Não podemos deixar que o ano de 2014 termine
sem que façamos uma homenagem a Gumercindo Rocha Dorea pelos seus noventa anos,
completados no último dia 04 de agosto.
Figurando ao lado de homens como Monteiro
Lobato, José Olympio, Augusto Frederico Schmidt e Ênio Silveira como um dos
mais notáveis editores da História do Brasil e sendo dentre estes seguramente o
mais injustiçado, tendo sido duramente perseguido e boicotado pelas chamadas “patrulhas
ideológicas” de “nossa” “esquerda” rancorosa e intelectualmente desonesta desde
o início de sua carreira editorial, há cinquenta e oito anos, o Sr. GRD chega aos
noventa anos de idade incrivelmente lúcido e integralmente fiel aos princípios
cristãos e patrióticos sintetizados na tríade “Deus, Pátria e Família”, nobre e
excelsa como nenhuma outra.
Àqueles que desconhecem a vida e a obra deste
homem que é, inegavelmente, o patriarca da ficção científica no Brasil e um dos
mais importantes editores e descobridores de vocações literárias da nossa História,
assim como um exemplar cristão, cidadão brasileiro e intelectual, delas daremos,
nas linhas que se seguem, um pálido esboço, com base sobretudo no artigo que
sobre ele escrevemos em 2011 e que foi publicado na edição daquele ano do
prestigioso jornal literário Linguagem
Viva, da Capital Paulista.
Editor, jornalista e escritor, Gumercindo
Rocha Dorea nasceu em Ilhéus, na Bahia, a 04 de agosto de 1924, sendo filho do
cacauicultor e sindicalista Alcino da Costa Dorea e de D. Emérita da Rocha Dorea,
compositora de sonetos e colaboradora esporádica em periódicos de Sergipe, sua
terra-natal. Em 1934 se mudou, com a família, para a Cidade do Salvador, ali
ingressando no Ginásio da Bahia, onde foi aluno do filólogo Herbert Parentes
Fortes, um dos principais intelectuais e líderes da Ação Integralista
Brasileira (AIB), que, reunindo, no dizer de Miguel Reale, “o que havia de mais
fino na intelectualidade da época”[1],
constituiu, na expressão de Gerardo Mello Mourão, o “mais fascinante grupo da
inteligência do País”.[2]
Em 1944, Gumercindo Rocha Dorea, que
frequentara, na Bahia, o curso complementar de Direito, se mudou para o Rio de
Janeiro. Na então Capital Federal, onde se formou em Direito no ano de 1948 pela
Faculdade Católica de Direito do Rio de Janeiro, colaborou GRD, a partir de
meados da década de 1940, na imprensa, primeiro no jornal integralista Idade Nova, dirigido por Raymundo
Padilha, e depois no jornal A Marcha,
também integralista, que chegou a dirigir. Foi, ainda, redator do jornal Folha Carioca e militou ativamente,
desde a década de 1940, no Partido de Representação Popular (PRP), que, sob a
presidência de Plínio Salgado, combateu em prol dos ideais essencialmente
cristãos e brasileiros do Integralismo entre os anos de 1945 e 1965.
Após a grande repercussão do I Congresso de
Estudantes do PRP, realizado em Campinas (SP) em julho de 1948, foi constituída,
no ano de 1952, a Confederação dos Centros Culturais da Juventude, cuja
presidência mais tarde seria ocupada por GRD, que então tinha ótimo relacionamento
com Plínio Salgado e estava em permanente contato com os jovens. A Confederação
dos Centros Culturais da Juventude, de que nasceria o denominado Movimento
Águia Branca, elegeria Plínio Salgado seu Presidente de Honra, e reuniria
milhares de jovens distribuídos em centenas de núcleos espalhados por todo o
País, configurando-se num dos mais belos movimentos cívicos, políticos e
culturais da História Pátria.
No ano de 1956, com a publicação da Filosofia da linguagem, de Herbert
Parentes Fortes, fundou Gumercindo Rocha Dorea as Edições GRD, que teriam seu
apogeu na década de 1960 e renovariam toda a Literatura brasileira, lançando
autores hoje consagrados como Nélida Piñon, Rubem Fonseca, José Alcides Pinto,
Astrid Cabral, Fausto Cunha, Maria Alice Barroso, André Carneiro, Ronaldo
Moreira, Geraldo França de Lima e, no romance, com a obra O valete de espadas, Gerardo Mello Mourão, que também publicou diversos
livros de poesias pela GRD. Pode-se afirmar, assim, que Gumercindo Rocha Dorea
foi um descobridor de vultos literários tão somente comparável, no Brasil, a
Augusto Frederico Schmidt e a José Olympio.
Quando da fundação das Edições GRD,
Gumercindo Rocha Dorea já estava casado com D. Augusta Garcia Rocha Dorea.
Esta, falecida em 2005, é autora das obras O
romance de Plínio Salgado (1956, com segunda edição publicada em 1978 sob o
título O romance modernista de Plínio
Salgado), Aclimação (publicada
pela Secretaria de Cultura do Município de São Paulo em 1982, fazendo parte da
série História dos bairros de São Paulo)
e Plínio Salgado, um apóstolo brasileiro
em terras de Portugal e Espanha (1999), esta última agraciada com o Prêmio
Clio da Academia Paulistana de História em 2000, além de organizadora da obra O pensamento revolucionário de Plínio
Salgado, magnífica antologia do pensamento do autor da Vida de Jesus, de quem, aliás, GRD publicou diversas obras, bem
como a biografia escrita pela filha do escritor e pensador patrício, Maria
Amélia Salgado Loureiro, intitulada Plínio
Salgado, meu pai.
Verdadeiro Pedro Álvares Cabral da ficção
científica no Brasil, GRD editou, em 1958, a obra Além do planeta silencioso, de C. S.
Lewis, primeiro dos muitos livros estrangeiros de ficção científica que
publicou, e, em 1960, a
obra Eles herdarão a terra, de Dinah
Silveira de Queiroz, primeira das também muitas obras de ficção científica de
autores brasileiros dadas à estampa por ele. Em 1961, publicou a primeira Antologia Brasileira de Ficção Científica,
com trabalhos de Dinah Silveira de Queiroz, Antonio Olinto, Rachel de Queiroz e
Fausto Cunha, dentre outros. Como diz o verbete sobre Gumercindo Rocha Dorea na
SFE (Science Fiction Encyclopedia), de Londres, é o infatigável editor baiano “considerado o mais
importante na história da ficção científica brasileira”, tendo sido “em larga
medida responsável pela Primeira Onda da Ficção Científica Brasileira
(1958-1972)”, que sem ele “poderia talvez nem ter ocorrido”.[3]
Gumercindo Rocha Dorea tem sido, ademais, depois
da Editora Biblioteca do Exército, o principal editor, no País, de obras sobre
geopolítica e voltadas à segurança nacional. A publicação, em 1986, do livro Heráldica, de Luiz Marques Poliano, lhe
confere o título de primeiro editor, no Brasil, a publicar uma obra de vulto
dedicada aos estudos heráldicos. Por fim, GRD tem sido um dos mais destacados
editores em matéria de publicações filosóficas e históricas, bem como
referentes à Monarquia e ao Império do Brasil, e o mais destacado na publicação
de obras integralistas ou referentes ao Integralismo, havendo sido, aliás, o
idealizador e principal realizador da Enciclopédia
do Integralismo, que conta com doze volumes publicados entre fins da década
de 1950 e princípios da década de 1960.
GRD dirigiu o Instituto Nacional de Imigração
e Colonização (INIC), entre os anos de 1961 e 1963, e ocupou, entre 1964 e
1967, o cargo de Diretor da Superintendência de Turismo da Cidade do Salvador.
Dirigiu, durante algum tempo, a revista Convivium,
da Convívio – Sociedade Brasileira de Cultura, que tinha sede em São Paulo,
cidade em que vem residindo, salvo por breves períodos, desde 1972. Foi
coordenador editorial da Biblioteca do
Pensamento Brasileiro, publicada pela Convívio, bem como do Centro
Editorial das Faculdades Integradas de Guarulhos e da Editora Voz do Oeste,
fundada por Carmela Patti Salgado, viúva de Plínio Salgado, e da Editora
Universitária Champagnat, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Ao lançar, pela primeira vez no Brasil, sob o
título de A dignidade do Homem, famosa
obra de Pico della Mirandola, recebeu GRD as seguintes palavras de Gilberto de
Mello Kujawski, na obra O signo de
sagitário:
Por incrível que
pareça, o texto não interessou a nenhuma grande editora. Foi preciso que um
pequeno editor, GRD, dos menos abonados, ao mesmo tempo que dos mais dispostos
e vocacionados à difusão da cultura, fizesse de lançar em português a
obra-prima.[4]
Em 30 de agosto 1986, o escritor e jornalista
Oswaldo de Camargo publicou, no Jornal da
Tarde, de São Paulo, uma longa matéria sobre os trinta anos das Edições
GRD, comemorados naquele ano.
Em 2002 foi lançada a obra Ora, direis... Ouvir “orelhas” que falam de
livros, homens e ideias, com prefácio do escritor e historiador Hernâni
Donato, reunindo diversos dos significativos textos escritos por GRD nas
“orelhas” dos títulos por ele editados desde o início de sua carreira editorial
até então. Em tal obra, temos, no dizer de Hernâni Donato, “um GRD crítico, um
espirituoso cronista, um ponderado historiógrafo, o cidadão GRD motivado por
valores sociais e a responsabilidade do intelectual, um GRD dono de impulsos
poéticos”.[5]
E, como ressaltou Odilon Nogueira de Matos em artigo publicado no jornal A Federação, de Itu (SP), a 11 de
janeiro de 2003, Hernâni Donato, “admitindo que nunca se fez coisa igual – um
livro construído de orelhas – reconhece (...) que só um Gumercindo Rocha Dorea
poderia produzir obra semelhante, literariamente correta, extremamente correta,
extremamente perfeita e significativa”.
Em 2007, o Clube de Leitores de Ficção
Científica, importante instituição literária de São Paulo, dedicou o centésimo
número de seu fanzine Somnium a
Gumercindo Rocha Dorea e a seu trabalho editorial no campo da ficção
científica.
Após muitos anos em que sua atuação editorial
sofreu o boicote dos noticiaristas em virtude de sua posição filosófico-política,
GRD, “o mais injustiçado dos editores”, na expressão de Antônio Olinto,[6]
teve o contentamento de ver, em outubro de 2010, seu nome estampado na hoje
extinta revista Bravo!, da Capital
Paulista, que reconheceu sua importância como editor. No ano anterior, no
prefácio de Os prisioneiros, primeira
obra de Rubem Fonseca, originalmente publicada por GRD e então relançada pela Agir,
Sérgio Augusto reconheceu o papel do editor baiano como descobridor do consagrado
contista e romancista brasileiro.
A 08 de abril 2011, Gumercindo Rocha Dorea foi
agraciado com a Comenda da Cruz da Ordem do Mérito Cívico e Cultural, outorgada
pela Sociedade Brasileira de Heráldica e Medalhística e oficializada pelo
Governo da República Federativa do Brasil, em cerimônia realizada no Circolo Italiano de São Paulo. No mesmo
ano, foi ele homenageado na Fantasticon
2011, simpósio de literatura fantástica realizado em São Paulo, tendo sido novamente
homenageado no Anuário brasileiro de
literatura fantástica 2011, de Cesar Silva e Marcello Simão Branco,
publicado no ano seguinte.
Em 04 de agosto de 2013, data de seu
octogésimo nono aniversário, teve Gumercindo Rocha Dorea a grata surpresa de se
ver lembrado como o primeiro editor de Rubem Fonseca, no artigo Os pensamentos imperfeitos de um selvagem,
de Alvaro Costa e Silva, publicado na Folha
de S. Paulo.[7]
Cumpre ressaltar que Costa e Silva manifestou, no referido artigo, rara
honestidade intelectual ao falar de Gumercindo Rocha Dorea e de sua posição
política, não repetindo os velhos e carcomidos chavões “esquerdistas” sobre o
Integralismo, infelizmente ainda comuns em nossa imprensa. Igualmente cabe
enfatizar, contudo, que o autor do mencionado artigo equivocou-se ao afirmar
que até o início dos anos 1960 GRD só havia publicado obras de e sobre Plínio
Salgado, quando, em verdade, além de obras do líder integralista e a respeito dele
e do Integralismo, publicara o editor baiano obras ficcionais desde a década de
1950, sem mencionar a já aqui aludida Filosofia
da linguagem, de Herbert Parentes Fortes.
Em 16 de agosto deste ano de 2014, o Clube de
Leitores de Ficção Científica ofereceu um almoço em homenagem a GRD, pelos seus
noventa anos, no tradicional restaurante italiano O gato que ri, na Capital Paulista, e os noventa anos do decano dos
editores patrícios foram, ainda, lembrados pelo editor maranhense José Lorêdo
Filho, da editora Livraria Resistência Cultural, de São Luís, que homenageou
GRD no livro Poesia completa, de Ives
Gandra Martins. Esperamos que no próximo ano se concretizem os projetos de
Lorêdo de publicar um depoimento de Gumercindo Rocha Dorea e, em convênio com
as Edições GRD, uma Antologia da Enciclopédia
do Integralismo, assim como esperamos que GRD prossiga em seu projeto de relançar
grandes obras olvidadas do pensamento brasileiro, iniciado em 2013, com o
lançamento da terceira edição de Fausto:
ensaio sobre o problema do ser, de Renato Almeida, com prefácio de Ronald
de Carvalho e posfácio de Tasso da Silveira, de cuja memória é Rocha Dorea,
aliás, o maior guardião, tendo publicado inúmeras obras poéticas do inspirado
poeta e pensador curitibano.
Fausto, de
Renato Almeida, é, sem dúvida alguma, uma das mais notáveis obras da pequena grande
biblioteca filosófica GRD, que conta com obras como as seguintes: Sobre a diferença entre a palavra divina e a
humana, de Santo Tomás de Aquino, traduzida por Luiz Jean Lauand; a Antologia de Farias Brito, organizada
por Gina Magnavita Galeffi; O poema, de
Parmênides, em tradução de Gerardo Mello Mourão; Santo Tomás de Aquino, hoje, de Luiz Jean Lauand; Filosofias da hora e filosofia perene,
do Monsenhor Emílio Silva de Castro; Nietzsche
e o Cristianismo, de Belkiss Silveira Barbuy; Em busca do ser, de Manoel Joaquim de Carvalho Júnior; O século da máquina e a permanência do homem,
de Euro Brandão; Max Scheler e a ética cristã,
de Karol Woytila, em tradução de Diva Toledo Pisa; Bibliografia filosófica, de
Antonio Paim; Variações, de Miguel
Reale; Correspondência de um ângulo a
outro, de Gerschenson e Ivanov, em tradução de Diva Toledo Pisa, e Viver é perigoso e O signo de sagitário,
de Gilberto de Mello Kujawski.
A biblioteca poética das Edições GRD, por seu
turno, conta, dentre muitas outras, com obras como as seguintes: Os escravos e Espumas flutuantes, de Castro Alves, em belas edições facsimilares;
Três pavanas, O país dos Mourões e Peripécia
de Gerardo, de Gerardo Mello Mourão; Com
amor e devoção, de Alfredo Leite, e Puro
Canto (poesias completas), Cantos do
campo de batalha e Poemas (antologia
organizada por Ildásio Tavares), de Tasso da Silveira.
Já havendo nos estendido além daquilo que pretendíamos
nesta singela homenagem a este tão grande quanto injustiçado editor e
intelectual brasileiro que é Gumercindo Rocha Dorea, a encerramos aqui,
manifestando nosso desejo e esperança de que ele continue vivo por muito tempo,
promovendo a Cultura em nosso País e, como tem feito em todos esses anos,
influenciando positivamente novos editores, escritores e jornalistas, e que,
depois de seu falecimento, continue viva a GRD, esta editora que, sendo
pequena, é uma das maiores da nossa História.
Victor Emanuel Vilela Barbuy, Presidente
Nacional da Frente Integralista Brasileira.
São Paulo e Campos do Jordão, dezembro de
2014-LXXXII.
[1] Entrevista concedida ao Jornal da USP. Disponível em: http://espacoculturalmiguelreale.blogspot.com/2007/08/entrevista-concedida-pelo-prof-reale-ao.html.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[2] Entrevista concedida ao Diário do Nordeste. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=414001.
Acesso em 26 de dezembro de 2014.
[3] Versão eletrônica disponível em: http://www.sf-encyclopedia.com/entry/dorea_gumercindo_rocha.
Acesso em 27 de dezembro de 2014.
[4] O
signo de sagitário, São Paulo: Edições GRD, 1990, p. 92.
[5] Ouvindo
“orelhas”, in Gumercindo Rocha DOREA, Ora,
direis... Ouvir “orelhas” que falam de livros, homens e ideias, São Paulo,
Edições GRD, 2002, p. XIII.
[6] Apud Hernâni DONATO, Ouvindo “orelhas”, in Gumercindo Rocha DOREA,
Ora, direis... Ouvir “orelhas” que falam
de livros, homens e ideias, cit., p. XIV.
[7] Versão eletrônica disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2013/08/1320482-os-pensamentos-imperfeitos-de-um-selvagem.shtml.
Acesso em 27 de dezembro de 2014.
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