Ainda que o título o possa sugerir, o presente artigo não trata da obra A Democracia e o Brasil, de Goffredo Telles Junior, publicada em 1965, com o subtítulo de Uma doutrina para a Revolução de Março, reunindo os ensaios Lineamentos de uma Democracia autêntica para o Brasil e Resistência violenta aos governos injustos, assim como o Projeto de uma Constituição realista para o Brasil. Isto, é claro, não nos impede de nele nos referir, por mais de uma vez, às preleções de tal livro, uma pequena grande obra cuja leitura reputamos indispensável a todos aqueles que sonham com uma ordem jurídico-política que espelhe o País real, o Brasil Profundo, Autêntico e Verdadeiro que herdamos de nossos maiores e que temos o dever de legar, engrandecido, a nossos descendentes.
O presente artigo trata, sim, de analisar se o Brasil de nossos dias é ou não uma autêntica Democracia.
Ora, certamente só considerarão o Brasil de hoje uma verdadeira Democracia aqueles que ainda acreditarem nos velhos e mofados mitos liberal-democráticos do “sufrágio universal” e da “soberania do povo”, que desconsiderarem a Ordem, a Lei e o Direito Natural, bem como a Lei Eterna e a Lei Divina, julgando que o Estado cria o Direito e a Moral e que não há leis além das leis positivas e que se julgarem representados pelos partidos e pela classe política. E seguramente mesmo muitos destes poucos não mais acreditarão que o Brasil é realmente uma Democracia depois de terem visto o STF usurpar as funções do Legislativo, legislando contrariamente à Constituição e à vontade da maioria, como no caso da recente decisão que deu aos pares homossexuais o status de “entidade familiar”, ou após terem sabido do PNDH-3, cujas diretrizes representam a antítese dos valores do povo brasileiro. Estes e outros fatos demonstram cabalmente, com efeito, mesmo àqueles que ainda são seduzidos pelo canto de sereia da liberal-democracia, que o (des)governo brasileiro não considera a opinião da maioria dos brasileiros em sua conduta.
A verdadeira e sã Democracia, porém, não é aquela em que o povo ou seus representantes, efetivos ou não, tudo podem, já que não podem ser feitas leis contra a Ordem Natural, a Lei Natural e o Direito Natural, posto que, consoante preleciona Cícero, príncipe dos Jurisconsultos romanos, as leis humanas não podem ser contrárias à ordem natural das coisas, nem determinar o que é justo ou injusto, virtuoso ou vicioso, honroso ou desonroso [1], juízo com o qual concorda Santo Tomás de Aquino, príncipe dos Doutores da Igreja, que ensina, ademais, que as leis humanas injustas não são leis, mas antes “corrupções da lei”, ou anti-leis, não tendo, outrossim, poder para obrigar a quem quer que seja [2]. Da mesma forma, não podem ser feitas leis contra a Lei Eterna, cuja existência é demonstrada pelo Aquinate [3], e que nada mais é que a razão da divina sabedoria enquanto rege o Universo, dirigindo todos os atos e movimentos, sendo chamada por Santo Agostinho “a Razão suprema de tudo” [4], assim como não podem ser feitas leis contra a Lei Divina Positiva, ou, simplesmente, Lei Divina, que é aquela que o próprio Deus promulga por meio de uma intervenção direta na História, como no caso do Decálogo, que o Ser Supremo confiou a Moisés, e da Lei do Evangelho, ou Lei de Cristo [5].
Não há, do mesmo modo, Democracia verdadeira e autêntica em uma Nação cujos governantes não coloquem o Bem Comum acima do bem particular, se fazendo mister assinalar que o Bem Comum, que é, como salienta Santo Tomás, o bem de todos e de cada um [6], se constituindo, em última análise, no conjunto de condições externas aptas a permitir o desenvolvimento integral das pessoas e dos Grupos Naturais componentes da Sociedade.
Não há, ademais, verdadeira Democracia onde há a ditadura da maioria, o império do número, ou, para empregarmos a expressão de René Guénon, o “reino da quantidade” [7]. Daí Plínio Salgado afirmar, em Conceito cristão da Democracia, obra que traduz magistralmente a noção autêntica de Democracia, que “ninguém pode afirmar que uma verdade deixa de ser verdade por ter menor número de adeptos”, lembrando que Pasteur, ao apresentar sua “verdade bacteriológica”, teve contra si a maior parte dos cientistas franceses de seu tempo e nem por isso deixou de estar com a razão; que a maioria do Sinédrio condenou Jesus e isto não torna justa tal decisão; que caso realizemos “um plebiscito pedindo o pronunciamento da vontade geral sobre o quadrado da hipotenusa, este não deixará de ser a soma do quadrado dos catetos, ainda que um só homem, um geômetra, fique sozinho contra todo o peso da multidão”. Donde concluir o pensador patrício que a Democracia, caso entendida como o “meio de a multidão julgar a idoneidade dos regimes, constituições, códigos e leis, não tem autoridade nem filosófica, nem científica, nem técnica”, se constituindo, ademais, em “processo de violência e origem de tiranias” [8].
Bastante diversa da Democracia verdadeira e autêntica, ou Democracia Orgânica, é o arremedo de Democracia que temos no Brasil, que ainda corresponde, em linhas gerais, ao modelo liberal-democrático cunhado no século XVIII à luz dos princípios do “iluminismo”. Por falar em século XVIII, como salienta Gerardo Mello Mourão, aquela centúria “não foi o século das luzes”, mas sim “um tempo opaco e sem brilho”, sendo que o “racionalismo de que se gloriam seus contemporâneos não iluminou nada, não acendeu luz alguma nos caminhos do homem e do mundo, a não ser o fogo fátuo das almas mortas para a aventura do sobrenatural e a luz da pálida burrice dos cretinos fosforescentes denunciados por Marinetti” [9].
A liberal-democracia inautêntica e inorgânica, baseada, como demonstra Goffredo Telles Junior, em “frases feitas”, “‘chavões’”, “slogans”, “ficções” constituídas em “tabus”, não sendo senão um conjunto de “mitos”, “quimeras” [10], mata a Democracia Autêntica, como bem aduz Gerardo Dantas Barreto [11]. Aliás, o próprio liberalismo fracassou em virtude de não ser senão uma quimera, sendo erro crasso confundir o liberalismo com a Democracia, consoante assinala o autor de A Democracia e o Brasil [12]. Do mesmo modo, a liberal-democracia jamais pôde dar representatividade ao povo, sendo que, consoante faz salientar Ignacio da Silva Telles:
A consciência da inexistência de qualquer representação formou-se empiricamente em meio do povo e se apura cada vez mais, sobretudo na gente simples e quase iletrada, gente essa que constitui a maior parte da população de qualquer país – e que por ser quase iletrada, nem por isso terá menor sabedoria, até, quantas vezes, muito pelo contrário – e coincide plenamente com a lição de alguns dos maiores mestres mundiais de Ciência Política [13].
Podemos afirmar, outrossim, com Goffredo Telles Junior, que “avesso à realidade, o edifício do liberalismo é uma quimera” e que “fundada em mentiras, a democracia brasileira é um manto de irrisão” [14], salientando que, como adverte Sertillanges:
Toda quimera é nociva na prática social, porque a quimera nos torna avessos à realidade, convidando-nos a demoli-la; e uma vez feitas as demolições, não podendo erguer edifícios novos, que o solo se recusa a suportar, nos vemos obrigados a habitar as ruínas [15].
No mesmo sentido, em artigo publicado na primeira página do mensário Reconquista em maio de 1953 e intitulado Não se fabrica uma sociedade, Heraldo Barbuy, havendo demonstrado que o individualismo e o coletivismo, o liberalismo e o socialismo não se opõem, sendo os segundos decorrentes dos primeiros, critica todas as ideias apriorísticas modernas, todas as diversas “escolas da utopia”, enfim, todas as ideologias que, fundadas no mais absurdo racionalismo, tentam dizer como o Homem e a Sociedade devem ser, sem levar em conta o que o Homem e a Sociedade de fato são. Afirmando, pois, que o dever-ser de uma Sociedade deve estar de acordo com o seu ser, com a sua essência, não decorrendo de mitos, de quimeras de natureza ideológica, o pensador patrício defende a Ordem Tradicional, que não é senão a única ordem compatível com a Ordem Natural e segundo a qual a Sociedade é uma “hierarquia de grupos” e não uma “soma de indivíduos”, como querem os individualistas, ou uma “massa informe”, como sustentam os coletivistas. E assim conclui o referido artigo:
Não vivemos e não viveremos em sociedade como indivíduos somados e sim e sempre como indivíduos agrupados em determinadas esferas naturais. Igualmente não vivemos, mas antes nos negamos como indivíduos no anonimato das massas sociais. Se, fechando os livros e abrindo os olhos, verificarmos que a sociedade não é soma de indivíduos nem massa indiscriminada e sim unicamente organização natural de grupos, saberemos então quais as leis que devem governar a sociedade; e se, em seguida, procurarmos saber qual é a ordem natural dos grupos que formam a sociedade, saberemos também qual é a hierarquia natural das leis. Só sabendo como a sociedade é, pode-se saber como deve ser. E só numa sociedade que é como deve, podem reinar a ordem e a liberdade [16].
Neste mesmo diapasão, observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho que o legislador não pode olvidar que “não é onipotente”, que seus ideais serão aplicados “num meio que não é absolutamente flexível e amoldável” e que, do mesmo modo, a edificação de uma Democracia “não pode ser encetada sem que se avalie o terreno onde vão ser lançados os alicerces”, se inserindo tal obra em um “desenvolvimento histórico de que não se poderá fazer tabula rasa”. Em seguida, pondera o autor de A Democracia possível e de Sete vezes Democracia que o desenvolvimento que a Ciência Política tem tido não é lembrado nas diferentes tentativas de implantar uma Democracia, se atendo os debates que cercam tais ensaios às ideologias e girando “em torno de modelos envelhecidos mas como que sacralizados”, sendo que a instauração de uma Democracia reclama a contribuição da Ciência Política para aperfeiçoar as instituições, ou, ao menos, para “imprimir ao debate um mínimo de realismo e racionalidade” [17].
O liberalismo e a liberal-democracia representam, em nosso sentir, modalidades do idealismo inorgânico, isto é, do idealismo que, consoante preleciona Oliveira Vianna, não toma em consideração os dados da experiência, ou seja, da Tradição, e que é, ainda segundo o autor de O idealismo da Constituição, a antítese do idealismo orgânico, idealismo este que se forma tão somente de realidade, que se apoia tão somente na experiência e que se orienta tão somente pela observação do povo e do meio [18]. O idealismo orgânico, que opomos ao idealismo inorgânico, não é, pois, senão o idealismo realista, ou o “idealismo fundado na experiência”, de que nos fala José Ingenieros (nascido Giuseppe Ingegneri em Palermo, Sicília) e que, como observa Julio Endara, representa “uma força moral inspirada no desejo de melhorar o real” e não uma simples ideologia abstrata [19].
O idealismo orgânico é, outrossim, o idealismo que tem consciência de que, como ensina o filósofo napolitano Giambattista Vico, “as coisas fora de seu estado natural não se adequam nem duram” [20]. E é, enfim, o idealismo consciente de que as instituições devem brotar da Tradição e da História dos povos e não da cabeça de ideólogos criadores de quimeras, o idealismo que extrai da História uma Tradição sólida e viva, um coeficiente espiritual de edificação moral, social e cívica, um desenvolvimento estável e verdadeiro, transmissor e enriquecedor do patrimônio de pensamento e de costumes herdado de nossos maiores.
Havendo feito referência à Tradição, reputamos oportuno assinalar que esta é a base de todo o progresso autêntico, representando, na expressão de António Sardinha, a “continuidade no desenvolvimento”, a “permanência na renovação” [21] e traduzindo, pois, filosófica e historicamente, “dinamismo e continuidade” [22]. Daí Vázquez de Mella afirmar que a Tradição é o “progresso hereditário” [23], Michele Federico Sciacca sustentar que “não há progresso verdadeiro ou construtivo sem tradição e não há tradição viva e operante sem progresso” [24] e Arlindo Veiga dos Santos frisar que “Tradição é vida, é progresso” e que “o pretenso progresso que renega a tradição é eterno recomeço, perpétua imperfeição” [25].
Isto posto, faz-se mister salientar que o Brasil será uma verdadeira Democracia tão somente quando tiver um verdadeiro Estado de Direito, uma ordem jurídica de acordo com a Ordem Natural, a Lei Natural, a Lei Divina e a Constituição Tradicional, Natural e Histórico-Social da Nação, bem como efetiva Justiça Social e igualmente efetiva representação e participação popular.
O verdadeiro Estado de Direito, que significa essencialmente a submissão do Estado à ordem jurídica, de modo a salvaguardar as liberdades, evitando as arbitrariedades do poder, supõe necessariamente, como preleciona José Pedro Galvão de Sousa, o direito natural. Destarte, a subordinação do Estado à ordem jurídica só será eficaz mediante o reconhecimento de “um critério objetivo de justiça, transcendente em relação ao direito positivo e do qual este depende”. Tal critério, decorrente da existência do justo por natureza, deve informar as normas estabelecidas pelo legislador. Do contrário, o Direito se converteria na mera expressão da vontade daquele que faz a lei, ou seja, da força social dominante, se constituindo o Estado na fonte única do Direito [26]. Em uma palavra, o Estado de Direito, que deve ser não apenas um Estado de Legalidade, mas também um Estado de Justiça, não depende apenas do “bom arranjo constitucional” como também de que os homens aos quais cabem as “responsabilidades do poder” tenham integral “consciência do que significa o direito natural, como fundamento da ordem jurídica positiva e princípio ordenador da atividade do Estado na condução da sociedade à realização dos fins humanos” [27].
O verdadeiro Estado de Direito é, no dizer de Goffredo Telles Junior, o Estado-Meio [28], cujos principais lineamentos assim traçou em seu primeiro livro, intitulado Justiça e Júri no Estado Moderno:
Chamamos Estado Moderno o Estado Ético, anti-individualista e antitotalitário. Sem ser princípio nem fim ele é o Estado que se subordina à hierarquia natural das coisas. Cingindo-se a sua missão de meio, ordena-se por um ideal de finalidade. Criado para servir ao homem, orienta-se para os alvos que estejam em conformidade com o destino supremo do mesmo.
(...) O Estado Moderno é anti-individualista porque faz prevalecer o Social sobre o Nacional e o Nacional sobre o Individual. Reconhecendo a iniquidade da “lei do mais forte”, proclama o princípio da “liberdade justa”. Em consequência, cinge-se ao preceito universal de que a atividade dos indivíduos está subordinada aos interesses superiores da coletividade.
O Estado Moderno é antitotalitário porque faz prevalecer o Moral sobre o Social e o Espiritual sobre o Moral. Reconhecendo a Iniquidade da tirania, proclama o princípio da intangibilidade da pessoa humana. Em consequência, submete-se aos transcendentes interesses do homem [29].
Em uma palavra, o Estado é apenas um meio, um instrumento a serviço da Pessoa Humana e do Bem Comum, como ensinam também, dentre outros, Plínio Salgado [30], Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima) [31], Heraldo Barbuy [32], Ataliba Nogueira [33], Machado Paupério [34], Darcy Azambuja [35], José Pedro Galvão de Sousa [36], Marcus Claudio Acquaviva [37] e José Soriano de Souza [38], correspondendo tal noção ao entendimento de Santo Tomás de Aquino, que definiu a Sociedade como um meio a serviço do Bem Comum [39].
A Ordem Natural, por seu turno, não é senão a ordem a que está subordinado o Universo e que se manifesta por fenômenos tais como o fluxo das marés, a regularidade dos astros, a sucessão regular dos dias e das noites, bem como das estações do ano e assim por diante. Tal ordem impõe ao Ente Humano, ser social dotado de razão e livre-arbítrio, as normas de como deve se portar, de como deve agir, de como deve ser, e impõe o mesmo às Sociedades e aos Estados, que devem servir à Pessoa Humana e ao Bem Comum, que, por sua vez, se ordena à finalidade transcendente do Homem. Como salienta Heraldo Barbuy, a violação da Ordem Natural é implacavelmente “punida pela desgraça geral, pela desordem, pela instabilidade, pela revolta e pelo caos” [40]. Ao sustentarmos, outrossim, que a ordem jurídica deve respeitar a Ordem Natural, desejamos afirmar que as leis positivas devem estar de acordo com a Moral, servindo ao Ente Humano e ao Bem Comum, subordinado este ao fim transcendente daquele.
A Lei Natural, por sua vez, é a participação da Lei Eterna na criatura racional [41], sendo a Lei Eterna, como vimos, a razão da divina sabedoria enquanto dirige o Universo, regendo todos os atos e movimentos. Como lei essencialmente moral, a Lei Natural consiste em um conjunto de normas de acordo com as quais o Homem viverá enquanto Homem, observando a Justiça e procedendo retamente para com o próximo. Assim, ao afirmarmos que a ordem jurídica deve estar de acordo com a Lei Natural, queremos dizer que todas as leis positivas emanadas pelo legislador devem ser conformes à reta razão e à equidade, sob pena de se tornarem iníquas e, como tais, corrupções da lei, consoante preleciona Santo Tomás de Aquino [42].
Já a Lei Divina, expressão da Lei Eterna, com a qual não deve ser confundida, é, como já dissemos, explicitada por Deus por meio de uma intervenção direta na História, se justificando pelos seguintes motivos:
I – como é o Ente Humano ordenado “ao fim da beatitude eterna, excedente à capacidade natural das suas faculdades”, é mister que, “além da lei natural e humana, seja também dirigido ao seu fim por uma lei imposta por Deus”;
II – por não poder o Homem, cujo juízo é incerto, “saber o que deve fazer e o que deve evitar” necessita dirigir “os seus actos próprios pela lei estabelecida por Deus, que sabe não poder errar”;
III – não podendo a Lei Humana coibir e ordenar os atos internos da pessoa humana, é necessário que, para isto, sobrevenha a Lei Divina Positiva;
IV – posto que, consoante aduz Santo Agostinho, a Lei Humana não tem o poder de punir ou de proibir a totalidade das malfeitorias. Isto porque, caso desejasse eliminar todos os males, “haveria consequentemente de impedir muitos bens, impedindo assim a utilidade do bem comum, necessário ao comércio humano”. Destarte, “a fim de nenhum mal poder ficar sem ser proibido e permanecer impune, é necessário sobrevir a lei divina, que proíbe todos os pecados” [43]
A Constituição Tradicional, Natural e Histórico-Social da Nação, que não pode e não deve ser confundida com a sua Constituição escrita, foi bem definida por João de Scantimburgo como o “conjunto de instituições histórico-tradicionais que regularam no passado e devem regular no futuro a vida nacional” [44]. Isto porque, como bem aduz Tobias Barreto, “as instituições que não são filhas dos costumes mas produtos abstratos da razão não aguentam muito tempo a prova da experiência e vão logo quebrar-se contra os fatos” [45], e Manoel Gonçalves Ferreira Filho observa que a principal razão do insucesso na implantação de uma verdadeira Democracia no Brasil está na inautenticidade de nossas instituições jurídicas, “sempre cópias, quando não caricaturas de instituições talhadas para outros povos” [46].
Quanto à Constituição escrita de um país, é ela, na expressão de Alberto Torres, a “lei orgânica” de tal país, devendo ser, por conseguinte, “o conjunto de normas resultantes de sua própria natureza, destinadas a reger seu funcionamento, espontaneamente, como se exteriorizassem as próprias manifestações de ser e de viver do organismo político” [47]. Ademais, como faz salientar Goffredo Telles Junior, no preâmbulo de seu Projeto de uma Constituição realista para o Brasil, “as Nações têm uma constituição natural, que não é prudente substituir por estruturações artificiais”, “o Brasil é uma realidade que não pode ser contrafeita por mitos constitucionais” e “o povo clama por um regime de autenticidade, inspirado nas augustas tradições da Pátria” [48].
Já a Justiça Social, termo cunhado pelo jesuíta italiano Luigi Taparelli D’Azeglio, nasce espontânea da ideia do Direito, devendo “igualar de fato todos os homens naquilo que diz respeito aos direitos de humanidade” [49]. Consoante salienta Pio XI, na Encíclica Quadragesimo anno, de 1931, “cada um deve (...) ter a sua parte nos bens materiais; e deve procurar-se que a sua repartição seja pautada pelas normas do bem comum e da justiça social” [50]. Sem Justiça Social não há que se falar em verdadeira Democracia, ou Democracia Cristã, Democracia esta que é, no dizer de Giuseppe Toniolo, independentemente da forma de governo ou do regime político, o “ordenamento no qual todas as formas sociais, jurídicas e econômicas, na plenitude do seu desenvolvimento hierárquico, vêm a colaborar proporcionalmente para o bem comum, refluindo em resultado final com prevalecentes vantagens das classes inferiores” [51].
Isto posto, cumpre destacar que a Democracia Cristã de que falamos é a Democracia Cristã autêntica, defendida, por exemplo, por Toniolo e Leão XIII, pelo Centro Académico de Democracia Cristã (CADC), de Coimbra, onde se destacaram as figuras dos jovens Manoel Gonçalves Cerejeira, futuro Cardeal-Patriarca de Lisboa, e de António de Oliveira Salazar, futuro estadista e Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, e também a Democracia Cristã de Plínio Salgado, que muito bem discorreu sobre ela na obra Conceito Cristão de Democracia, a que já fizemos referência no presente estudo e que se constitui em uma palestra proferida justamente no supracitado CADC.
Sendo, pois, partidários da autêntica Democracia Cristã, que, consoante assinala Plínio Salgado, é “a única exequível”, vivificando “a liberdade dos homens e a autoridade do Estado”, tendo sua base em Deus e sua inspiração nos ensinamentos do Evangelho [52], nada temos que ver com a democracia cristã inautêntica, que praticou a política da mão estendida ao comunismo e que foi a responsável, por exemplo, pela subida de Salvador Allende ao poder no Chile, em 1970. É esta última a democracia cristã que, como aponta Enríque Gil Robles, caiu no mito liberal-burguês do “governo do povo pelo povo e, por conseguinte, do sufrágio universal”; que, ao cuidar de aliviar a desgraçada sorte dos operários e de elevar e consolidar sua condição física, moral e socialmente, “longe de pedir sua doutrina ao cristianismo, de divina fecundidade inesgotável em princípios e procedimentos aplicáveis a tal propósito, em todo tempo e lugar, se inspira no socialismo” e, geralmente, “nas aberrações do naturalismo sociológico e jurídico”; que não se limitou a condenar os excessos do moderno capitalismo e a tirania que tem exercido este sistema “desalmado e anticristão”, o que era, aliás, seu dever, mas também assestou “rudes golpes no próprio capital, em vez de reconhecer e buscar a harmonia entre este e o trabalho” [53].
Quanto à representação e à participação popular, somente poderão elas existir quando o governo tomar consciência de que a Sociedade não é, como assinala Heraldo Barbuy, uma soma de indivíduos ou uma massa social, mas sim “uma hierarquia de grupos naturais, dos quais o mais básico e o mais fundamental é a família” [54], e organizar as instituições políticas com base nesta realidade, substituindo o atual modelo de democracia por uma Democracia Orgânica, com plena consciência de que, como sublinha José Pedro Galvão de Sousa, tão somente com a instauração de um modelo corporativo de representação poderemos “abandonar a democracia abstrata e abrir caminho para uma autêntica democracia” [55]. Ainda de acordo com o jusfilósofo patrício, não carecemos tão somente de reformas eleitorais, posto que “o mal é mais profundo”, cumprindo, pois, “reformar o Estado, reestruturar a sociedade, dar novamente à representação política o cunho de autenticidade que lhe virá da presença viva e atuante dos ‘corpos’ sociais junto ao ‘corpo’ político do Estado” [56].
A verdadeira Democracia corresponde, pois, ao autêntico regime corporativo, regime este definido pela União de Friburgo como “o modo de organização social que tem por base a agrupação dos homens, segundo a comunidade de seus interesses naturais e de suas funções sociais; e por coroamento necessário a representação pública e distinta desses diferentes organismos” [57]. Do ponto de vista profissional, a corporação é, por seu turno, na expressão de La Tour du Pin, “a sociedade que reúne os diversos elementos de uma mesma profissão, isto é, patrões, empregados, operários em uma sociedade perfeita” [58]. Isto posto, registre-se que há, além das corporações profissionais, as corporações administrativas, culturais, religiosas e assistenciais, dentre outras, todas elas devendo ter representação política.
Enfim, cremos que o Brasil não é uma verdadeira Democracia e que o arremedo de Democracia que temos, baseado em mitos há muito ultrapassados e totalmente alheios à Tradição e à Identidade Nacional, deve ser substituído o quanto antes por uma autêntica Democracia, por uma Democracia Integral, que somente existirá quando existir um autêntico Estado de Direito, uma ordem jurídica de acordo com a Lei Eterna, a Lei Divina, a Lei Natural, a Ordem Natural e a Constituição Tradicional, Natural e Histórico-Social da Nação, assim como efetiva Justiça Social e igualmente efetiva representação e participação popular. Para a edificação de tal Democracia, baseada no Cristianismo e inspirada nos princípios norteadores da Civilização Cristã e na Tradição Nacional, não sendo um fim em si, mas um simples meio, é nosso dever formar uma elite, uma aristocracia espiritual e intelectual, que faça de seu verbo, de sua pena e de sua vida um gládio e uma armadura de Deus, da Pátria, da Família, da Pessoa Humana e de todos os Grupos Naturais, base da vida nacional, promovendo o seu orgânico fortalecimento.
[1] CÍCERO, M. Túlio. Das Leis. Trad., intr. e notas por Otávio T. de Brito. São Paulo: Editora Cultrix, 1972, pp. 50-51.
[2] AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. II.ª parte da II.ª parte, q. 60, art. 5., resp. à primeira objeção. Tradução de Alexandre Corrêa. 1ª ed. Vol. XIV. São Paulo: Livraria Editora Odeon, 1937, p. 71.
[3] Idem. Suma Teológica. 1ª parte da 2ª parte, q. XCI, art. I. 2ª ed. Vol. 4. Trad. de Alexandre Corrêa. Org. e dir. de Rovílio Costa e Luís Alberto de Boni. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina Editora; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980, p. 1737.
[4] AGOSTINHO, Santo. O livre-arbítrio. Cap. 6, 15. Trad., org., intr. e notas de Nair Assis Oliveira; ver. de Honório Dalbosco. São Paulo: Paulus, 1995, p. 41.
[5] Sobre a Lei Divina: AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. 1ª parte da 2ª parte, q. XCI, art. IV. 2ª ed. Vol. 4., cit., p. 1741.
[6] AQUINO, Santo Tomás de. Do governo dos príncipes. Livro I, Cap. XV. In Idem. Do governo dos príncipes ao Rei de Cipro e Do governo dos judeus à Duquesa de Brabante. 2ª ed. Trad. e anotações de Arlindo Veiga dos Santos. Prefácio de Leonardo Van Acker. São Paulo: Editora Anchieta S/A, 1946, pp. 101-102; SANTOS, Arlindo Veiga dos (Org.). Filosofia política de Santo Tomás de Aquino. 3ª ed. melhorada. Prefácio do Prof. Dr. L. Van Acker. São Paulo: José Bushatsky, Editor, 1954, pp. 143 e 149.
[7] GUÉNON, René. Il Regno della Quantità e i Segni dei Tempi. Trad. italiana de Tullio Masera e Pietro Nutrizio. Milão: Gli Adelphi, 2009.
[8] SALGADO, Plínio. Conceito cristão da Democracia. In Idem. Obras Completas. 2ª ed., vol. VIII. São Paulo: Editora das Américas, 1959, pp. 377-378.
[9] MOURÃO, Gerardo Mello. O bêbado de Deus: Vida e Milagres de São Gerardo Majella. São Paulo: Green Forest do Brasil Editora, 2001, p. 89.
[10] TELLES JUNIOR, Goffredo. A Democracia e o Brasil: Uma doutrina para a Revolução de Março. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1965, p. 14.
[11] BARRETO, Gerardo Dantas. Modelo político democrático. In VÁRIOS. O Estado de Direito, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 279.
[12] TELLES JUNIOR, Goffredo. A Democracia e o Brasil: Uma doutrina para a Revolução de Março, cit., p. 20.
[13] TELLES, Ignacio da Silva. A experiência da democracia liberal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, p. 140.
[14] TELLES JUNIOR, Goffredo. A Democracia e o Brasil: Uma doutrina para a Revolução de Março, cit., p. 14.
[15] SERTILLANGES, A. D. Socialisme et Christianisme: Le socialisme et la réforme économique, II, 2. Apud TELLES JUNIOR, Goffredo. A Democracia e o Brasil: Uma doutrina para a Revolução de Março, cit., pp. 14-15.
[16] BARBUY, Heraldo. Não se fabrica uma sociedade. In Reconquista, ano I, nº 12, São Paulo, maio de 1953, p. 1.
[17] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Sete vezes Democracia. São Paulo: Editora Convívio, 1977, pp. 16-17.
[18] VIANNA, Oliveira. O idealismo da Constituição. 2ª ed. Aumentada. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, pp. 12-13.
[19] ENDARA, Julio. José Ingenieros y el porvenir de la filosofia. Buenos Aires: General Librería, 1922, p. 94.
[20] VICO, Giambattista. Scienza Nuova, 134. In Idem. Autobiografia, Poesie, Scienza Nuova. 3ª ed. Milão: Garzanti, 2006, p. 246.
[21] SARDINHA, António. Ao princípio era o Verbo. 2ª ed. Lisboa: Editorial Restauração, 1959, p. 10.
[22] Idem. Ao ritmo da ampulheta. 1ª ed. Lisboa: Lumen, 1925, p. XXV.
[23] VÁZQUEZ de Mella, Juan. Vázquez de Mella (antologia). Seleção, estudo preliminar e notas de Rafael Gambra. S/d, p. 22. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/29642956/Vzquez-de-Mella-Antologia. Acesso em10 de dezembro de 2010.
[24] SCIACCA, Michele Federico. Revolución, Conservadorismo, Tradición. In Verbo, nº 123, Madri, p. 283. Apud SOUSA, José Pedro Galvão de; GARCIA, Clovis Lema; CARVALHO, José Fraga Teixeira de. Dicionário de Política. São Paulo: T.A. Queiroz, 1998, p. 533.
[25] SANTOS, Arlindo Veiga dos. Sob o signo da fidelidade: considerações históricas. São Paulo: Pátria-Nova, s/d, p. 4.
[26] SOUSA, José Pedro Galvão de. Direito Natural, Direito Positivo e Estado de Direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, pp. 125-127.
[27] Idem, pp. 150-151.
[28] TELLES JUNIOR, Goffredo. Carta aos Brasileiros, 1977. 1ª ed. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira Ltda., 2007, p. 80.
[29] Idem. Justiça e Júri no Estado Moderno. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1938, pp. 31-32.
[30] SALGADO, Plínio. Madrugada do Espírito. 4ª ed. In SALGADO, Plínio. Obras Completas. 2ª ed. Vol. VII. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 443.
[31] ATHAYDE, Tristão de. Política. Rio de Janeiro: Livraria Católica, 1932, p. 77.
[32] BARBUY, Heraldo. A Família e a Sociedade. In Servir, n° 1297, ano XXVII, São Paulo, 20 de setembro de 1957, p. 77.
[33] NOGUEIRA, J. C. Ataliba. O Estado é um meio e não um fim. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1940, p. 113.
[34] PAUPÉRIO, A. Machado. Teoria Geral do Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp. 68-70.
[35] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed. São Paulo: Globo, 1998, p. 122.
[36] SOUSA, José Pedro Galvão de. Iniciação à Teoria do Estado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1976, pp.12-13.
[37] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. 2ª ed., revista e aumentada. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 83.
[38] SOUZA, José Soriano de. Princípios Gerais de Direito Público e Constitucional. Recife: Casa Editora Empresa d’A Província, 1893, p. 63.
[39] AQUINO, Santo Tomás de. Do governo dos príncipes ao Rei de Cipro. Livro I, Cap. XIV. In Idem. Do governo dos príncipes ao Rei de Cipro e Do governo dos judeus à Duquesa de Brabante, cit., pp. 95-97; SANTOS, Arlindo Veiga dos (Org.). Filosofia política de Santo Tomás de Aquino, cit., pp. 134-136 e 140-141.
[40] BARBUY, Heraldo. A Ordem Natural. In Ecos Universitários (Órgão Oficial do Centro Acadêmico "Sedes Sapientiae"). Ano III, nº 13, São Paulo, setembro de 1950, p. 1. Também disponível em: http://centroculturalprofessorheraldobarbuy.blogspot.com/2009/09/odem-natural-heraldo-barbuy.html. Acesso em 15 de dezembro de 2010.
[41] AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. 1ª parte da 2ª parte, q. XCI, art. II. Trad. de Alexandre Corrêa. Org. e dir. de Rovílio Costa e Luís Alberto de Boni. Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina Editora; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980, p. 1738
[42] Idem. Suma Teológica. II.ª parte da II.ª parte, q. 60, art. 5., resp. à primeira objeção. Tradução de Alexandre Corrêa. 1ª ed. Vol. XIV. São Paulo: Livraria Editora Odeon, 1937, p. 71.
[43] AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. 1ª parte da 2ª parte, q. XCI, art.III. Op. cit., p. 1741.
[44] SCANTIMBURGO, João de. Política e Ética. São Paulo: LTr, 2002, p. 14.
[45] BARRETO, Tobias. Estudos de Direito e Política. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1962, p. 204.
[46] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A Democracia possível. São Paulo: Edição Saraiva, 1972, p. 125.
[47] TORRES, Alberto. A organização nacional: Primeira parte, A Constituição. Prefácio de Francisco Iglésias. 3ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978, p. 79.
[48] TELLES JUNIOR, Goffredo. A Democracia e o Brasil: Uma doutrina para a Revolução de Março, cit., p. 61.
[49] TAPARELLI, Luigi. Saggio teoretico di Dritto Naturale appoggiato sul fatto. Livorno: Vincenzo Mansi Editora, 1843, p. 151.
[50] PIO XI. Quadragesimo anno, n. 58. In Idem. Documentos de Pio XI (1922-1939). Trad. de Darci Marin. São Paulo: Paulus, 2004, p. 297.
[51] TONIOLO, Giuseppe, apud SOUSA, José Pedro Galvão de; GARCIA, Clovis Lema; CARVALHO, José Fraga Teixeira de. Dicionário de Política, cit., p. 159.
[52] SALGADO, Plínio. Conceito cristão da Democracia. In Idem. Obras Completas. 2ª ed., vol. VIII. São Paulo: Editora das Américas, 1959, pp. 323-324.
[53] GIL Robles, Enrique. Tratado de Derecho Politico según los princípios de la Filosofía y El Derecho Cristianos. Tomo II. 3ª ed. Nota preliminar de José María Gil Robles. Madri: Afrodisio Aguado, S.A. Editores-Libreros, 1963, p. 451.
[54] BARBUY, Heraldo. A Família e a Sociedade. In Servir, n° 1297, ano XXVII, São Paulo, 20 de setembro de 1957, p. 75.
[55] SOUSA, José Pedro Galvão de. Política e Teoria do Estado. São Paulo: Edição Saraiva, 1957, p. 85.
[56] Idem, p. 97.
[57] Apud AZPIAZU, Joaquín. El Estado Corporativo. 1ª ed. Madri: Razón y Fe, 1934, p. 121.
[58] LA TOUR DU PIN, Marquis de. Vers un ordre social chrétien - Jalons de route 1882-1907. Paris: Nouvelle Librairie nationale, s/d (1907), p. 499.
1 comment:
Excelente artigo.
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