Duas liberdades, duas democracias*
Por Victor Emanuel Vilela Barbuy
Duas liberdades geram duas democracias.
A liberdade da ideologia liberal,
abstrata e ilimitada tanto espiritual quanto materialmente e considerada como
um fim em si própria e não como instrumento da Pessoa Humana, gera a democracia
utópica e inorgânica em que o despotismo das multidões, o governo arbitrário do
“Povo Soberano”, o império inautêntico do número, a autocracia da massa amorfa,
a vil e bruta oclocracia, controlada pelas forças secretas da antitradição e da
antinação, se configura na antessala da tirania, governo de um só em detrimento
do Bem Comum, segundo ensina Santo Tomás de Aquino [1]; em que a representação
popular não passa de mera fábula, as instituições não refletem a Tradição, a
História, os costumes e a realidade das nações, mas apenas mitos brotados nas
mentes doentias de arquitetos de utopias; em que os economicamente fortes
exploram os economicamente fracos e os cartéis do capital especulativo e do
crime organizado se constituem em verdadeiros Estados dentro do Estado e contra
o Estado, roubando, matando e escravizando impunemente; em que os parlamentos e
os tribunais criam “leis” contrárias à Lei Eterna, à Lei Divina do Decálogo e
dos Santos Evangelhos, à Lei Natural, à Ordem Natural, à Tradição Nacional e ao
Bem Comum, gerando desagregação moral e social, desordem, revolta e caos.
A liberdade da Doutrina da Tradição,
liberdade para o bem, concreta e não abstrata, meio e não fim, força racional
pela qual o Ente Humano desenvolve suas faculdades de acordo com a Verdade, a
Justiça, a Moral e o Direito, gera a Democracia Orgânica, em que o Povo,
legitimamente reunido nos Grupos Naturais, dos quais o primeiro e mais
fundamental é a Família, cellula mater da
Sociedade, não só é efetivamente representado como tem participação ativa nas
decisões governamentais; em que impera, no campo social, a mais lídima Justiça
e Harmonia e em que não são admitidas “leis” que contrariem a Lei Eterna, a Lei
Divina, a Lei e a Ordem Natural, a Tradição Nacional e o Bem Comum.
Alicerçadas em quimeras, a liberdade e a
democracia do liberalismo há muito ruíram. Aqueles que ainda acreditam nelas
não passam de adeptos fanáticos de uma falsa religião, cujos princípios não
resistiram ao embate da realidade, sobrevivendo apenas em virtude de terem sido
erigidos em dogmas. Categorias por excelência do idealismo utópico, inorgânico,
inautêntico e destrutivo, avesso à realidade e às instituições histórico-tradicionais
que devem reger a Nação, idealismo cujos males não cansamos de denunciar, a ele
opondo o idealismo orgânico, realista, autêntico, sadio e edificador, que parte
da realidade, da Tradição e dos costumes pátrios [2], tal liberdade e tal
democracia estão mortas há muito tempo, sendo nosso imperioso dever anunciar a
todos o fato de que o Ocidente está a carregar em suas costas duas múmias e,
ademais, duas múmias portadoras de terrível e implacável maldição, que tem
afetado profundamente todo o tecido social.
Devemos, portanto, denunciar o caráter
quimérico da liberdade do liberalismo, cujo arauto por excelência é Kant, que,
além de haver separado o Direito da Moral, defendeu que a liberdade é liberdade
tanto para o bem quanto para o mal, a ela opondo a liberdade da Doutrina
Tradicional, cujo Mestre por excelência é Santo Tomás de Aquino e que
compreende que tão somente a liberdade para o bem é verdadeira e autêntica
liberdade.
Devemos denunciar, igualmente, o caráter
quimérico da política do liberalismo, cujo profeta por excelência é Rousseau e
cujas instituições não são para o Homem e a Sociedade reais, mas sim para
entidades abstratas engendradas pela razão humana em voos de fantasia, a ela
opondo a Política da Doutrina Tradicional, essencialmente realista, cujo Mestre
por excelência é Santo Tomás de Aquino e que se fundamenta no fato de que,
consoante preleciona Francisco Elías de Tejada, “a Tradição constitui algo mais
que a medula dos povos”, sendo toda uma excelente “filosofia política”, a
“filosofia do homem concreto” e das liberdades tradicionais concretas [3], em
oposição à ideologia liberal do homem abstrato e das liberdades abstratas.
Devemos, ainda, denunciar o caráter
quimérico da ideologia econômica do liberalismo, cujo corifeu por excelência é
Adam Smith e que não se baseia na Moral Cristã Tradicional, mas sim em
pretensas “leis naturais”, numa pseudomoral utilitária e hedonística e no
primado do interesse particular sobre o Bem Público, a ela opondo a Economia da
Doutrina Tradicional, Orgânica, Integral, a Economia Política Cristã de que nos
fala Enrique Gil Robles [4], cujo Mestre por excelência é Santo Tomás de Aquino
e que se subordina à Moral, da Política e do Bem Comum, que é, na expressão do
Doutor Comum, “maior e mais divino que o bem privado” [5].
Devemos, numa palavra, opor à revolução
inautêntica e antitradicional do liberalismo e de seus filhos, como o
comunismo, o anarquismo e a denominada ideologia pós-moderna, a Revolução
Tradicional e autêntica, que corresponde à “revolução tomista” propugnada por
João Ameal numa de suas monumentais obras [6] e que, de acordo com o sentido
mais rigoroso e próprio do termo, é a única capaz de reconduzir o Homem e a
Sociedade ao seu princípio, reedificando o Homem Integral e a Sociedade
autêntica, na qual vicejarão a verdadeira liberdade e a verdadeira Democracia,
aquela reconhecida por Santo Tomás como legítima, ao lado da Aristocracia e da
Monarquia, ou Realeza [7], que, diga-se de passagem, nada tem que ver com a
monarquia liberal-parlamentar moderna, que não passa de uma liberal-democracia
coroada.
[1]
AQUINO, Santo Tomás de. Do governo dos
príncipes ao Rei de Cipro. Livro I, Cap. I. In SANTOS, Arlindo Veiga dos
(Org. e trad.). Filosofia política de
Santo Tomás de Aquino. 3ª ed. melhorada. Prefácio do Prof. Dr. L. Van
Acker. São Paulo: José Bushatsky, Editor, 1954, pp. 30 (trad.) e 35-36 (no
latim original).
[2]
Sobre os conceitos de idealismo utópico e idealismo orgânico: BARBUY, Victor
Emanuel Vilela. Idealismo utópico e
idealismo orgânico (Comunicação apresentada no III Simpósio de Filologia e
Cultura Latino-Americana, promovido pelo PROLAM/USP e pelo Núcleo de Pesquisa
“América” e realizado em São Paulo nos dias 28, 29 e 30 de novembro de 2011).
Disponível em: http://www.integralismo.org.br/?cont=781&ox=137.
Acesso em 27 de dezembro de 2011.
[3]
ELÍAS DE TEJADA, Francisco. La lección
política de Navarra. In Reconquista,
Ano I, Vol. I, n. 2, São Paulo, 1950, p. 127.
[4]
GIL Robles, Enrique. Tratado de Derecho
Politico según los principios de la Filosofía y El Derecho Cristianos. Tomo
II. 3ª ed. Nota preliminar de José María Gil Robles. Madrid: Afrodisio Aguado,
S.A. Editores-Libreros, 1961, p. 270.
[5] AQUINO, Santo
Tomás de. Do governo dos príncipes ao Rei
de Cipro. Livro I, Cap. IX. In SANTOS, Arlindo Veiga dos (Org. e trad.). Filosofia política de Santo Tomás de Aquino,
cit., pp. 98 (trad.) e 102 (no latim original).
[6]
AMEAL, João. A revolução tomista.
Braga: Livraria Cruz, 1952.
[7]
Idem. Summa Theologica. 1ª parte da 2ª parte, q. CV, art. 1º, sol.
Trad. de Alexandre Corrêa. Org. e dir. de Rovílio Costa e Luís Alberto de Boni.
Porto Alegre: Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria
Sulina Editora; Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1980, p.1902.
*Artigo
originalmente publicado na edição do boletim Ação!, da Frente Integralista Brasileira, ano I, nº 5, novembro/dezembro
de 2011, p. 4. Disponível em: http://www.integralismo.org.br/?cont=-289.
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