Monday, June 21, 2010

O centenário de Miguel Reale

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Pensador, jurista, filósofo, jusfilósofo, professor universitário, advogado, escritor, ensaísta, poeta e memorialista, Miguel Reale (1910-2006) completará cem anos no próximo dia 06 de novembro. Dissemos completará porque o saudoso e inolvidável Mestre permanece vivo em nossos corações e na obra que nos legou e que faz dele uma das mais autênticas e representativas figuras da verdadeira Inteligência brasileira.

Criador da Teoria Tridimensional do Direito, também denominada Teoria Integral do Direito; teórico do Estado Ético e da Democracia Autêntica; mestre do Culturalismo e um dos principais doutrinadores do Integralismo; coordenador da comissão que elaborou o Código Civil de 2002; membro de diversos institutos, academias e sociedades nacionais e internacionais; Doutor Honoris Causa de universidades do Brasil e do exterior e fundador da revista Panorama, do jornal Ação, do Instituto Brasileiro de Filosofia e da Revista Brasileira de Filosofia, Reale contribuiu, como poucos, para o engrandecimento da Cultura brasileira.

O autor de Horizontes do Direito e da História nasceu em São Bento do Sapucaí, no alto da Serra da Mantiqueira, região do Vale Paraíba, sendo filho do Dr. Brás Reale e de D. Felicidade Chiaradia Reale e tendo como avós paternos o Dr. Alfonso Reale e D. Teresa Giordano e como avós maternos o Major Miguel Chiaradia e D. Ana Vieira da Rosa Góes.

Com o falecimento do Major Chiaradia, o Dr. Brás Reale, que fora oficial médico do exército italiano e clinicava em São Bento, resolveu se mudar, com a família, para o Rio de Janeiro.

Na então Capital Federal, o Dr. Reale instalou farmácia e consultório, como era comum naquele tempo. Tudo parecia ir bem, quando, numa infausta noite, as ondas do mar invadiram a farmácia, destruindo tudo o que ali havia.

Desanimado com o sucedido e não desejando retornar a São Bento, o Dr. Brás Reale resolveu se transferir para a cidade mineira de Itajubá, então florescente centro cultural e agrícola.

Em Itajubá, cidade da infância de Miguel Reale, que ali viveu até 1921, a família residiu inicialmente em uma casa alugada, ao lado do mercado, mudando-se depois para o palacete que o Dr. Brás Reale fez construir na esquina da avenida principal, bem defronte à vivenda alpendrada de Venceslau Brás, que então já fora eleito Presidente da República.

Em 1922, Miguel Reale, que fizera os estudos primários em Itajubá, no Colégio Nossa Senhora da Glória, ingressou no Istituto Medio Dante Alighieri, na Capital Paulista, de onde sairia, diplomado, em 1929.

Ao prestar, à última hora, os exames vestibulares para admissão na Faculdade de Direito de São Paulo, a tradicional Academia do Largo de São Francisco, Reale era adepto do socialismo reformista de Carlo Rosselli. Tivera também algum contato com os trotskistas, mas tal contato fora, segundo ele, “breve e desagradável”, pois os trotskistas estavam sempre perdidos em estéreis e intermináveis debates e discussões com os adeptos do stalinismo e versando temas totalmente alheios à realidade e aos problemas nacionais, que os modernistas da Semana de 1922 haviam acendido em seu espírito [1].

Em 1930, Reale apoiou, como boa parte dos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, o vitorioso movimento político-militar liderado por Getúlio Vargas, que não aceitara o triunfo eleitoral de Júlio Prestes, candidato governista, nas eleições presidenciais realizadas no início daquele ano. Logo, porém, Reale, assim como a absoluta maioria dos estudantes da velha Academia, se voltou contra o regime de exceção imposto pela denominada Revolução de Outubro.

Assim, em julho de 1932, quando eclodiu a Revolução Constitucionalista, ingressou ele em um dos batalhões acadêmicos, o Batalhão Ibrahim Nobre, combatendo no sul do Estado de São Paulo.

A 02 de outubro daquele ano, findou a Revolução Constitucionalista, com a assinatura do Armistício de Cruzeiro, que selou a inexorável derrota militar das forças constitucionalistas.

Cinco dias mais tarde, foi lançado, em São Paulo, o chamado Manifesto de Outubro, documento inaugural do Integralismo, cuja mensagem logo se espalhou por todo o País e cujo autor era Plínio Salgado, já então célebre escritor, jornalista e político.

Ainda no referido mês, Reale se encontrou, pela primeira vez, com Plínio Salgado, cujos artigos publicados no jornal A Razão havia lido e apreciado bastante e que era, como ele, natural de São Bento do Sapucaí. Foi então que este o fez sentir “a possibilidade de uma experiência política que viesse realizar dois valores que me pareciam fundamentais: o socialismo em vinculação com a problemática nacional”. Estas seriam, com efeito, ideias dominantes do espírito do futuro autor de Teoria do Direito e do Estado, em cuja obra sempre esteve presente “a tônica da composição social com o problema da liberdade, de um lado, e com o problema da nacionalidade, da questão nacional, de outro” [2].

Em meados de novembro daquele ano, Miguel Reale ingressou na Ação Integralista Brasileira (AIB),que se constituiu no primeiro “movimento de massas” e no primeiro partido de âmbito nacional do País desde o fim do Império e que reuniu dezenas de intelectuais da mais alta distinção, que representavam, segundo o próprio Reale, “o que havia de mais fino na intelectualidade da época” [3].

No mesmo sentido, pondera o poeta cearense Gerardo Mello Mourão, outro lídimo representante da “pujante geração integralista” de que nos fala Gumercindo Rocha Dorea [4], que o Integralismo foi o “mais fascinante grupo da inteligência do País” [5]. Ainda neste diapasão, o liberal e, portanto, insuspeito Roberto Campos recorda, em suas memórias, “o surpreendente fascínio que o Integralismo exerceu em sua geração, particularmente sobre a parte mais intelectualizada” [6], e o igualmente liberal e insuspeito Pedro Calmon observa que a plêiade de intelectuais reunida pelo Integralismo “poderia lotar uma Academia, em vez de ocupar uma trincheira” [7].

Isto posto, cumpre ressaltar que, embora não saibamos que rumos tomaria o Integralismo caso houvesse sido implantado no Brasil, julgamos oportuno estudá-lo, como propõe Fernando Whitaker da Cunha, pela seriedade de seus propósitos e premissas; por ter sido “o primeiro movimento partidário de repercussões nacionais” da República; por haver “pretendido um Direito Popular em moldes brasileiros”; por combater vaidades regionalistas em proveito da Pátria Integral e, antes e acima de tudo, “por pregar um Estado Ético fundado na moral cristã, na dignidade do homem e no culto de Deus, da Nação e da Família” [8].

Secretário de Doutrina da AIB, Reale logo se tornou um dos principais doutrinadores do Integralismo e um dos mais ilustres representates do grupo a que denominamos homens de mil do Integralismo, em paráfrase a Oliveira Vianna, que, nas imorredouras páginas das Instituições políticas brasileiras, nos fala dos “homens de 1000 do Império” [9].

Em 1934, Reale lançou sua primeira obra, O Estado Moderno, que não foi apenas o primeiro livro de autoria de Miguel Reale, mas também o primeiro ensaio editado por José Olympio, recebendo elogios de intelectuais da estatura de Tasso da Silveira, Octávio Tarquínio de Sousa e Plínio Barreto, dentre outros não menos ilustres, e obtendo mesmo repercussão em Portugal, nos trabalhos de Malheiro Dias, como recorda Ronaldo Poletti [10].

O Estado Moderno é sem dúvida a obra em que Reale expõe com mais profundidade a teoria do Estado Ético, ou Estado Integral, que é um Estado transcendido pela Ética e movido pelo ideal Ético, não se podendo confundir com o Estado Ético de inspiração hegeliana, entendido como fonte única e exclusiva do Direito e da Moral e, como ressalta o então jovem doutrinador integralista, “personificação da própria Ética” [11].

O Estado Ético da concepção realeana é um Estado a um só tempo antiindividualista e antitotalitário, se constituindo em uma integração de ser e de dever ser, de realidade natural e de valor, sendo baseado na apreciação integral da Pessoa Humana e de suas projeções morais e éticas e tendo como característica primordial o conceito dinâmico dos Direitos Fundamentais do Homem.

Ainda em 1934, veio a lume o segundo livro de Reale, Formação da política burguesa, magnífico ensaio de cunho histórico-filosófico onde o autor de O ABC do Integralismo cuida de variados assuntos.

No ano de 1935, Reale entregou à publicidade a obra intitulada O capitalismo internacional, em que o autor de Formação da política burguesa trata das origens do capitalismo e contesta a célebre tese de Lênin segundo a qual o imperialismo constituiria a derradeira fase do capitalismo, observando que o sistema capitalista vinha assumindo uma nova posição, de caráter transnacional, ao lado e até acima do Estado, que convertia em seu instrumento. Era o Super-Capitalismo, que engendrara um feudalismo de novo tipo, em que a hierarquia dos feudatários não era de caráter pessoal e nem resultante do poderio militar e da extensão dos domínios territoriais, como fora na denominada Idade Média, provindo tão “somente da massa de capital e do crédito de que cada indivíduo ou sociedade pode dispor” [12].

A 11 de setembro de 1935, Miguel Reale, diplomado em Direito em agosto do ano anterior e já Secretário Nacional de Doutrina da Ação Integralista Brasileira, casou-se com Filomena Pucci, a sua amada Nuce, que conhecera quando ainda era menino, no Istituto Medio Dante Alighieri, de que ambos eram alunos. O casal teria três filhos: Ebe, nascida em 1936; Lívia Maria, nascida em 1941 e já falecida, e Miguel, nascido em 1944.

Em 1º de janeiro de 1936, saiu o primeiro fascículo de Panorama, revista de alta cultura cujo subtítulo era coletânea do pensamento novo e que, dirigida por Miguel Reale, com o auxílio de Rui de Arruda Camargo, a um só tempo redator-chefe e gerente,constituiu, sem dúvida alguma, uma das mais notáveis realizações do gênero em toda a História de nossa imprensa.

A relevância de Panorama – periódico de altíssimo nível, em cujas páginas colaboraram pensadores e escritores do quilate de Plínio Salgado, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, San Tiago Dantas, Gustavo Barroso, Hélio Vianna, Antônio Gallotti, João Carlos Fairbanks, Fernando Callage, Octavio de Faria, Azevedo Amaral, Sebastião Pagano Isaías Alves, dentre outros, incluindo, é claro, o próprio Miguel Reale – foi reconhecida por intelectuais como Oliveira Vianna, Octávio Tarquínio de Sousa, Plínio Barreto e Afrânio Coutinho, que lhe dedicou “entusiástico artigo” publicado no jornal O Imparcial, da Bahia, a 22 de fevereiro de 1937, ressaltando o papel daquela revista na obra de “reconstrução nacional” [13].

Ainda em 1936, Reale, que, por motivos que jamais foram devidamente esclarecidos, fora afastado do cargo de Secretário Nacional de Doutrina da AIB, assumido, então, pelo historiador Ernani Silva Bruno, fundou, com Paulo Paulista de Ulhôa Cintra, Mário Mazzei Guimarães, Benedito Vaz e Eduardo Graziano, o jornal Ação, em cujas páginas colaboraram, além de Reale e de Mazzei Guimarães e Benedito Vaz, estes dois últimos os principais redatores do periódico, Plínio Salgado, Gustavo Barroso, Luís da Câmara Cascudo, San Tiago Dantas, Goffredo Telles Junior, Lauro Escorel, A. B. Cotrim Neto e Ernani Silva Bruno, dentre outros.

O diário Ação se empenhou em todas as numerosas campanhas nacionalistas daquele tempo, incluindo aquela em favor da extração nacional do petróleo, apoiando entusiasticamente a luta de Monteiro Lobato. Este, em entrevista àquele jornal, em 15 de outubro de 1937, declarou que sua “única esperança”, naquele momento, estava nos integralistas [14].

A 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas - se aproveitando da divulgação do “Plano Cohen”, farsa criada pelo General Góis Monteiro, que se apoderara de documento escrito por Olympio Mourão Filho, simulando como seria uma revolução comunista, e o divulgara como se fosse autêntico – instaurou o Estado Novo, mais brutal ditadura da História do Brasil.

Meses mais tarde, mais precisamente a 11 de maio de 1938, um grupo de integralistas liderado por Belmiro Valverde atacou, juntamente com o Tenente Severo Fournier, conhecido liberal, o Palácio Guanabara, residência de Vargas e de sua família, com o objetivo de prender o ditador e depô-lo. Este precipitado ataque, desferido, segundo Plínio Salgado, à revelia sua e dos demais líderes do movimento pela redemocratização do País, que se formava havia meses, custou a desarticulação de todo este movimento, bem como do próprio movimento integralista, que seguia forte, a despeito de a AIB haver sido dissolvida, juntamente com os demais partidos, a 03 de dezembro de 1937, e custou, ademais, a prisão de milhares de pessoas, muitas das quais barbaramente torturadas e algumas até fuziladas, e a consolidação de uma ditadura que, na expressão de Plínio Salgado, “desgraçou o Brasil durante oito anos” [15].

Com o malogro do Levante de 11 de maio, Reale partiu para o exílio na Itália, onde teria contato com o movimento neokantiano que então se desenvolvia na Europa.

Em 1940, ano da publicação de sua Teoria do Direito e do Estado, Reale, que voltara ao Brasil ainda em 1938, se inscreveu no concurso para Professor Catedrático de Filosofia do Direito, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, apresentando a tese Fundamentos do Direito. Aprovado, foi empossado a 14 de maio de 1941.

É nas duas obras supracitadas que aparece, pela primeira vez, a Teoria Tridimensional do Direito. Esta, posteriormente desenvolvida nas obras Filosofia do Direito, de 1953, e Teoria Tridimensional do Direito, de 1968, é, sem dúvida, a maior contribuição de Reale ao pensamento jusfilosófico universal, constituindo, na expressão de Cláudio de Cicco, “a maior reação contra o normativismo formalista nos anos 40” [16], tendo sido largamente difundida, como sublinha Alfredo Buzaid, em países como Alemanha, Itália, França, Hungria, Polônia, Argentina, México e Brasil [17].

Nomeado para o Departamento Administrativo do Estado de São Paulo, Reale exerceu as funções de Conselheiro de Estado até 1945. Neste ano, que marcou o ocaso da ditadura estadonovista e o início da redemocratização do País, fundou ele, com Marrey Junior e outros, o Partido Popular Sindicalista, cujo manifesto redigiu.

Em 1946, o supracitado partido se fundiu ao Partido Republicano Progressista de Adhemar de Barros e Café Filho e ao Partido Agrário Nacional de Mário Rolim Telles, assim surgindo o Partido Social Progressista (PSP), cujo estatuto e programa se basearam em projetos da autoria de Reale.

Secretário da Justiça e dos Negócios Interiores do Estado de São Paulo em 1947, organizou Reale diversos órgãos de fundamental importância, tais como o Departamento Jurídico do Estado e a Assessoria Técnico-Legislativa, a primeira constituída no Brasil.

Nomeado Reitor da Universidade de São Paulo em 1949, ocupou tal cargo até 1950, reestruturando vários de seus institutos e departamentos e traçando o primeiro plano de expansão universitária no interior do Estado, principiando pela fundação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, cuja pedra fundamental lançou.

A 10 de outubro de 1949, Miguel Reale fundou, com a cooperação de Vicente Ferreira da Silva, Heraldo Barbuy, Renato Cirell Czerna e Luís Washington Vita, o Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF).

Os objetivos capitais do Instituto Brasileiro de Filosofia, realizados com sucesso, foram a valorização dos principais textos dos filósofos nacionais e o estímulo a nossos pensadores, no sentido de elaboração de trabalhos que não constituíssem simples comentários de teorias estrangeiras, mas sim “representassem o ato de pensar em diálogo com autores do Brasil e do estrangeiro, sem subordinação dogmática a determinada linha de pensamento”, assim como a participação do País nos encontros internacionais de Filosofia e a promoção de congressos filosóficos nas diversas unidades da Federação [18].

Em 1951 foi criada, por Reale, a Revista Brasileira de Filosofia, que sem dúvida alguma constitui o maior e mais elevado veículo filosófico de quantos hajam surgido no Brasil e que tem recebido, desde sua fundação, a colaboração de grandes pensadores do Brasil e do exterior.

Em julho do mesmo ano, Reale foi delegado do Governo brasileiro junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, fazendo prevalecer, por meio de votação em plenário, o ponto de vista brasileiro a respeito do salário mínimo nas plantações.

No ano de 1963, o jusfilósofo patrício foi nomeado Secretário de Justiça do Estado de São Paulo por Adhemar Barros, ocupando tal cargo até a eclosão do movimento cívico-político-militar de 1964, de que participou ativamente.

Entre outubro de 1969 e novembro de 1973, Reale ocupou pela segunda vez a Reitoria da Universidade de São Paulo, promovendo, por exemplo, no plano didático, a reforma universitária de que tal instituição ora carecia; no plano urbanístico e arquitetônico, a elaboração de projetos ou conclusão de edifícios destinados a abrigar os diversos institutos básicos recém-criados e no plano cultural, a definitiva institucionalização da Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP).

Foi durante o quadriênio de seu reitorado na Universidade de São Paulo que atingiram um de seus pontos culminantes os trabalhos de preparação de um novo Código Civil, cuja Comissão Revisora e Elaboradora era presidida pelo Professor Reale e que resultaram no Código Civil de 2002.

Falecido em São Paulo a 14 de abril de 2006, Miguel Reale pertenceu à Academia Brasileira de Letras, à Academia Paulista de Letras, à Academia Paulista de Direito, à Academia Paulista de História e à Sociedade Interamericana de Filosofia, de que foi o primeiro presidente, bem como a outras instituições do Brasil e do exterior, e presidiu o Conselho Federal de Cultura por quinze anos, a partir de 1974.

Mesmo afastado da militância política integralista, o autor de O Homem e seus horizontes se manteve fiel a muitos dos princípios do Integralismo, em especial à visão integral da realidade e dos problemas, levando Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima) a afirmar que “a tentação da integralidade sempre foi uma nota dominante na personalidade de Miguel Reale, desde 1934, data em que iniciou sua monumental obra filosófica, a mais importante sem dúvida do movimento filosófico contemporâneo” [19].

Com efeito, como ressalta Cláudio de Cicco, desde Atualidades de um mundo antigo, obra da aurora, até Pluralismo e liberdade, obra do zênite, vemos em Reale a mesma Filosofia da História, a “concepção integral da História” [20], sendo que o mesmo podermos afirmar a respeito de suas concepções de Direito e de Estado, posto que a Teoria Tridimensional do Direito bem poderia se chamar Teoria Integral do Direito, nome, aliás, empregado por Javier García Medina, segundo sugestão do próprio Reale, para designá-la [21], e que o autor de O Estado Moderno sempre se manteve fiel à doutrina do Estado Ético tal como compreendido pela doutrina integralista.

Em fins da década de 1950, o filósofo italiano Michele Federico Sciacca afirmou ser Reale “a personalidade de maior relevo da filosofia brasileira, inclusive pelo impulso dinamizador que lhe deu” [22].

Como frisa Ronaldo Poletti, “a obra de Miguel Reale seria notável em qualquer país, mas para nós adquire relevância singular”, posto que a “carência filosófica brasileira” torna “ainda mais relevante a participação deste jurista e filósofo na elaboração do pensamento brasileiro” [23].

Reclamamos que a imprensa, os governos estadual e federal e as instituições culturais se recordem do centenário do Professor Miguel Reale, prestando ao pensador patrício as homenagens que ele bem merece, e que o Código de 2002 passe a ser universalmente conhecido como Código Miguel Reale, do mesmo modo que o Código de 1916 é conhecido como Código Beviláqua. E sublinhamos que o pensamento do egrégio Mestre segue vivo e atual, se constituindo em verdadeiro modelo para nossos pensadores em geral e juristas e filósofos em particular.


Publicado originalmente no jornal O Lince, de Aparecida do Norte (SP), na edição de março/abril de 2010.



NOTAS:

[1] REALE, Miguel. Memórias, vol. 1, Destinos cruzados. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 35.
[2] REALE, Miguel. O risco é inerente à Democracia. In MOTA, Lourenço Dantas (Coordenador). A História vivida, vol. I. 2ª ed. rev. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1981, p. 325.
[3] REALE, Miguel. Entrevista concedida ao Jornal da USP. Disponível em: http://espacoculturalmiguelreale.blogspot.com/2007/08/entrevista-concedida-pelo-prof-reale-ao.html. Acesso em 20/03/2010.
[4] Citamos de memória.
[5] MOURÃO, Gerardo Mello. Entrevista concedida ao Diário do Nordeste. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=414001. Acesso em 20/03/2010.
[6] CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1994, p. 843.
[7] CALMON, Pedro. Miguel Calmon – uma grande vida. Prefácio de Afonso Arinos de Melo Franco. Rio de Janeiro/Brasília: José Olympio Editora/INL, 1983, p. 170.
[8] CUNHA, Fernando Whitaker da. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1990, p. 325.
[9] VIANNA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras – Fundamentos sociais do Estado: Direito Público e cultura. 3ª ed., Vol. 1. Rio de Janeiro: Record, 1974, pp. 313 e ss.
[10] POLETTI, Ronaldo. O pensamento político de Miguel Reale. In Convivium, vol. 25, São Paulo, maio-junho de 1982, pp. 177-204.
[11] REALE, Miguel. O Estado Moderno: liberalismo, fascismo, integralismo. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1934, p. 197.
[12] REALE, Miguel. O capitalismo internacional. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1935, pp. 38-39.
[13] Cf. REALE, Miguel. Memórias, vol. 1, Destinos cruzados, cit., p. 110.
[14] Idem, p. 113.
[15] SALGADO, Plínio. Livro verde da minha campanha. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1956, p. 114.
[16] CICCO, Cláudio de. História do pensamento jurídico e da ciência política. 3ª ed. reformulada. São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 300.
[17] BUZAID, Alfredo. Resposta do Acadêmico Alfredo Buzaid. Revista da Academia Paulista de Letras, n. 91, São Paulo, novembro de 1977, p. 42.
[18] REALE, Miguel. Memórias, vol. 1, Destinos cruzados, cit., p. 220.
[19] ATHAYDE, Tristão de. Modernismo filosófico. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, vol. XXXI, fasc. 121, janeiro-fevereiro-março de 1981, p. 59.
[20] CICCO, Cláudio de. Miguel Reale, filósofo da História. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, vol. LV, fasc. 222, abril-maio-junho de 2006, p. 195.
[21] MEDINA, Gabriel García. Teoría Integral del Derecho en el pensamiento de Miguel Reale. Valladolid, Ediciones Grapheus, 1995.
[22] SCIACCA, Michele Federico apud CARVALHO, José Maurício de. Miguel Reale, filosófo. Revista Brasileira de Filosofia, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia, vol. LV, fasc. 222, abril-maio-junho de 2006, p. 159.
[23] POLETTI, Ronaldo. Introdução ao Direito. 3ª ed., revista. São Paulo: Editora Saraiva, 1996, p. 138.