Sunday, February 24, 2008

Setenta e seis anos da SEP

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Na manhã de 24 de fevereiro de 1932, quando – num prelúdio à Revolução Constitucionalista de 09 de julho daquele ano – uma enorme multidão comprimida na Praça da Sé, no Centro de São Paulo, participava do comício promovido pela Liga Paulista Pró-Constituinte para celebrar o quadragésimo primeiro aniversário da Constituição de 1891, suspensa por Vargas desde sua ascensão ao poder, em novembro de 1930, na sede do jornal “A Razão”, à Rua José Bonifácio, na mesma Capital, reunia-se um grupo de intelectuais liderados por Plínio Salgado para organizar a Sociedade de Estudos Políticos (SEP). A SEP seria uma organização que, partindo do estudo da realidade e dos problemas brasileiros, bem como dos ensinamentos de grandes pensadores nacionais e estrangeiros, estabeleceria um novo rumo para o País, salvando-o da sanguinolenta balbúrdia que nele imperava desde o ocaso do Império e o reconduzindo a sua vocação histórica.
A esta reunião, em que restou decidida a criação da SEP e marcada para 12 de março daquele ano a assembléia de fundação da mesma, compareceram, além de Plínio Salgado, Mário Graciotti, Cândido Mota Filho, Fernando Callage, José de Almeida Camargo, Ataliba Nogueira, Alpínolo Lopes Casali, Mário Zaroni, Leães Sobrinho, Iracy Igayara, João de Oliveira Filho, José Maria Machado, Sebastião Pagano, James Alvim e outros não menos ilustres.
A assembléia de fundação da SEP foi realizada a 12 de março, como previsto, no Salão de Armas do Clube Português, à Avenida São João, esquina do Anhangabaú, hoje Avenida Prestes Maia. O Salão, onde se realizaram, ainda, diversas outras reuniões da SEP, fora emprestado – segundo Mário Graciotti, que foi primeiro secretário da organização – por intermédio de José Maria Machado, funcionário do clube que era “português de nascimento, mas brasileiro de coração”[1].
Mais de uma centena de pessoas esteve presente àquela assembléia, entre escritores, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, estudantes e outros. Além daqueles que já citei ao falar da reunião realizada a 24 de fevereiro no Salão Nobre do matutino “A Razão”, compareceram à assembléia de fundação da SEP: Arlindo Veiga dos Santos, Álvaro de Campos, Alfredo Buzaid, Antônio de Toledo Piza, Rui de Arruda Camargo, Ernani Silva Bruno, Ignacio e Goffredo da Silva Telles, Almeida Salles, Lauro Escorel, Roland Corbisier, Ângelo Simões de Arruda, Pimenta de Castro, Carvalho Pinto e diversos outros, totalizando, como anteriormente afirmei, mais de cem pessoas.
Plínio Salgado, que - vale lembrar - era já àquele momento um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, abriu a sessão de 12 de março com as seguintes palavras:
“Senhores, por toda a parte ouço a palavra revolução; de todos os lados nos chegam os ecos de ingentes reclamos que, em meio à confusão dominante no País desde Outubro de 1930, apelam para o ‘espírito revolucionário’. Na verdade, tudo indica que o Brasil quer renovar-se, quer tomar posse de si mesmo, quer marchar resolutamente na História. Clama-se por justiça social e por uma mais humana distribuição dos bens; exige-se do Estado que intervenha, com poderes mais amplos, tendentes a moderar os excessos do individualismo e a atender aos interesses da coletividade. Neste momento, congrego-vos para estudarmos os problemas nacionais e traçarmos em conseqüência destes estudos, os rumos definitivos de uma política salvadora. No entanto, quero frisar, com a maior veemência, que procede das profundas convicções espiritualistas inspiradoras do meu pensamento e da minha ação, o seguinte: fala-se de revolução, pedem-se revoluções; pois bem: façamos as que forem necessárias à justiça humana e à saúde da Pátria, mas não nos esqueçamos um instante sequer dos intangíveis direitos da pessoa humana. Peço-vos, senhores, que havendo de reformar, de modificar, de revolucionar, tudo façais se assim vos ditar vossa consciência; mas por favor, meus amigos, não toquemos no Homem”[2].
E acrescentou, de forma apaixonada, o autor de “O estrangeiro”: “O Homem é livre, Deus o fez livre e responsável, e o seu maior tesouro é a sua liberdade, a intangível expressão da sua própria consciência, o caráter que imprime ao que faz e ao que possui, o escudo com que se defende do arbítrio do Estado e da Coletividade e é constituído pelo grupos naturais em que se integra. Assim, repito-vos: não toquemos no Homem e na sua Liberdade”[3].
Ainda nesta reunião, havendo terminado de ler a longa exposição iniciada pelas linhas que acabo de transcrever, Plínio Salgado apresentou os nove princípios básicos da SEP, por ele anteriormente redigidos e que cabe aqui reproduzir:
“- Somos pela unidade da Nação.
- Somos pela expressão de todas as suas forças produtoras no Estado.
- Somos pela implantação do princípio da autoridade, desde que ele traduza forças reais e diretas dos agentes da produção material, intelectual e da expressão moral do nosso povo.
- Somos pela consulta das tradições históricas e das circunstâncias geográficas, climatéricas e econômicas que distinguem nosso país.
- Somos por um programa de coordenação de todas as classes produtoras.
- Somos por um ideal de justiça humana, que realize o máximo de aproveitamento dos meios de produção, em benefício de todos, sem atentar contra o princípio da propriedade, ferido tanto pelo socialismo, como pelo democratismo, nas expressões que aquele dá à coletividade e este ao indivíduo.
- Somos contrários a toda tirania exercida pelo Estado contra o Indivíduo e as suas projeções morais; somos contra a tirania dos Indivíduos contra a ação do Estado e os superiores interesses da Nação.
- Somos contrários a todas as doutrinas que pretendem criar privilégios de raças, de classes, de indivíduos, grupos financeiros ou partidários, mantenedores de oligarquias econômicas ou políticas.
- Somos pela afirmação do pensamento político brasileiro baseado nas realidades da terra, nas circunstâncias do mundo contemporâneo, nas superiores finalidades do Homem e no aproveitamento das conquistas científicas e técnicas do nosso século”[4].
Reuniam-se diariamente as comissões e subcomissões da SEP, que eram organizadas de acordo com as vocações pessoais de cada um dos associados e consoante as categorias dos assuntos: Filosofia, Sociologia, História, Geografia, Literatura, Arte, Economia e Finanças, Pedagogia, Direito Público, Medicina Social[5]. Ademais, eram realizadas sessões plenárias duas ou três vezes por semana.
Na SEP eram estudadas as obras de pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Euclides da Cunha, Oliveira Lima, Oliveira Vianna, Jackson de Figueiredo, Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Calógeras, Alberto e Octavio de Faria, Tristão de Athayde, Conde de Afonso Celso, Graça Aranha e outros, bem como as de autores europeus como os italianos Giovanni Gentile e Alfredo Rocco e o português António Sardinha, maior pensador tradicionalista de seu país e principal líder do movimento patriótico, nacionalista, tradicionalista e monárquico a que chamamos Integralismo Lusitano.
A 06 de maio de 1932, Plínio Salgado propôs a criação de uma seção cujo fim seria o de difundir, em todas as classes sociais, o programa político regenerador da SEP. Tal seção chamar-se-ia Ação Integralista Brasileira.
Foi nomeada, então, uma comissão encarregada da elaboração do Manifesto a ser lançado ao povo, sendo tal comissão constituída por Mota Filho, Almeida Camargo, Ataliba Nogueira e Plínio Salgado, este último designado relator.
Aos 23 dias daquele mês, uma turba enfurecida empastelou e incendiou o jornal A Razão, que por ser um órgão de doutrinação nacionalista, opondo-se, outrossim, a qualquer regionalismo desagregador e, ainda, por ter a consciência de que São Paulo não poderia derrotar em armas a ditadura varguista, foi julgado injustamente como adversário da constitucionalização do Brasil. Terminava, assim, a curta porém gloriosa história do jornal que, graças a Plínio Salgado, se tornara em pouco tempo – na expressão de Virgínio Santa Rosa – o mais perfeito e elevado de quantos hajam sido fundados no Brasil[6]. Fora naquele matutino – que tivera como colaboradores intelectuais do porte de San Tiago Dantas, João Carlos Fairbanks, Silveira Peixoto, Mário Graciotti, Nuto e Leopoldo Sant’Anna, dentre outros de igual ou um pouco menor estatura – que Plínio Salgado revelara – através de seu artigo de abertura diário, intitulado Nota Política e lido com entusiasmo em todo o País e mesmo fora dele – o notável sociólogo que vivia embuçado no igualmente notável romancista, sendo saudado por Tristão de Athayde como a maior revelação do ano[7].
Após empastelar e incendiar as oficinas de A Razão, a multidão dirigiu-se à sede da Legião Revolucionária de São Paulo, cujo Manifesto – magnífico, aliás, como reconheceram Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Octavio de Faria, Azevedo Amaral e tantos outros – fora redigido por Plínio Salgado, que logo se afastara da Legião justamente por vê-la se distanciar das diretrizes por ele traçadas naquele Manifesto.
Ao tentar invadir a sede da Legião Revolucionária, a multidão foi recebida a bala, sendo que a chegada dos homens da Força Pública só fez recrudescer a luta, que culminou em dezenas de feridos e na morte dos estudantes Mário MARTINS de Almeida, Euclides Bueno MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Sousa e Antônio Américo de CAMARGO, cujas iniciais dos nomes pelos quais eram mais conhecidos formaram a famosa sigla MMDC, que acabou por se tornar o nome do principal movimento pela constitucionalização do Brasil.
Como observa Sérgio de Vasconcellos, do incêndio criminoso que destruiu o diário “A Razão” escaparam, “milagrosamente incólumes, uma mesa e uma estante, justamente as que abrigavam os fichários e arquivos da S.E.P. e da Ação Integralista Brasileira”, de modo que Plínio Salgado pode prosseguir em “sua obra de arregimentação das novas inteligências brasileiras”[8].
Em junho, a SEP realizou - segundo Plínio Salgado – duas reuniões, sendo que na primeira delas Plínio leu o anteprojeto de seu Manifesto, havendo ficado deliberado que se tirariam dele diversas cópias a serem distribuídas entre os associados da SEP, a fim de que estes sugerissem a ele reparos, emendas ou acréscimos a serem discutidos.
Na segunda reunião de junho, o Manifesto – que fora redigido por Plínio ao longo de maio, “mês inolvidável” de seus padecimentos, em virtude do empastelamento e incêndio de “A Razão”[9] - foi aprovado, praticamente sem modificações. Estavam São Paulo e o Brasil, porém, às vésperas da inevitável guerra fratricida, de modo que Cândido Mota Filho sugeriu, prudentemente, o adiamento da publicação do Manifesto para momento mais oportuno.
De fato, poucos dias mais tarde, mais precisamente a 09 de julho, estourou a Revolução Constitucionalista, que – a despeito de toda a bravura dos paulistas e demais brasileiros que lutaram pela reconstitucionalização do Brasil – terminou com a inevitável derrota militar das forças constitucionalistas, a 02 de outubro daquele ano, com a assinatura do armistício na cidade valparaibana de Cruzeiro.
Uma vez terminada a Revolução, chegou-se à conclusão de que era finalmente chegado o momento de imprimir e divulgar o Manifesto, que, uma vez impresso, foi distribuído a 07 de outubro de 1932, tornando-se, assim, conhecido como “Manifesto de Outubro”, a despeito de haver sido redigido em maio e aprovado em junho.
Para terminar a presente exposição, julgo oportuno transcrever os três derradeiros parágrafos de meu artigo referente aos setenta e cinco anos do Manifesto que criou, oficialmente, a Ação Integralista Brasileira:
“O ‘Manifesto de Outubro’ é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas ‘Rerum novarum’ e ‘Quadragesimo anno’, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização ‘do caboclo e do negro de nossa terra’. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro ‘movimento de massas’ e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o ‘mais fascinante grupo da inteligência do País’, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres”[10].


NOTAS:

[1] Mário Graciotti, “Os deuses governam o mundo”, São Paulo, Nova Época Editorial, 1980, p. 253.
[2] In Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, in “Enciclopédia do Integralismo”, vol. I, Rio de Janeiro, Edições GRD/Livraria Clássica Brasileira, s/d, pp. 144-145.
[3] Idem, p. 145.
[4] In “Plínio Salgado” (obra coletiva), 4ª ed., São Paulo, Edição da Revista Panorama, 1937, p. 35.
[5] Idem, loc. cit..
[6] Virgínio Santa Rosa, in “Plínio Salgado”, op. cit., p. 73.
[7] Idem, loc. cit..
[8] Sérgio de Vasconcellos, “Apêndice histórico sobre o Manifesto de Outubro”. Disponível em http://www.integralismo.org.br/novo/?cont=75&vis=. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.
[9] Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, op. cit., p. 146.
[10] Victor Emanuel Vilela Barbuy, “75 anos do Manifesto de Outubro”, in “O Município”, São João da Boa Vista, 06/10/2007. Também disponível em: http://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com/2007/10/75-anos-do-manifesto-de-outubro.html. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.