial, a alma se exerce a efetiva. Servindo-me das expressões escolásticas, poderei dizer que, no Integralismo, o Estado é a forma e o organismo corporativo a matéria, em união substancial.

17 – No Estado Integralista, a economia não é deixada aos azares da livre concorrência, como no liberalismo nefasto, nem dirigida e tutelada, como no comunismo (mais nefasto ainda); é, porém, uma economia ordenada, capaz de impedir os excessos que hoje vemos.

Totalitarismo, extremismo da direita e outras designações, que se tem empregado para o Integralismo, são inadequadas e injustas, visando apenas torná-lo suspeito.

18 – Dizer que o totalitarismo, seja qual for, contraria a ideologia cristã, não é exato. É preciso distinguir. Quem não distingue, confunde.

Foi essa distinção, que fizemos, colocando a questão nos seus devidos termos.

Não me parece, em conclusão, que o Integralismo algo encerre em contrário à doutrina da Igreja, e que o católico não possa, em consciência, a ele aderir.

Lembrei, por fim, as palavras proféticas de um grande católico social francês, La Tour Du Pin: “A revolução histórica, que fez passar a direção do mestre ao patrão e deste ao capitalista, acabará por passá-la à corporação adaptada aos novos tempos”. Esse sucessor será o Integralismo.


(in Panorama, ano I, nº 12, 1937)