Por Victor Emanuel Vilela Barbuy
Segue
texto que serviu de base à palestra que apresentamos, na cidade de Curitiba, no
último dia 07 de setembro, por ocasião do III Encontro Nacional Evoliano, sob o
título de “Espírito burguês e espírito nobre”. Antes de apresentá-lo, julgamos
oportuno fazer uma breve advertência tanto àqueles que nos atacarem por
citarmos algumas lições de Julius Evola quanto àqueles que o fizerem por
colocarmos o Cristo como modelo de espírito nobre, falarmos em nobreza cristã e
nos valermos dos ensinamentos de diversos pensadores católicos. Aos primeiros,
provavelmente pseudotomistas de espírito integralmente oposto ao de Santo Tomás
de Aquino, recomendamos o estudo da obra do Doutor Angélico, que sempre buscou
os aspectos de verdade presentes em todos os pensadores e doutrinas que
conheceu, valendo-se, com efeito, de ensinamentos válidos de autores dos quais,
partindo da Revelação Cristã, discordava em diversos pontos, tais como Avicena,
Averróis, Maimônides, Platão e, é claro, Aristóteles. Do mesmo modo, aos
últimos, lembramos que Evola estudou, admirou e citou diversos pensadores
tradicionalistas católicos, a exemplo de Joseph De Maistre, Louis De Bonald,
Juan Donoso Cortés e o próprio António Sardinha, mais destacado líder e
doutrinador do Integralismo Lusitano, além de haver admirado e elogiado, em sua
fase mais madura, o Catolicismo tradicional e autêntico, chegando, já em meados
da década de 1930, a dizer, a um jornalista que o entrevistou em Viena,
conforme recordou ele próprio, em artigo contra O equívoco do “novo paganismo”, publicado na revista Bibliografia Fascista em 1936, que lhe parecia chegado o tempo “no qual nos
achamos quase obrigados a nos declararmos, se não cristãos, ao menos católicos”
[1].
Espírito
burguês e espírito nobre
Antes
de ser uma classe social, é a burguesia um estado de espírito. É ela, como
preleciona Plínio Salgado, este “varão justo, santo e sábio igualmente,
encarnação viva de seu povo e descobridor bandeirante das essências de sua
pátria”, na expressão de Francisco Elías de Tejada [2], “o próprio espírito da
avareza e da sensualidade”, hoje presente em todas as classes, e que se traduz,
antes de tudo, pela “preocupação exclusiva pelos bens materiais”, que deixam de
se constituir em um meio da Pessoa Humana, ordenado a seu Fim Último, que é
Deus, ou a contemplação de Deus na vida eterna, também denominada eterna
bem-aventurança, e se transformam em um fim, o mesmo ocorrendo com os cinco
sentidos do Homem, tornados fins únicos de todas as suas manifestações e
realizações [3]. Tal espírito, a que também podemos denominar burguesismo,
mamonismo, ou, ainda, mal burguês, sempre existiu, ainda que seu pleno triunfo
tenha se dado apenas entre os fins do século XVIII e albores do século XIX, se
fazendo presente, com efeito, em todas as principais civilizações da História,
podendo ser aqueles que o encarnam também chamados epicuristas, segundo a
denominação dada aos discípulos do hedonista Epicuro nas civilizações grega e
romana, ou servidores de Mamon, segundo a terminologia do Evangelho, onde Cristo
ensina que não podemos servir a um só tempo a Deus e a Mamon (São Lucas,
capítulo XVI, versículo 13).
Isto
posto, cumpre assinalar que o termo mamonismo pode ser tomado como sinônimo de
burguesismo, ou de espírito burguês, caso compreendido como uma disposição do
espírito caracterizada pela ânsia insaciável de lucro e como uma concepção de
vida orientada única e exclusivamente aos valores materiais, e também no
sentido de poder internacional do dinheiro, de tirania do capital especulativo,
de despotismo do ouro, de Internacional Dourada, de potência supranacional e
supraestatal que submete ao pesado jugo de sua escravidão, em maior ou menor
grau, todos os povos do Orbe Terrestre [4]. Em outras palavras, pode ser o
mamonismo tomado no sentido de império despótico e vampiresco das forças do
dinheiro e também no sentido de burguesismo, ou seja, de disposição de espírito
traduzida na adoração do dinheiro, no culto de Mamon e do Bezerro de Ouro,
sendo, neste sentido, marcado, antes de tudo, pela avidez sem limites de
enriquecimento material, pela busca do acréscimo ilimitado das riquezas, ou, na
frase de Santo Tomás de Aquino, “pela cobiça do lucro, que não conhece limite e
tende ao infinito” [5]. Tal expressão do Doutor Angélico define, no entender do
Padre Julio Meinvielle [6], e também no nosso, o chamado capitalismo, sistema
sócio-econômico essencialmente moderno, antitradicional, que deve ser, como
tal, combatido por todos os tradicionalistas autênticos, assim como os
gravíssimos danos causados por tal perverso sistema ao tecido social, danos
estes que temos o imperioso dever de denunciar, sob pena de com eles
compactuar, tendo plena consciência de que, conforme salienta Julius Evola,
desenvolveu tal sistema, sob o nefasto signo do liberalismo econômico, ao qual
serve o liberalismo político, diversas “formas de pirataria”, bem como de
“cínica e antissocial plutocracia” [7].
Ambas
as formas de mamonismo estão intimamente relacionadas, levando a avidez
desmedida de dinheiro, de bens materiais e, como tais, terrenos, assim como a
adoração de tais bens, ao robustecimento igualmente sem limites do poderio do
execrável império plutocrático que tiraniza e escraviza, em diferenciados
graus, a totalidade das nações da Terra.
O
espírito burguês, ou espírito mamonístico, é o espírito do capitalismo, sistema
econômico destruidor de famílias e escravizador de homens e de povos em que o
sujeito da Economia é o Capital, cujo acréscimo ilimitado, pela aplicação de
pretensas leis econômicas mecânicas, é considerado o objetivo final e único de
toda a produção [8], e que, como frisa Vázquez de Mella, em discurso proferido
no parlamento espanhol a 23 de abril de 1903, não percebe que o problema não é
a produção da riqueza, mas sim sua distribuição equitativa [9]. Tal sistema,
que, afastando a instrumentalidade da riqueza material, erigiu-a no lugar de
Deus, trocando, como diria Heraldo Barbuy, o Sumo Bem pela “suma riqueza” [10],
não é o sistema da propriedade privada e da livre iniciativa, que, com efeito,
são naturais, já existindo muito antes de seu surgimento, mas, ao contrário,
como faz salientar Gustavo Barroso, um sistema em que indivíduos e grupos
econômicos podem açambarcar à vontade propriedades alheias, sendo, pois, “em
última análise, um destruidor da propriedade” [11]. Neste mesmo diapasão,
pondera Hilaire Belloc que o capitalismo é o sistema que emprega o direito de
propriedade “em benefício de uns poucos privilegiados contra um número muito
maior de homens que, ainda que livres e cidadãos em [suposta] igualdade de
condições, carecem de toda base econômica própria” [12], isto é, o sistema
econômico no qual os meios de produção são controlados por uma minoria e a
esmagadora maioria dos cidadãos se encontra excluída e despossuída [13].
O
espírito burguês, reinante no Império de Calibã e de Mamon em que vivemos, é o
espírito do Sr. Grandet e das filhas do pai Goriot, de Balzac; do Harpagão de
Molière; do Shylock de Shakespeare e do Scrooge de Charles Dickens (antes da
visita do fantasma de seu falecido sócio Marley e dos espíritos do Natal
Passado, Presente e Futuro). E é o espírito de todos os usurários, dos fariseus
que transformaram o Mundo em um vasto mercado governado pelo dinheiro, bem como
dos falsos rebeldes que se levantam contra eles e que se nutrem do sentimento
de profunda injustiça social gerado pelo sistema capitalista, a exemplo dos
adeptos do nefando credo de Karl Marx, o eterno burguês, continuador de Adam
Smith e David Ricardo e propugnador do materialismo absoluto, que acreditou
como poucos nos mitos burgueses do cientificismo, do tecnicismo e do progresso
indefinido, além de tudo haver explicado pelo fator econômico, o que é, com
efeito, típico de seu tempo, posto haver sido o século XIX, como anota Carl
Schmitt, um século “essencialmente econômico” [14]. Aliás, como observa Plínio
Salgado, é absoluta a identidade do marxismo com a filosofia liberal-burguesa
predominante em seu tempo [15], assim como com a economia liberal-burguesa,
chamada “clássica”, não passando tal sistema, segundo o autor de Vida de Jesus e de Espírito da burguesia, “de um capítulo acrescentado à Economia
Burguesa” ´[16]. Assim, é o comunismo, na frase de José Pedro Galvão de Sousa,
“uma das formas do sistema capitalista, baseado na dissociação entre capital e
trabalho” [17], sendo impossível, como faz ver Plínio Salgado, combater-se o
comunismo sem combater-se também o capitalismo e vice-versa, sendo ambos duas
faces de uma mesma cabeça, verso e reverso de uma só medalha ou moeda, duas
cabeças de uma só serpente, que não é senão o materialismo [18].
Destarte,
nós outros não podemos erguer a bandeira do comunismo contra a (des)ordem
liberal-burguesa de que ele mesmo deriva e cujo espírito antitradicional
encarna até à medula, do mesmo modo que não nos é possível pelejar contra o
comunismo invocando os velhos e carcomidos ideais da concepção de Mundo, ou Weltanschauung, liberal-burguesa, que
bem podem ser resumidos nos “imortais princípios” da revolução (anti)francesa
de 1789, sendo nossa missão, nosso dever, desembainhar a espada da Tradição,
pugnando pela destruição da funesta “era liberal-burguesa” e pela restauração
da Ordem Tradicional, devidamente adaptada, nos aspectos circunstanciais, à
realidade da hora que passa. Para tanto, devemos nós outros, paladinos e
arautos da Ordem Tradicional, a única autenticamente orgânica e não utópica,
nadar sensatamente contra a corrente, ou, para empregarmos o ditado chinês que
deu nome a umas das principais obras de Julius Evola, “cavalgar o tigre” [19],
tigre da modernidade materialista e plutocrática, que não pode se lançar contra
aquele que o cavalga, aguardando o momento do cansaço do tigre para matá-lo.
Neste
mesmo sentido, sustenta o autor de Revolta
contra o Mundo Moderno que há, a par da burguesia tomada enquanto classe
sócio-econômica, a burguesia compreendida enquanto “um mundo intelectual, uma
arte, um costume, uma concepção geral da existência”, formados paralelamente à
denominada “revolução do Terceiro Estado” e que ora se apresentam como algo em
decadência, caduco e vazio de sentido. Em seguida, frisa o autor de Os homens e as ruínas que são
extremamente perigosas as “veleidades de reação” que sabem tão somente fazer
referência a instituições, ideias e costumes da decadente civilização, ou “era
burguesa”. Isto significaria, segundo o pensador romano de origem siciliana,
prover de armas os inimigos, sendo que, em seu sentir, “tudo aquilo que,
enquanto mentalidade e espírito burguês”, com seu conformismo e “suas
preocupações por uma vida pequena e segura, na qual um materialismo fundamental
encontra sua compensação na retórica dos grandes discursos humanitários e
democráticos” não pode “mais ter senão uma vida artificial, periférica e
precária, por mais tenaz que possa ser sua sobrevivência em amplos estratos de
muitos países”. Daí sustentarmos, com Evola, que “reagir em nome dos ídolos, do
estilo de vida e dos medíocres valores do mundo burguês” implica em perder a
batalha logo de entrada [20]. Isto vale, não é necessário dizer, para todos os
vários pretensos grupos tradicionalistas e/ou nacionalistas que se vêm formando no Brasil orientados pelos ideais do chamado
conservadorismo anglo-estadunidense, de acentuado cariz liberal, sobretudo dos
pontos de vista econômico e político, e que fazem a defesa do espírito burguês,
da civilização burguesa e das instituições e valores liberal-burgueses.
O
espírito burguês é o espírito liberal, sendo o liberalismo, sistema
essencialmente individualista que afirma a liberdade abstrata e praticamente
ilimitada, assassina das liberdades concretas, em todos os campos da vida e da
Pessoa Humana, afastando-se, em todos esses campos, das regras ditadas pela
Moral e pela Tradição, e que se configura na ideologia por excelência não
apenas do capitalismo escravizador, mas de todo o Mundo Moderno, que é, em
última análise, o Mundo liberal-burguês.
Isto
posto, faz-se mister assinalar que assim como, no dizer de Petrarca, pela voz
da Razão, no diálogo desta com a Satisfação, que consta da obra Dos remédios da boa e má fortuna, “o
verdadeiro nobre não nasce, mas faz-se” [21], o burguês enquanto tal em
espírito, que não se confunde necessariamente com o membro da burguesia
enquanto classe social, do mesmo modo que o nobre em espírito, que tinha em
vista o poeta dos Canzoniere, não se
confunde necessariamente com o nobre enquanto membro da classe a que
denominamos nobreza, ou seja, enquanto lustre de sangue, o burguês também não
nasce tal, mas faz-se pela busca excessiva das riquezas materiais, dos prazeres
e da vida cômoda, ou, como diria D. Jerónimo Osório, o chamado “Cícero
português”, último bispo de Silves e primeiro bispo do Faro, se referindo ao
“vulgo”, à “turba”, a “abastança dos cómodos da vida”, não estimando, segundo
ele, ao contrário dos nobres, dos aristocratas, “que deva reputar-se como fito
a obtenção de honra e dignidade”, do legítimo “poder e glória” que dão “lustre
e nomeada” aos nobres [22].
A vida cômoda, ou a sua busca, é uma das
principais características do burguês, assim como a covardia física, mental e
moral deste ser que Léon Bloy, “o mais radical dos ocidentais insurgidos contra
o espírito burguês do século”, na frase de Nikolai Berdiaeff [23], disse ter
como traço característico “o medo de qualquer determinação heroica que se
manifeste nos outros, assim como nele mesmo” [24], não sendo, ademais, senão
“um porco que gostaria de morrer de velhice” [25] e um indivíduo que se
envergonha de “tudo aquilo que é belo e nobre” [26].
Enfim,
o espírito burguês, que se assenhoreou do assim chamado Mundo Moderno, da
civilização materialista cujo ocaso vivemos, é um veneno corrosivo, uma doença
degenerativa que atinge todos os países do Globo Terrestre e, principalmente,
aqueles do Hemisfério Ocidental, transformando os povos em massas amorfas, em
turbas inconscientes, e é, ainda, a religião terrena do burguês, amante da vida
cômoda e incapaz de acreditar naquilo que transcende os sós elementos puramente
materiais. É o espírito, ou categoria ontológica, daqueles que não são capazes
de sonhar e que, como tais, já nasceram velhos, conforme sublinha Plínio Salgado
[27], que, partindo do princípio de que a idade é um estado de espírito, opõe a
juventude perene do Ideal à velhice dos escravos do comodismo e da rotina, dos
servos da decrépita ordem liberal-burguesa imperante no carcomido Mundo
Moderno, que não é senão, como não cansamos de repetir, o Mundo liberal-burguês
por excelência. É, em uma palavra, o espírito dos covardes físicos, mentais e
morais que temem tudo aquilo que é grande, belo, nobre e corajoso, daqueles que
têm no dinheiro seu Deus e sua Pátria, dos desenraizados desdenhadores do
Passado e da Tradição, apegados ao Presente e a suas instituições como a uma
tábua de salvação e incapazes de antever o Futuro, inconscientes de que, como
faz ver Arlindo Veiga dos Santos, “o Presente que nega o Passado não terá
Futuro” [28], assim como “só os sonhadores, só os
visionários são senhores do Futuro”, enquanto “os sanchos-panças comem o
presente, dormem o presente, morrem o presente”, desaparecendo “sem ter criado
as artes, a poesia, as flores, os Impérios” [29].
Há que ressaltar, contudo,
que os sonhadores de que fala Arlindo Veiga dos Santos são os sonhadores
orgânicos, ou idealistas orgânicos, que desejam melhorar o real com base na
Tradição e não perverter a realidade com ideias abstratas, quimeras, mitos brotados
na cabeça de ideólogos sonhadores de utopias e irrealizáveis no plano real, os
sonhadores que, enfim, sonham conscientes de que as instituições políticas devem brotar da Tradição e da
História dos povos e que extraem da História uma Tradição sólida e viva, um
coeficiente espiritual de edificação moral, social e cívica, um desenvolvimento
estável e verdadeiro, transmissor e enriquecedor do patrimônio de pensamento e
de costumes herdado de nossos maiores.
Isto posto, falemos do
espírito nobre, a que também podemos denominar espírito aristocrático e
espírito de elite, no sentido autêntico, espiritual e não econômico, deste
último termo, correspondendo, do mesmo modo, ao espírito samurai do Japão
tradicional e ao “espírito de serviço e de sacrifício”, ao “sentido ascético e
militar da vida” de que nos fala José Antonio Primo de Rivera [30]. Corresponde
tal espírito, ainda, em última análise, ao espírito legionário de que nos fala
Evola, que o define como “o hábito daquele que soube escolher a vida mais
dura”, daquele que “soube combater ainda que sabendo que a batalha era
materialmente perdida”, embora moral e espiritualmente vitoriosa desde o
início; de quem “soube convalidar as palavras da antiga saga: Fidelidade é mais forte que o fogo” e
por meio do qual se “afirmou a ideia tradicional, que é o senso do honor e da
vergonha” [31].
Assim como a burguesia, a
nobreza, antes de ser uma classe social, é um estado de espírito, uma categoria
ontológica, uma concepção geral da vida, que sempre existiu e sempre combateu
contra o espírito burguês, preponderando sobre este nas sociedades tradicionais
e hierárquicas, antes do ocaso do denominado Mundo da Tradição. É tal espírito caracterizado, antes e acima
de tudo, pela busca das virtudes espirituais e cívicas, pela existência voltada
sobretudo à acumulação de bens extraterrenos, pela rejeição da vida cômoda e o
combate sem trégua em prol dos valores perenes da Tradição, que implica, em
nossos dias, em nadar sempre contra a maré de erros da inautêntica civilização
materialista a que denominamos Modernidade, ou Mundo Moderno.
Segundo
D. Jerónimo Osório, o chamado “Cícero português”, já aqui citado e reputado por
Francisco Elías de Tejada não apenas “o
máximo pensador político dos povos hispânicos” [32], como, ainda, “o supremo
pensador hispânico, português e castelhano, de todos os séculos” [33], a
nobreza se divide em
“nobreza civil” e “nobreza cristã”, a primeira fundada nas virtudes cívicas e a
segunda, superior, “nobreza plena e fora de toda a limitação”, estribada na “verdadeira
e perfeita virtude e clarificada “por aquele verdadeiro e divino lume da
santidade” [34], sendo seus ornamentos, diante da “inconstância das riquezas”,
da “fugacidade das horarias e da glória humana”, do “lustre completamente falaz
de estirpes e fidalguias”, os únicos “amplos, imortais, divinos”, que não
poderão ser estirpados por nenhuma violência, aniquilados com o esquecimento de
nenhuma velhice ou extintos por qualquer desastre [35].
Isto posto, salientamos que não partimos aqui da divisão
que o autor dos Tratados da nobreza civil
e cristã faz entre “a virtude estreme” que distingue um homem dotado
daquilo a que chamaríamos de espírito nobre, mas proveniente de linhagem
plebeia, e a “nobreza congénita que se aprimorou pelo lustre de qualidades
adquiridas”, posto que aquele mérito distingue tão somente aquele varão, que
pode ser o primeiro de uma linhagem em que, após gerações o imitando em “seu
anelo de glória”, principiará a luzir “o lustre da nobreza egrégia”, ao passo
que o brilho da nobreza refulge em todos os membros da família” [36],
preferindo chamar, como o fazem, dentre outros, Petrarca, nobre a qualquer um
que se diferencie do vulgo pela posse das chamadas virtudes cívicas. Já a nobreza cristã, para empregarmos a
expressão de D. Jerónimo Osório, evidentemente pode ser atingida, no entender
do autor do Tratado da verdadeira
sabedoria, por todos aqueles que “buscam a honra”, “procuram a dignidade”,
“demandam a glória”, ocupando-se, para tanto, “no zelo da virtude cristã”,
abraçando “ardentemente a genuína virtude, a absoluta liberalidade, a perfeita
moderação de ânimo e as restantes virtudes que nos foram prescritas pelo
Senhor”, mantendo-se “firmes nesta fortaleza, única que se ajusta à grandeza e
à glória deste nome” [37].
O
espírito nobre é o espírito dos que abraçam humildemente a vida heroica e se
fazem homens contra os tempos que passam, tanto quanto os burgueses em espírito
se fazem homens em favor, consciente ou inconscientemente, destes mesmos
tempos; dos extemporâneos, dos inatuais no sentido dado a este termo por
Nietzsche, dos inconformados com os valores mesquinhos do Mundo Moderno, dos
corajosos física, mental e moralmente, que se dirigem ao campo de batalha
conscientes de que, espiritual e eticamente, o triunfo já lhes pertence e que
estão dispostos a tudo sacrificar em prol dos valores tradicionais, nada
pedindo em troca, muito menos a compreensão dos burgueses amantes da rotina e
da vida cômoda e incapazes de atingir a verdadeira honra e a verdadeira glória;
dos inimigos, sim, do espírito burguês e da ordem liberal-burguesa, mas, antes
disso, afirmadores do próprio espírito nobre e da Ordem Tradicional. É também o
“espírito de Cristo” de que nos fala Plínio Salgado, que opõe o espírito
essencialmente nobre do Rei dos reis ao espírito burguês, salientando que este
último é um espírito de “comodismo, inércia, incapacidade de se elevar a ideais
nobilitantes, incompetência para caminhar contra a corrente dos erros e o
vendaval da loucura contemporânea” e que o combate contra tal espírito
significa, antes de qualquer outra coisa, a autoimposição de “normas de nobreza
tanto na vida particular como na vida pública” [38]. Por conseguinte, segundo
preleciona o autor de Psicologia da
Revolução, nosso combate contra o espírito e o Mundo burguês “deve
principiar em nós mesmos”, correspondendo à “revolução interior” [39], sempre
pregada por este nobre bandeirante de Deus, da Pátria e da Família, que se fez
Chefe do maior movimento tradicionalista e nacionalista da História Pátria, o
Integralismo, assim como o principal sistematizador da Doutrina essencialmente
cristã, tradicional e brasileira que inspirou tal movimento, reputado por
Gerardo Mello Mourão o “mais fascinante
grupo da inteligência do País” [40].
Inspirado
nos ensinamentos de Plínio Salgado sobre a verdadeira Revolução, Gustavo
Barroso, segundo principal doutrinador do Integralismo, sustenta, na obra Espírito
do século XX, que a “Revolução Interior”, “Revolução Espiritual”, ou
“Revolução Integralista”, definida como “mudança de atitude do espírito em face
dos problemas que se lhe apresentam, em qualquer ordem moral ou material”, se
realiza em “nosso íntimo e somente após essa realização vai modificar o
determinismo ambiente, interferindo na sucessão de causas e efeitos, a fim de
criar novas causas que deem como resultado novos efeitos”, sendo, por isso,
invencível. É uma Revolução que “muda todos os conceitos e dá um novo sentido
de vida”, se processando “com ideias e homens cheios dessas ideias, não
correndo o perigo de ver à sua frente, no dia da vitória, um deserto de homens
e de ideias” [41].
No mesmo
sentido, preleciona Corneliu Codreanu, máximo líder e doutrinador do Movimento
Legionário romeno, que “o homem
novo e a nação renovada pressupõem uma grande revolução espiritual de todo
o povo, isto é, uma mudança da orientação
espiritual moderna,
e uma ofensiva categórica contra essa orientação” [42].
Consoante
assinala Plínio Salgado, o Ente Humano tem o direito de intervir na
marcha da História e quando uma Sociedade está se dissolvendo e um País está na
iminência de se desagregar esta intervenção se impõe como um dever [43], razão
porque, em nossos dias, neste “mundo de ruínas” de que nos fala Evola, nós
outros, antiburgueses sobretudo, como sublinha este, por uma “superior
concepção, heroica e aristocrática” da existência humana, temos o imperioso
dever de intervir no momento presente, fazendo a nossa parte, por pequena que
seja, na luta pelo triunfo do espírito nobre e restauração da Ordem
Tradicional, com a consequente derrota do espírito burguês da ordem burguesa,
que só se dará por uma autêntica Revolução, ou, como diria o pensador
tradicionalista brasileiro Arlindo Veiga dos Santos, criador e principal
doutrinador e líder do Movimento Patrianovista, “verdadeira Revolução,
REVOLUÇÃO DA ORDEM, contra os aspectos vários da república ‘moderna’”” [44].
A Revolução Interior, que é permanente, sendo, noutras
palavras, uma batalha interna sem fim, uma cruzada travada a todo tempo dentro
de nós mesmos, é, em última análise, um combate interior perene entre o nobre e
o burguês, sendo nosso dever derrotar o burguês que há em cada um de nós,
conscientes de que o guerreiro que o vence é cem vezes mais heroico do que
aquele que derrota cem inimigos externos, mas não o inimigo interno, o burguês
que há dentro dele.
Tal
Revolução – de acordo com o significado mais próprio do termo, que não é senão
o seu significado tradicional de tal vocábulo, correspondente àquele
astronômico – reconduzirá o Homem e a Sociedade a seu princípio, às bases
morais de sua formação, não sendo, ao contrário da revolução moderna, burguesa
ou pretensamente proletária, inimiga da Tradição, mas antes restauradora desta,
sendo, pois, a única Revolução digna dos nobres, ou aristocratas, em espírito,
que não são senão, em última análise aqueles homens que, segundo Evola, “se
encontram por assim dizer, de pé entre as ruínas e em meio à dissolução”, mas
que, de maneira mais ou menos consciente, pertencem a outro Mundo, que vem a
ser o Mundo da Tradição [45].
[1]
EVOLA, Julius. El equívoco del “nuevo
paganismo”. In Idem. Mas allá del
fascismo (antologia organizada por Marcos Ghío). Tradução do italiano e estudo
preliminar de Marcos Ghío. 2ª ed. ampliada. Buenos Aires: Ediciones Heracles,
2006, p. 229.
[5] AQUINO, Santo
Tomás de. Suma Teológica.
II.ª parte da II.ª parte, questão 77, artigo 4º, solução. Trad. de Alexandre
Corrêa. 1ª ed. Vol. XIV. São Paulo: Livraria Editora Odeon, 1937, p. 294.
[6] MEINVIELLE,
Julio. Concepción católica de la Economía (edição virtual). Disponível em:
[11]
BARROSO. Gustavo. O que o Integralista
deve saber. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, S.A, 1937, p.
135.
[13] Idem. An Essay on the Restoration of Property.
Norfolk: HIS Press, 2002
[16]
Idem, p. 406.
[32] ELÍAS DE TEJADA, Francisco. La Tradición portuguesa: Los Orígenes (1140-1521). Madri: Fundación Francisco Elías de Tejada y Erasmo
Pèrcopo y Editorial ACTAS, s.l., 1999, p. 17.
[33] Idem, p. 37.
[40] MOURÃO, Gerardo
Mello. Entrevista concedida ao Diário do Nordeste. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=414001.
Acesso em 1º de setembro de 2012.
[44] SANTOS, Arlindo Veiga dos. As raízes históricas do Patrianovismo.
São Paulo: Pátria Nova, 1946, p. 18.