Wednesday, December 12, 2007

Salve Pátria - Câmara Cascudo


Segue bela poesia patriótica de Luís da Câmara Cascudo, maior folclorista do Brasil (embora não se julgasse sequer um folclorista, considerando Gustavo Barroso - seu grande amigo e companheiro de militância na Ação Integralista Brasileira - o "mestre incontestável do folclore brasileiro"), além de um dos mais brilhantes poetas, jornalistas, etnólogos, sociólogos, historiadores e ensaístas jamais nascidos neste País.

Salve Pátria !

Mãe de heroísmos, vida, força, esplendor, esperança nossa, salve ! A vós bradamos, os humildes soldados de vossa grandeza, e a vós suspiramos, gemendo e sonhando nesta hora de combate. Ela, pois, advogada do nosso passado, a nós volvei, perpetuamente, os exemplos dos nossos mortos e depois da batalha, conservai-nos puros ante vossa presença augusta.

Bendito seja o fruto da vossa história. Oh nobre ! Oh altiva ! Oh sempre gloriosa Pátria, mantem-nos fiéis ao espírito e à Terra do Brasil, para que possamos viver em vosso serviço e morrer defendendo as cores sagradas de vossa BANDEIRA IMORTAL !

(Publicada na Revista "Anauê" em agosto de 1935)

Ave Maria - Fernando Pessoa


Segue um lindo poema feito por Fernando Pessoa em homenagem a Maria, mãe de Jesus Cristo.

Ave Maria, tão pura
Virgem nunca maculada ouvi a prece tirada no meu peito da amargura. Vós que sois cheia de graça escutai minha oração, conduzi-me pela mão por esta vida que passa. O Senhor, que é vosso Filho, que seja sempre conosco, assim como é convosco eternamente seu brilho. Bendita sois vós, Maria, entre as mulheres da Terra e voss'alma só encerra doce imagem d'alegria. Mais radiante do que a luz e bendito, oh Santa Mãe é o Fruto que provém do vosso ventre, Jesus ! Ditosa Santa Maria, Vós que sois a Mãe de Deus e que morais lá no céus, orai por nós cada dia. Rogai por nós, pecadores, ao vosso Filho, Jesus, que por nós morreu na cruz e que sofreu tantas dores. Rogai, agora, oh Mãe querida e (quando quiser a sorte) na hora da nossa morte quando nos fugir a vida. Ave Maria, tão pura Virgem nunca maculada, ouvi a prece tirada no meu peito da amargura.

Saturday, October 06, 2007

75 anos do Manifesto de Outubro

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Há setenta e cinco anos, no dia 07 de Outubro de 1932, Plínio Salgado leu, no Teatro Municipal de São Paulo, o documento de sua autoria que entrou para a História como o “Manifesto de Outubro”. Antes de tratar propriamente deste manifesto, julgo oportuno fazer um breve resumo das atividades realizadas por Plínio até aquele 07 de Outubro.
Nascido na bucólica e tradicional cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, na fronteira entre São Paulo e Minas Gerais, a 22 de janeiro de 1895, Plínio Salgado fundou, em 1913, ao lado de Gama Rodrigues, o Partido Municipalista, primeira agremiação política do Brasil a defender o Município. Pouco tempo depois era redator do “Correio de São Bento”, semanário fundado por ele e seu primo Joaquim Rennó, já tinha trabalhos publicados na “Revista do Brasil”, dirigida por Monteiro Lobato e Paulo Prado, proferia conferências sobre temas cívicos e patrióticos e escrevia sonetos como aqueles reunidos em seu primeiro livro, “Tabor”, de 1919.
Em 1922, já vivendo na Capital Paulista e trabalhando como redator do “Correio Paulistano”, Plínio participou ativamente da ruidosa Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro daquele ano no Teatro Municipal de São Paulo.
Em 1926, publicou “O estrangeiro”, primeiro romance social em prosa modernista de nossa Literatura, considerado por Wilson Martins como a maior realização romanesca da década de 1920, ao lado de “O esperado”, também de Plínio. A obra – recebida com entusiasmo por escritores e críticos literários do porte de Monteiro Lobato, Cassiano Ricardo, Jackson de Figueiredo, Tristão de Athayde, Cândido Mota Filho, José Américo de Almeida, Andrade Muricy, Afrânio Peixoto, Augusto Frederico Schmidt, Francisco Patti e tantos outros não menos ilustres – fez dele um escritor nacionalmente consagrado.
Em 1927 foi eleito Deputado Estadual pelo Partido Republicano Paulista, entrando pelo 2º turno e sendo o candidato mais votado. É uma pena que ele e Menotti Del Picchia, seu grande amigo e companheiro do movimento literário verde-amarelista, também eleito Deputado naquela ocasião, não tenham conseguido, sozinhos, reformar o velho PRP...
A 31 de julho de 1929, o renomado autor de “O estrangeiro” tomou posse na Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira nº 6, cujo patrono é Couto de Magalhães.
Em 1931, ano da publicação de seu romance “O esperado”, o segundo de sua formidável trilogia de romances sociais intitulada “Crônicas da Vida Brasileira”, escreveu Plínio o Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, recebendo elogios de Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Azevedo Amaral, Octavio de Faria e tantos outros.
A 24 de fevereiro de 1932, Plínio fundou, na Sala de Armas do Clube Português, em São Paulo, a Sociedade de Estudos Políticos, que reuniria dezenas de intelectuais preocupados em dar um rumo ao Brasil. E a 23 de maio do mesmo ano, durante os distúrbios ocorridos na Capital Bandeirante, foi empastelado o jornal “A Razão”, que, tendo Alfredo Egydio de Souza Aranha como proprietário e Plínio como diretor e principal redator, revolucionara a imprensa do País,a traindo para suas colunas destacados intelectuais como San Tiago Dantas, Mário Graciotti, Alpínolo Lopes Casali, Silveira Peixoto, Nuto e Leopoldo Sant’Anna e outros. O artigo de abertura daquele jornal, a “Nota Política”, escrita por Plínio Salgado, que nela analisava a situação do País, citando grandes pensadores brasileiros até então esquecidos, era lido com entusiasmo por pessoas de Norte a Sul do País e mesmo de fora dele.
Voltemos ao Manifesto de Outubro, primeiro manifesto político do Brasil a denominar-se integralista, a despeito de o “Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo” já ser, por seu conteúdo doutrinário, um manifesto integralista.
O “Manifesto de Outubro” é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas “Rerum novarum” e “Quadragesimo anno”, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização “do caboclo e do negro de nossa terra”. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro “movimento de massas” e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o “mais fascinante grupo da inteligência do País”, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres.

(Publicado no jornal "O Município", de São João da Boa Vista, a 07 de Outubro de 2007)

Friday, September 28, 2007

Consulta sobre o Integralismo

Por Lúcio Joé dos Santos


I

O conceito filosófico e jurídico do Estado, professado pelo Integralismo, não colide, nem essencial, nem acidentalmente, com a doutrina definida pela Igreja e poderá um católico, “tuta conscientia”, admiti-lo?

II

O sistema de organização social, propugnado pelo Integralismo, responde ao exposto em documentos pontifícios, máxime na Rerum Novarum e Quadragesimo Anno – ou, pelo menos, nada haverá naquele sistema, que entre em conflito com a doutrina social da Igreja? O corporativismo integralista aparta-se, em ponto essencial, do corporativismo de base cristã?

III

Pode um católico, “tuta conscientia”, admitir – como quer o plano integralista – a hipótese da concordata, exigindo-a em tese e abandonando, de vez, a tese da união da Igreja com o Estado? Pode, ainda, um católico admitir, implicitamente, uma vez que se faça integralista, o princípio da liberdade de cultos, condenado pelo Syllabus? Em suma, nada haverá na doutrina integralista, nos manifestos e planos do Chefe Nacional (V.G. o manifesto-programa, de 27 de janeiro de 1936), que, explícita ou implicitamente, se encontre entre as proposições condenadas pelo Syllabus?

IV

Em seu livro Humanismo Integral, Jacques Maritain cataloga o fascismo e o nazismo, na mesma linha do comunismo, dizendo que têm, todos, suas raízes na negação dos valores espirituais da Igreja, e que o totalitarismo, seja qual for, contrariará a ideologia cristã. Haverá no Integralismo algo que mereça a censura de Maritain?

R E S P O S T A S

Antes de responder diretamente à consulta, farei algumas observações preliminares.

A) – Falo, aqui, exclusivamente em meu nome individual, não tendo autoridade para falar em nome dos católicos nem dos integralistas. Estou pronto a emendar o meu modo de ver, aqui externado, se em contrário se manifestar a Igreja. Além disso, exponho a compreensão que faço do Integralismo; reconheço, porém, um Chefe Nacional, e este poderá dizer se bem apreendi o Integralismo ou se me engano.

B) – Há grande número de sacerdotes integralistas, sem falar no de simpatizantes com ele. Já tenho ouvido, de Bispos, declarações favoráveis ao Integralismo.

Não haveria já tempo de serem os católicos premunidos pela autoridade religiosa competente, se errados?

Certamente, em todos os tempos, tem sido a Igreja de grande paciência e longanimidade, mesmo em relação a grandes heresias, tolerando, admoestando, convidando à abjuração, e, só depois de esgotados todos os meios suasórios, condenando definitivamente. Esse, porém, não é o caso do Integralismo. A sua doutrina é bem clara e já está sendo bem conhecida. Os católicos vão aderindo, sem que tenham sido censurados e nem mesmo admoestados pela autoridade competente.

Não é já uma forte presunção em favor do Integralismo, no ponto de vista religioso?

C) – Estamos vendo condenarem-se no Integralismo coisas que se aceitam ou, pelo menos, se toleram nos outros partidos. O Integralismo não é composto de anjos e nem pretende realizar o paraíso na terra.

A tomar o Syllabus no sentido rígido, a meu ver, errôneo, que se lhe quer dar, deveriam os católicos excluir-se da vida pública no Brasil. Ora, o pensamento da Igreja, como direi mais adiante, não é esse, e nem seria possível que só em relação ao Integralismo, se enchessem de escrúpulos os católicos.

Passarei a tratar dos quatro ítens, em conjunto.

1 – A Igreja tem por missão essencial conduzir os homens à salvação eterna, e, para isso, oferece-lhes uma doutrina: a doutrina de Cristo. O resto é secundário.

A Igreja não condena regime político algum, qualquer que seja a sua forma, desde que se respeitem os princípios fundamentais da organização social cristã, os princípios em que assenta a concepção cristã da vida.

Na Encíclica Immortale Rei, de 1º de novembro de 1885, Leão XIII, depois de mostrar a origem da sociedade e de demonstrar que a soberania vem de Deus, acrescenta: “Em si mesma a soberania não está ligada a forma alguma política, podendo adaptar-se perfeitamente a esta ou aquela, desde que seja apta para a utilidade e o bem comum”.

2 – A Sociedade procede da ordem natural das coisas; ora, esta repousa sobre a vontade de Deus; certo é, pois, que o Estado, ou antes, a autoridade do Estado tem como fundamento a vontade de Deus. A Sociedade, portanto, repousa diretamente sobre a natureza e indiretamente sobre a vontade de Deus.

O Cristianismo afirma a existência de uma vida social, organizada sob uma autoridade e orientada para um bem comum, segundo a ordem natural das coisas, com fundamento na vontade de Deus.

Assim pois, a Sociedade não é o produto da vontade do povo, nem de um contrato, nem de um mero arbítrio. A Sociedade não é uma forma de vida, artificialmente estabelecida, ao modo de um mecanismo; ela é um organismo, que resulta certamente de uma atividade fundada sobre leis naturais, mas dotado de uma finalidade própria.

3 – Se a existência da sociedade é assim fundamentada, o mesmo não acontece a sua forma política. Esta forma tem sido assunto das cogitações e controvérsias de filósofos, historiadores e políticos. Ela depende essencialmente das circunstâncias, e será tanto melhor quanto melhor possibilitar aos homens a efetivação dos seus verdadeiros destinos.

Não há, pois, uma forma do Estado apoiada e reclamada pela Igreja. Dever-se-á apenas exigir, no ponto de vista católico, que o objetivo último e superior dos governos seja o subordinarem-se aos grandes temas da História, como são os mesmos desvendados pela revelação (J. Steffes: Religion und Politik, e Die Staatsauffassung der Modernen).

Nenhuma das Encíclicas (Rerum Novarum e Quadragesimo Anno) apregoa ou recomenda uma organização social modelo.

De um certo modo, pois, e feitas essas observações, não será erro dizer, que a Igreja não possui propriamente um conceito filosófico e jurídico do Estado, com o qual possa outro colidir.

4 – Isso, porém, não impede que, em determinadas épocas, possa a Igreja considerar tais organizações do Estado preferíveis a tais outras.

De fato, da doutrina da Igreja se deduzem meios sociais, que sejam preferíveis por mais consentâneos com o fim primordial do homem. Analogamente, dadas as circunstâncias de tempo, de meio, de raça, pode ser preferível uma determinada forma política.

A Igreja, porém, não propõe soluções imediatamente práticas, no domínio da política, da economia, da técnica, ou em qualquer outro.

Referindo-se ao parlamentarismo, disse Pio XI, que a doutrina da Igreja não condena essa instituição política, como não condena quaisquer outras, desde que sejam conformes ao direito e à razão, sendo, porém, manifesto que se presta, mais do que as outras, ao jogo desleal das facções.

Em conclusão, a Igreja deixa liberdade para a escolha entre os regimes políticos, respeitadas as leis divinas e humanas; mas, reclama o direito de manifestar-se sobre tais formas, porque depende da lei moral e porque, na ordem providencial, são outros tantos meios, que podem ajudar o homem a atingir o seu fim, que é a vida eterna, ou deste o afastar.

Em consciência, não posso ser comunista, mas não sou obrigado a dar preferência à monarquia sobre a república, se ambas respeitam os princípios cristãos.

5 – De outro lado, jamais se identificou a Igreja como um regimen político, por mais íntima que tenha sido a sua união com ele. Nenhuma época histórica conseguiu ainda realizar integralmente o Cristianismo, em todos os seus modos de sentir, pensar e agir.

Assim, pois, mesmo aderindo a um regimen político, porque lhe pareça mais de acordo com a sua convicção religiosa, não deve o católico identificá-lo com a sua Religião.

Por melhores que se nos afigurem, podem os regimens políticos deixar de corresponder às necessidades e problemas que vão surgindo.

6 – O Integralismo afirma a existência de Deus e a imortalidade da alma. Compreende a família e a autoridade segundo os ensinamentos cristãos. Reconhece, no homem, “uma tríplice aspiração: material, intelectual e moral”. É contra os ódios e as lutas de classe. Para ele, a sociedade é “a reunião de seres humanos, que devem viver em harmonia, segundo os destinos superiores do homem”. No entender dele, a nação é “como uma sociedade de famílias, vivendo em determinado território, sob o mesmo governo, sob a inspiração das mesmas tradições históricas e com as mesmas aspirações e finalidades”. Para o Integralismo, “os elementos morais da Nacionalidade são a Religião e a Família”. O conceito que ele forma da propriedade é o mesmo de Leão XIII e Pio XI.

Até aqui só encontramos acordo entre o Integralismo e a Doutrina Católica, acordo franco e explícito nos pontos mais importantes e mais graves, nos pontos essenciais.

Mas, o Estado Integralista será um Estado Corporativo. Que dizer desse corporativismo?

7 – Sem ir muito longe, ao grande movimento católico social na Alemanha, principalmente depois de 1848, na Áustria, França, Bélgica, Suiça, etc..., vejamos apenas o que há de mais próximo.

Na Encíclica Quadragesimo Anno, depois de referir-se ao “vício do individualismo”, fala Pio XI nas associações de classes, nas corporações que o Estado sacrificou e que a prática social deve dedicar-se a reconstituir; e elogia as corporações, lembrando palavras de Leão XIII.

O mesmo Pontífice fala nas vantagens da organização corporativa, como sejam: a colaboração pacífica das classes, a repressão das organizações e intentos socialistas.

Pio XI combate com energia o erro da economia individualista, de esquecer o lado social e moral do mundo econômico.

Favoráveis às corporações são também: Leão XIII (na citada Encíclica); Pio X (Breve ao Conde Medolago Albani, a 19 de março de 1904); Bento XV (na carta do Cardeal Gasparri ao Presidente da União Econômico Social, a 26 de fevereiro de 1915).

Como Estado corporativo, pois, o Integralismo está de acordo com a orientação da Igreja.

8 – Temem alguns, diz Pio XI, que, na organização corporativa, o Estado se substitua à livre atividade individual e que se torne uma organização excessivamente burocrática e política, servindo a intuitos políticos. Aí temos mais uma prova da sabedoria do glorioso Pontífice.

Acrescenta ele que, para evitar esse desvio, são necessárias, em primeiro lugar, a bênção de Deus e, depois, a colaboração das boas vontades, desde que seja grande a corporação das competências técnicas profissionais e sociais, dos princípios católicos e sua prática.

A Igreja, é ainda Pio XI quem fala, exige apenas que o corporativismo respeite os direitos da personalidade humana, os direitos do cristão, do pai de família e do produtor.

Ora, o Integralismo está nítidamente, perfeitamente, dentro desse quadro traçado pelo incomparável Chefe da Igreja.

No Integralismo, há um regime corporativo integral, abrangendo todas as profissões, menos o Clero e a milícia. Os poderes se organizam democraticamente, nos três graus (municipal, provincial e federal), por eleição corporativa. Quer dizer que o Estado é a resultante das corporações e nenhum interesse pode ter alheio ou contrário a elas. O Estado liberal, ficticiamente, é a resultante da vontade do povo, manifestada em eleições, pelo sufrágio universal. Esse sistema já fez as suas provas e revelou a sua incapacidade e impotência. Os eleitos por classes representarão muito mais seguramente os direitos, aspirações e interesses destas.

Portanto, mesmo levando em conta as paixões humanas, é muito menos de esperar que o Estado absorva a atividade individual, no Integralismo, que nos regimens vigentes.

O Integralismo invoca as bênçãos de Deus; respeita rigorosamente os direitos da personalidade humana; por sua natureza, dá a direção às capacidades técnicas, profissionais e sociais; empenha-se pela colaboração das boas vontades e conciliação das classes.

A conclusão é que o Integralismo está perfeitamente dentro das condições formuladas por Sua Santidade, o Papa Pio XI.

9 – No caso em que se tenha uma organização corporativa paralela a um Estado que não resulte dela e que se tenha organizado de outra forma, compreende-se que esse Estado possa desmandar, agir politicamente sobre as corporações e invadir o domínio da atividade individual. No Estado Integralista, isso só poderá acontecer, dadas as contingências humanas, não, porém, como resultado da natureza mesma do regime, o qual, ao contrário, é muito mais propício que qualquer outro a uma perfeita harmonia, porque nele, propriamente falando, o Estado se identifica com a organização corporativa, de que é apenas a expressão.

Como diz o Código Social, de Malines, a autoridade do Estado deve aplicar-se em fomentar os bens materiais, intelectuais e morais, para o conjunto dos seus membros. Ora, no regimen liberal, nada garante que, do voto atômico, do sufrágio universal, resulte no Estado a verdadeira representação daqueles bens e interesses, como é de presumir e esperar na representação corporativa.

10 – A idéia da organização corporativa é uma idéia vencedora hoje e se vai espalhando, embora sob modalidades diferentes, sem que contra ela se tenha manifestado a autoridade religiosa. A Igreja entrou em relações com o Estado fascista e com ele resolveu o formidável problema dos estados pontifícios. Certo é, pois, que a Igreja não julga esse Estado, em princípio, contrário a ela. Surgiu um conflito, felizmente dissipado. Esse conflito, porém, não procedeu da natureza do regimen, e sim de um modo de ver em determinada direção, e, por isso, pode ser satisfatóriamente resolvido.

11 – No regime monárquico, dada a união entre a Igreja e o Estado, não tínhamos a liberdade de culto. Dizer que esse regime foi favorável à Igreja, seria desconhecer a realidade. Com a república vieram-nos a liberdade de culto, e, em região mais profunda, a liberdade de consciência, que aliás sempre existiu, a liberdade de imprensa, a liberdade de cátedra, a laicisação completa da sociedade brasileira.

Ora, a Igreja condena essas liberdades, como se vê pelo Syllabus. Entretanto, a Igreja aceitou esse regimen no Brasil, entrou em relações com ele e não vedou e nem mesmo censurou que os católicos fizessem parte das organizações partidárias que têm surgido, nem que colaborassem com o governo ou mesmo neste figurassem.

Há, pois, necessidade de um exame detido sobre o assunto, antes de condenar o Integralismo porque aceite a liberdade de culto e o regimen de concordata, em vez do regimen da união entre a Igreja e o Estado, com todas as suas consequências.

12 – Preliminarmente, devo dizer que abraço a opinião de muitos, no entender dos quais, o Syllabus é um ato autêntico de Pio IX, obrigando universalmente os fiéis, não, porém, uma definição ex-cathedra (D’Alés: Dictionnaire Apologétique de la Foi Catholique. – Art.: SYLLABUS) como nas definições dogmáticas.

A multiplicidade de religiões jamais será um bem, diz Mgr. Bougaud. Melhor será que todas as almas tenham um só Deus, uma fé, um batismo, uma Igreja, um caminho para a eternidade. Se, pois, a liberdade de culto é estabelecida como uma glorificação da multiplicidade de cultos; se a sociedade declara, que concede a todos os cultos a liberdade, porque se equivalem, porque são todos igualmente verdadeiros, sendo, portanto, indiferente que se adote este ou aquele ou nenhum, essa liberdade é inaceitável. É nesse sentido que a Igreja condena a liberdade religiosa.

As coisas, porém, não se passam assim. A liberdade de cultos impôs-se como necessidade resultante de circunstâncias, contra as quais foram impotentes os esforços humanos.

Aceitar, pois, a liberdade de cultos como um mal irremovível, de fato, e não como um princípio que se deva sustentar e defender, não é contrário à doutrina da Igreja (Le Christianisme et les temps presents).

Essa distinção entre o princípio e o fato não é meramente escolástica; tem, ao contrário, grande importância prática. Se o Estado reconhece, em princípio, a liberdade de cultos, ele renuncia, ipso facto, a quaisquer meios, procedimentos e intervenções no sentido de fomentar e favorecer a propagação da verdade religiosa, segundo a crença católica, no ensino, na sociedade, na catequese, etc., e dar à Igreja todo o prestígio a que ela tem direito.

A liberdade religiosa, de fato e não de direito, pode e deve significar, que se reconhece existir uma só Religião verdadeira, tolerando-se as outras para evitar maior mal.

Nesse sentido, a liberdade de culto não é condenada pela Igreja.

13 – As mesmas considerações poderemos, seguindo Mgr. Bougaud, aplicar à liberdade de consciência.

Na realidade não há liberdade de consciência para o indivíduo, diante de Deus. Em presença da verdade e do erro, do bem e do mal, conhecidos, revelados, não há direitos de escolha. Diante, pois, de Deus, que é a fonte, e da Igreja, que é a depositária infalível da verdade, não pode haver liberdade de consciência. Mas, e diante do Estado? Perguntai à própria Igreja, se o Estado tem o direito de oprimir a minha consciência. Ela responderá: Não.

Foi Jesus Cristo, quem primeiro afirmou a inviolabilidade da consciência individual.

Se, em certas épocas e em certas condições, pode o Estado dirigir os seus vassalos em matéria religiosa, ele o fez em virtude de uma delegação da Igreja e não em virtude de um direito, que lhe seja inerente. Ora, dada a separação entre a Igreja e o Estado, exigida pelas circunstâncias, como se tem dito, não pode o Estado, isolado, intervir no assunto, e deve proclamar a liberdade de consciência. Uma vez, pois, que há uma grande variedade de religiões, representadas frequentemente no próprio governo, de que resulta a necessidade do regimen da separação, a liberdade de consciência se impõe como necessidade absoluta (Bougaud: Ibidem).

As teses 77 e 78 do Syllabus relativas à liberdade de culto, estabelecem que a existência de um Estado católico se justifica ainda, em nossos dias, mas não excluem a permissibilidade de outros Estados, dadas outras condições (G. Esser e J. Mausbach: Religion. Christentum. Kirche; III Vol. – Die Kirche und die Kultur).

A Igreja católica é muito sábia. Em todo o conflito entre ela e a cultura moderna se descobrirá facilmente uma interpretação errônea da doutrina da primeira ou uma compreensão viciosa dos resultados da segunda.

14 – Jacques Maritain é um escritor católico de grande merecimento, diante do qual nos curvamos reverentes. Não é, porém, a autoridade necessária no caso. Releva notar, que o ilustre escritor se refere ao fascismo e ao nazismo. São esses os tipos que a Europa tem sob as vistas. O Integralismo não é a mesma coisa que aqueles dois regimens; é bastante diferente.

Não descubro no Integralismo nada que importe na negação dos valores espirituais da Igreja. Se há, é coisa muito sutil, que escapa a minha compreensão. Chegarei, então, a esta conclusão bastante singular, isto é, essa subtileza escapara ao próprio criador do Integralismo, ao Chefe Nacional, católico praticante, e a muitos outros católicos entre as principais figuras do Integralismo.

Para mim, muito ao contrário, o Integralismo visa uma efetivação maior desses valores espirituais da Igreja, em colaboração íntima com ela.

15 – Na citada Encíclica Quadragesimo Anno, Pio XI condena tanto o liberalismo absoluto como o estatismo exagerado, sem definir a técnica nem os limites do corporativismo. Diz, ainda aí, Pio XI que duas coisas são necessárias: a reforma das instituições e a dos costumes, entendendo-se pela primeira, em especial, a reforma do Estado. Exige, porém, que a reforma do Estado se faça pelos meios legítimos, sem violências; e a dos costumes, sobre as bases cristãs.

A meu ver, é precisamente isso que o Integralismo tem como objetivo.

16 – O argumento principal contra o fascismo era, na França, este: Estado totalitário, praticando a economia dirigida, tutelando as atividades individuais.

Digamos, de passagem, que a animosidade contra o fascismo, se não desapareceu de todo, está muitíssimo atenuada na França, depois que o mesmo aí se tornou mais conhecido.

Segundo Jean Guiraud, um dos principais redatores da “Croix”, de Paris, a essência do governo totalitário é a identificação do Estado com um partido político ou social, sendo dessa natureza o regimen na França.

Efetivamente, é o que se tem visto nos Estados liberais, é o que se tem visto no Brasil. O Estado resolveu-se no partido vencedor (e vencedor por que processos!); e esse partido absorve tudo, dominando até nas consciências. O Estado Integralista só é totalitário no sentido de ser a expressão dos interesses legítimos de todas as classes e profissões, de ser a resultante de todas as forças vivas da nação. O Estado Integralista não é totalitário no sentido em que, com tanta mágoa, vê Jean Guiraud praticar-se o apregoado regimen liberal democrata, na França. No Estado Integralista, não há partidos; portanto, não existe o perigo de apossar-se do governo, pela força, pela astúcia ou pela corrupção, um partido para oprimir os outros, para destruir a obra, às vezes grande e nobre do partido que o precedeu no poder, para perseguir quem quer que a ele não se submeta.

No Estado Integralista, o poder não é o instrumento de um partido, mas o centro vital do organismo corporativo, não superior a este, pois é parte integrante do mesmo, por ele se exercendo e efetivando, assim como, pelo corpo humano, em união substancial, a alma se exerce a efetiva. Servindo-me das expressões escolásticas, poderei dizer que, no Integralismo, o Estado é a forma e o organismo corporativo a matéria, em união substancial.

17 – No Estado Integralista, a economia não é deixada aos azares da livre concorrência, como no liberalismo nefasto, nem dirigida e tutelada, como no comunismo (mais nefasto ainda); é, porém, uma economia ordenada, capaz de impedir os excessos que hoje vemos.

Totalitarismo, extremismo da direita e outras designações, que se tem empregado para o Integralismo, são inadequadas e injustas, visando apenas torná-lo suspeito.

18 – Dizer que o totalitarismo, seja qual for, contraria a ideologia cristã, não é exato. É preciso distinguir. Quem não distingue, confunde.

Foi essa distinção, que fizemos, colocando a questão nos seus devidos termos.

Não me parece, em conclusão, que o Integralismo algo encerre em contrário à doutrina da Igreja, e que o católico não possa, em consciência, a ele aderir.

Lembrei, por fim, as palavras proféticas de um grande católico social francês, La Tour Du Pin: “A revolução histórica, que fez passar a direção do mestre ao patrão e deste ao capitalista, acabará por passá-la à corporação adaptada aos novos tempos”. Esse sucessor será o Integralismo.


(in Panorama, ano I, nº 12, 1937)


Wednesday, August 29, 2007

Heraldo Barbuy e "O Beco da Cachaça"


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


As novas gerações infelizmente não conhecem esse brilhante professor, pensador, filósofo, sociólogo, historiador, jornalista, tradutor, conferencista e orador que foi Heraldo Barbuy.
Nasceu em São Paulo, no ano de 1913, filho de Hermógenes Barbuy e de Maria Chinaglia Barbuy, aquele que, como observou Gilberto de Mello Kujawsky, foi sempre fiel ao nome, que significa arauto, posto que jamais “deixou de ser o portador da palavra, e do poder espiritual da palavra. Não da palavra oca e sonora, e sim da palavra repassada de pensamento e sentido, ‘logos’”[1]. O autor de “Fernando Pessoa, o outro” – que se considera devedor de Barbuy pela revelação que fez, a ele e a tantos outros, “da vida como missão de grandeza, da cultura como criadora de sentido, da história como fonte da realidade, da poesia e da mística como iniciação ao êxtase”[2] – evocou o “assombroso poder verbal” com que Heraldo Barbuy “familiarizava imediatamente os ouvintes com os temas que focalizava na sala de aula, no salão de conferências, no rádio (onde apareceu amiúde durante algum tempo), na televisão (onde apareceu algumas vezes com enorme sucesso), ou na simples conversa entre amigos”[3].
Heraldo Barbuy foi – no dizer de Paulo Bomfim, o inspirado poeta da Terra Bandeirante – um “cruzeiro estelar” que “guiou a todos através do mar tenebroso destes dias”. A seu lado, o autor de “Armorial” e muitos outros contornaram o “Cabo das Tormentas” e rumaram “para as Índias secretas do pensamento e da beleza”. Barbuy, “último cruzado num mundo onde os homens se mecanizam e as máquinas se espiritualizam”, conduzido, como lembra o autor de “Antônio triste”, pelas “paixões e por sua vontade de acertar, caminhou da trapa ao ceticismo, do ceticismo a São Tomás, de Santo Tomás a Heidegger”[4].
Barbuy – aquele “homem da ‘Floresta Negra’, ser cósmico” que rumou "para a morte lendo Novalis, Hoelderlin e Rilke, ouvindo Beethoven, Wagner, Richard Strauss e Carl Orff”, ainda no dizer do poeta de “Transfiguração”[5] – escreveu ensaios filosóficos fundamentais como “O problema do ser” (1950) e “Marxismo e Religião” (1963). Nesta última obra, demonstrou o Mestre que o marxismo constitui, antes e acima de tudo, uma heresia do Cristianismo, sendo a concepção marxista do Homem não mais do que “a degenerescência da concepção cristã do Homem”[6].
Aquela “personalidade marcante de fulgurante inteligência e de soberbas virtudes humanas”, no dizer do pensador humanista Jessy Santos, aquele que foi, ainda segundo Jessy, um “católico fervoroso”, “um homem religioso no sentido mais autêntico do termo” e “um pai de família extremado em zelos”[7], proferiu dezenas de magníficas conferências e foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Filosofia, colaborando na “Revista Brasileira de Filosofia”, de cujo conselho de redação foi membro. Colaborou também na revista e no jornal “Reconquista”, periódicos tradicionalistas dirigidos respectivamente por José Pedro Galvão de Sousa e Clovis Lema Garcia, em revistas como “Clima”, “Diálogo”, “Convivium” e “Problemas Brasileiros” e em jornais como “Correio Paulistano”, “O Estado de S. Paulo”, “Folha da Manhã” e “A Gazeta”.
A obra de Heraldo Barbuy, como lembrou o Prof. José Pedro Galvão de Sousa – o maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de Plínio Salgado, na abalizada opinião de Francisco Elías de Tejada y Spínola[8] – “ficou muito longe de esgotar o tesouro das reflexões que ao longo dos anos ele foi acumulando sobre os grandes problemas da existência e do destino do homem”, sendo que “os que tiveram a ventura de conhecê-lo de perto e de privar de seu convívio bem sabem quanto o conteúdo do seu riquíssimo mundo interior ultrapassou a dimensão dos escritos legados por ele à posteridade”[9]. O mesmo foi observado pelo saudoso e inolvidável Prof. Miguel Reale, na ocasião em que estive em sua casa.
Como professor, Heraldo Barbuy lecionou nos colégios Bandeirantes, Pan-americano e Rio Branco, na Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo e na Fundação Armando Álvares Penteado. No Colégio Rio Branco, foi professor de Gilberto de Mello Kujawsky, de Paulo Bomfim, Antônio Ermírio de Moraes e de outras ilustres personalidades, incluindo a pessoa com quem se casou, a filósofa e professora universitária Belkiss Silveira Barbuy, autora de “Nietzsche e o Cristianismo”.
Dentre os amigos de Barbuy que freqüentavam sua casa na Rua Groenlândia, destaco o magno filósofo Vicente Ferreira da Silva, maior intérprete de Heidegger no Brasil, sua esposa Dora Ferreira da Silva, poetisa e tradutora de Hölderlin, Rilke e Jung, a irmã desta, Diva de Toledo Piza, espírito profundo, amiga e tradutora de Julián Marías, Mílton Vargas, engenheiro, filósofo e tradutor de grandes poetas de língua inglesa, o filósofo helenista e germanista português Eudoro de Sousa, o pensador e poeta Mário Chamie, o filósofo e teólogo Adolpho Crippa, admirador de Vicente Ferreira da Silva e fundador da revista “Convivium”, os já citados José Pedro Galvão de Sousa, Paulo Bomfim, Gilberto de Mello Kujawsky e Jessy Santos, o romanista Alexandre Augusto de Castro Correa, o filósofo hegeliano Renato Cirell Czerna e tantos outros não menos ilustres.
A primeira obra escrita por Heraldo Barbuy foi o romance “O Beco da Cachaça”, publicado em 1936, quando o autor tinha apenas vinte e três anos de idade.
“O Beco da Cachaça” é – como foi observado por Zélia Ladeira Veras de Almeida Cardoso – “uma obra saudosista”, que mescla “um tom romântico de influência hugoana a vago sabor decadentista, próprio dos textos do início do século”[10].
É em razão de seu tom romântico, influenciado sobretudo por Victor Hugo, que “O Beco da Cachaça” constitui – como notou Maria Lúcia Silveira Rangel – “um livro singular”, muito diverso dos livros de seu tempo, tempo dos escritores “da Semana de 1922 e dos autores regionalistas da década de trinta”[11].
Heraldo Barbuy descreve, em “O Beco da Cachaça” – “preito de um triste a todos os tristes, que na partilha dos bens da Vida, de seu tiveram apenas a derrota e o desespero” – aquela provinciana São Paulo, “triste e encolhida à beira de um riacho sem ondas, embalada à meia luz de lampiões fumegantes, pela viola dos seus trovadores, sacudida à meia noite pelo canto dos seus escravos, oculta sob a grossura de suas baetas, envolta sob o manto da sua neblina eterna, ajoelhada no silêncio das suas igrejas, encantada pela alegria ingênua dos seus domingos festivos, meditativa e grave na sombria austeridade de todos os seus dias”[12].
Em seu “romance de costumes paulistas” do século XIX, Heraldo, “num belo estilo romântico de ressonâncias hugoanas” – como lembrou Belkiss Silveira Barbuy – “narra as vidas interligadas de um velho filósofo e de um jovem e atormentado monge, ambos projeções de sua personalidade básica”[13].
O velho filósofo é Cintra, homem de extraordinária cultura, “a Enciclopédia, a Sabedoria, o dicionário, o orador do beco da Cachaça, o chefe do clube dos Sete”, grupo famoso que se dizia representante dos sete pecados capitais e se arvorava em “Associação Secreta dos Amigos dos Escravos” num tempo em que ainda faltava muito para a Lei Áurea[14].
E o jovem monge, Frei Amaro, - o corcunda, nascido Jacques Godart de Luciis em Paris, filho do gentil-homem italiano Rolando de Luciis e da bela parisiense Brunhilde Louise Godart, filha de “pacatos e ricos burgueses” – é aquele que ao mesmo tempo ama e odeia a formosa Ara, a “menina do livrinho de missa”, filha do poderoso Conde de Alvyllar, assassino de sua mãe.
Frei Amaro, que deveria celebrar o casamento da jovem Ara, a fere mortalmente com um punhal, e no instante seguinte cai também, fulminado pela dor e pelo arrependimento, tendo olhado para a imagem do Cristo que parecia se despregar da cruz e acusar: “Eu fui vestido com a túnica dos loucos e entretanto perdoei! Tu foste vestido com a minha túnica e entretanto te vingas!”[15]
O Beco da Cachaça, em parte um trecho da atual Rua da Quitanda, era, ao tempo descrito por Barbuy, “viela estreita e comunicação escusa da rua do Comércio para a rua da Imperatriz, ao sul do Chafariz do Tebas, ao norte do beco do Inferno, seu irmão mais calmo”. O Beco da Cachaça, “tresudando vinho e fumaça por todos os interstícios desempenhava a função social de indispor entre si as taberneiras e ser, nas suas noites serenas, o teatro das disputas líricas, das dissenções políticas, de todas as lutas permanentes dessa mocidade estudantina cheia de Voltaire e Diderot; dessa mocidade que foi companheira de Castro Alves e Álvares de Azevedo”[16].
Ao esgotar-se a primeira edição de seu dramático e bem escrito romance, Barbuy não permitiu sua reedição, considerando aquela obra – como lembrou Raimundo de Menezes[17] – nada mais do que uma manifestação de extemporâneo lirismo. Mas penso, como Zélia Cardoso, que foi esta, sem sombra de dúvida, “uma auto-crítica rigorosa demais, pois que ‘O Beco da Cachaça’ tem, evidentemente, seu mérito”[18].


[1]Gilberto de Mello Kujawsky, “Heraldo Barbuy e sua maestria cultural”, in Heraldo Barbuy, “O problema do ser e outros ensaios”, São Paulo, Convívio/Ed. da Universidade de São Paulo, 1984, p. XIII.
[2]Idem, “Heraldo Barbuy”, artigo publicado no “Jornal da Tarde” a 19 de janeiro de 1979.
[3]Idem, “Heraldo Barbuy e sua maestria cultural”, op. cit., p. XII.
[4]Paulo Bomfim, “Heraldo Barbuy”, artigo publicado no “Diário de São Paulo” a 21 de janeiro de 1979 e transcrito em sua obra “Aquele menino” (São Paulo, Editora Green Forest do Brasil, 2000), às pp. 184 e 185.
[5]Idem.
[6]Heraldo Barbuy, “Marxismo e Religião”, 2ª ed., São Paulo, Convívio, 1977, p. 13.
[7]Jessy Santos, “Heraldo Barbuy”, in “Revista Brasileira de Filosofia”, vol. XXX, fasc. 113, janeiro-fevereiro-março de 1979, p. 3.
[8]Francisco Elías de Tejada, “Plínio Salgado na Tradição do Brasil”, in “Plínio Salgado – ‘In Memoriam’”, vol. II, São Paulo, Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1985/1986, p. 70.
[9]José Pedro Galvão de Sousa, “Senso comum e senso de mistério”, in “Coleção Tema Atual”, Presença, p. 3. O mesmo texto – um dos mais belos escritos sobre o Prof. Heraldo Barbuy - pode também ser encontrado na “Revista Brasileira de Filosofia”, vol. XXX, fasc. 116, pp. 375 a 396 e em separata da mesma revista.
[10]Zélia Cardoso, “O romance paulista no século XX”, São Paulo, Academia Paulista de Letras, 1983, p. 80.
[11]Maria Lúcia Silveira Rangel, “Saga das famílias Galante e Silveira”, ed. da autora, São Paulo, p. 62.
[12]Heraldo Barbuy, “O Beco da Cachaça”, São Paulo, Empresa Editora J. Fagundes, 1936, p. 13.
[13]Belkiss Silveira Barbuy, “Heraldo Barbuy – uma apresentação”, in “Revista Brasileira de Filosofia”, vol. XXX, fasc. 139, julho-agosto-setembro de 1985, p. 293.
[14]Heraldo Barbuy, op. cit., p. 21.
[15]Idem, p. 275.
[16]Idem, pp. 17 e 18.
[17]Raimundo de Menezes, “Dicionário Literário Brasileiro”, 2ª ed., Rio de Janeiro, LTC, 1978, p. 90.
[18]Zélia Cardoso, op. cit., p. 80.

Wednesday, August 01, 2007

Gerardo, o Integralismo e a mediocridade do preconceito ideológico


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Nem bem Gerardo Mello Mourão – o genial poeta da trilogia “Os peãs” e de “Invenção do mar” e igualmente genial romancista de “O valete de espadas” e ensaísta de “A invenção do saber” – deixava este Mundo, na esperança da ressurreição, e jornalistas medíocres já escreviam artigos de uma total parcialidade, na tentativa de denegrir seu nome.
Gerardo é um dos mais conhecidos e respeitados autores brasileiros no exterior, havendo sido indicado ao Prêmio Nobel em 1979 e sido admirado por poetas da envergadura de um Octavio Paz, um Pablo Neruda, um Efrain Tomás Bó, um Michel Deguy e mesmo de um Ezra Pound, para quem o “poeta do País dos Mourões” teria escrito, no seu “poema espantoso”, tudo o que ele, o “Pã de Idaho”[1], teria tentado, debalde, escrever: a “epopéia da América”.
No Brasil, a despeito do ignominioso silêncio de muitos escravos do preconceito ideológico – pessoas do mesmo naipe de Luiz Weis, de Alberto Dines e de todos os demais intelectuais de terceira categoria que repetem as mesmas inverdades caluniosas contra o grande poeta cearense e o Integralismo, movimento que conhecem somente pelo que dele escreveram seus inimigos – Gerardo teve seu valor reconhecido por escritores e críticos literários do porte de Octavio de Faria, José Cândido de Carvalho, Carlos Drummond de Andrade, Wilson Martins e Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima).
Logo no princípio de seu tendencioso artigo intitulado “O poeta, o espião e os ‘traços de direita’”[2], Luiz Weis se refere a Plínio Salgado como o “arremedo de Fuhrer” [sic]. Ora, será que ele não sabe que Plínio Salgado - um de nossos maiores pensadores e escritores, autor de obras como “O estrangeiro”, romance social tão elogiado por literatos e críticos literários do quilate de Monteiro Lobato, Cassiano Ricardo, Andrade Muricy, Afrânio Peixoto, Menotti Del Picchia, Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, José Américo de Almeida, Jackson de Figueiredo, Agripino Grieco, Tristão de Athayde e Wilson Martins, dentre outros, e a mundialmente reconhecida “Vida de Jesus” que Pe. Leonel Franca bem chamou a “jóia de uma literatura” – foi pioneiro na condenação ao nazismo, como bem lembrou o próprio Gerardo em seu monumental artigo “Quem tem medo de Plínio Salgado?”[3], tendo sido o autor da “Carta de Natal e Fim de Ano”, de 1935, e de inúmeros artigos contrários ao nazismo e ao racismo.
Falando em racismo, é importante lembrar que a Ação Integralista Brasileira contou com milhares de negros em suas fileiras, inclusive em posições de liderança. Dentre estes inúmeros Integralistas negros, podemos citar figuras como João Cândido, Abdias do Nascimento (aliás grande amigo de Gerardo), Guerreiro Ramos, Sebastião Rodrigues Alves e Ironides Rodrigues. O Integralismo contou ainda com a admiração e o apoio do vigoroso poeta e pensador tradicionalista Arlindo Veiga dos Santos, fundador e líder da Frente Negra Brasileira e da Ação Imperial Patrianovista.
Muitos judeus também pertenceram ao Movimento do Sigma. Dentre estes, destaco Roberto Simonsen, Adam Steinberg e Aben-Atar Neto, este último fundador do Centro Oswaldo Spengler, Chefe do Departamento Universitário e mais tarde Secretário Provincial de Propaganda do Integralismo no Rio de Janeiro, além de amigo de Gerardo, que muito o admirava.
Enganam-se aqueles que – como Weis – afirmam ser o Integralismo mera cópia do fascismo italiano, uma vez que o Integralismo, diversamente do movimento do “Fascio”, se inspira sobretudo nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja e no pensamento de autores como Jackson de Figueiredo, Farias Brito, Alberto Torres, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Oliveira Lima, Pandiá Calógeras e Tavares Bastos, e, ao contrário da ala do fascismo que acabou prevalecendo – a de Benito Mussolini e Alfredo Rocco – condena o cesarismo e o Estado Totalitário de inspiração hegeliana, aos quais opõe, respectivamente, a Democracia Integral e o Estado Integral.
Concordo com Weis em ao menos um aspecto: o necrológio do poeta ipueirense publicado na “Folha de S. Paulo” poderia falar mais a respeito do Integralismo.
Com Alberto Dines – que saiu em defesa do colega em um artigo tão tendencioso quanto o seu, no que toca o Integralismo, intitulado “’Traços de direita’ e evidências de tribalismo”[3] - concordo não apenas a respeito do necrológio, como também no que tange à genialidade poética de Mello Mourão, ao fato de o Integralismo ter deixado profundas marcas nas elites civil e militar do País – marcas que considero positivas e só perigosas aos inimigos da Pátria – e ao fato de outros jornais terem dado destaque aquém do devido à obra literária de Gerardo em seus necrológios, em razão de haver sido ele funcionário da “Folha”.
O necrológio de Gerardo poderia falar da relevância que teve o Integralismo, considerado o primeiro movimento cívico-político de amplitude nacional e, ainda, o primeiro “movimento de massas” do País, contando – de acordo com o “Monitor Integralista” de 07 de outubro de 1937 – com 1.352.000 inscritos, distribuídos em 3.600 núcleos.
Poderia, ainda, o necrológio do gênio de Ipueiras publicado pelo jornal de que foi correspondente na distante e misteriosa China, falar da importância, no plano intelectual, dos Integralistas e do Integralismo, movimento a que Gerardo se referiu, recentemente, como o “mais fascinante grupo da inteligência do País”.
A “Folha de S. Paulo” poderia ter citado ao menos alguns dos cerca de mil intelectuais de relevo que vestiram a camisa-verde, como Miguel Reale, Gustavo Barroso, San Tiago Dantas, Olbiano de Mello, Madeira de Freitas, Adonias Filho, Câmara Cascudo, Goffredo e Ignacio da Silva Telles, Ribeiro Couto, Herbert Parentes Fortes, Alfredo Buzaid, Hélio Vianna, Antônio Gallotti, Américo Jacobina Lacombe, Thiers Martins Moreira, Rosalina Coelho Lisboa, Rubem Nogueira, Pe. Hélder Câmara, Ernani Silva Bruno, Rui de Arruda Camargo, Mario Graciotti, Roland e Margarida Corbisier, Mazzei Gumarães, Leães Sobrinho, Ítalo Galli, Jorge Lacerda, Anor Butler Maciel, Damiano Gullo, Wolfram Metzler, Amaro Lanari, Jayme Regalo Pereira, Mansueto Bernardi, Lauro Escorel, Lopes Casali, Francisco de Almeida Prado, Antônio Toledo Piza, Euro Brandão, Ubirajara Índio do Ceará, Raymundo Padilha, José Loureiro Júnior, Raimundo Barbosa Lima, Belisário Penna, João Carlos Fairbanks, Alcibíades Delamare, José Lins do Rego, Jayme Ferreira da Silva, Lúcio José dos Santos, Alberto Cotrim Neto, Adib Casseb, Félix Contreiras Rodrigues, Vicente do Rego Monteiro, Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Moraes, Paulo Fleming, Francisco Karam, Mayrink e Dantas Mota, este último considerado por Carlos Drummond de Andrade como o maior poeta de Minas, além, é claro, de Plínio Salgado e de Gerardo, que o mesmo Drummond considerava o maior poeta do Brasil.
Além dos cerca de mil intelectuais de projeção que fizeram parte da Ação Integralista Brasileira, temos ainda outros, pertencentes à segunda geração dos que atenderam ao chamado de Plínio Salgado, tais como Hélio Rocha, Gumercindo Rocha Dorea, Augusta Garcia Rocha Dorea, Genésio Pereira Filho, Ronaldo Moreira, Silveira Neto, Dídimo Paiva, Antônio Pires, Acacio Vaz de Lima Filho e José Baptista de Carvalho, sem falar no Senador Marco Maciel, que fez parte do chamado movimento Águia Branca e também escreveu o belíssimo prefácio à 22ª edição da “Vida de Jesus” de Plínio Salgado.
Weis, em seu artigo já citado, chama de infame Gustavo Barroso, um de nossos mais notáveis escritores, contistas, cronistas, ensaístas, folcloristas, historiadores e jornalistas. Chama de infame o autor de “Terra de Sol”, o fundador do Museu Histórico Nacional, o idealizador do Regimento dos Dragões da Independência, o Imortal que presidiu por mais uma vez a Academia Brasileira de Letras, o homem que Câmara Cascudo considerava o “Mestre incontestável do folclore brasileiro”...
Weis afirma que era nazista o autor de “Brasil – colônia de banqueiros”, o mais corajoso libelo jamais lançado neste País contra o capitalismo explorador, inimigo figadal de nossa Pátria e de nosso Povo. Ora, como pode ser nazista alguém que nunca deixou de sublinhar as diferenças existentes entre a Doutrina do Sigma e a da Cruz Gamada, defendendo, inclusive, que o nacional-socialismo poderia evoluir para o Integralismo, desde que se livrasse das idéias racistas e da concepção totalitária de Estado?
Weis acusa Olympio Mourão Filho e a Ação Integralista Brasileira de estarem por trás da farsa do “Plano Cohen”, que serviu de pretexto à implantação do Estado Novo. Na verdade – como ficou provado diante do Conselho de Justificação do Exército – Mourão Filho não teve culpa alguma da divulgação do conteúdo do documento por ele escrito pelo General Góis Monteiro, que dele se apoderara sem o conhecimento do futuro “general do pijama vermelho”. E o documento em questão – que tinha a finalidade de servir para o estudo de métodos revolucionários, era inspirado sobretudo em uma matéria de uma revista espanhola e fora rejeitado por Plínio Salgado, que o considerara por demais fantasioso – levava a assinatura de Cohen em razão de Bela Khun, o tristemente famoso tirano vermelho de Budapeste, uma vez que, segundo Gustavo Barroso, Khun seria uma corruptela de Cohen[5].
Dines – no artigo em apoio a Weis a que anteriormente me referi – fala dos Integralistas que teriam sido espiões a serviço da Alemanha de Hitler, mas, curiosamente, não faz referência alguma aos vários marinheiros Integralistas que afundaram nos navios brasileiros torpedeados pelos submarinos alemães e aos igualmente numerosos soldados Integralistas que tombaram nos campos e colinas da Itália.
O fecundo editor, escritor e jornalista Gumercindo Rocha Dorea – amigo e companheiro de ideais de Gerardo Mello Mourão, de quem publicou a maior parte dos livros – no último parágrafo da significativa orelha da 2ª edição de “O Brasil na lenda e na cartografia antiga”, de Gustavo Barroso, observa que:
“Como diz Nelson Pereira dos Santos, a propósito do autor de ‘Uma cultura ameaçada: a luso-brasileira’ (Gilberto Freyre), e que aqui estendemos aos citados acima [Vicente do Rego Monteiro, Madeira de Freitas, Belisário Penna, Câmara Cascudo e Gustavo Barroso], os seus desafetos vão – ou já foram – ‘parar no esgoto da história’, enquanto eles continuam atuais...”
Havendo me estendido além do que me cabia, dou por concluído este tão singelo artigo, na absoluta certeza de que Gerardo será sempre lembrado como um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e como um dos mais brilhantes romancistas e ensaístas do Brasil, enquanto seus detratores, esses escravos do preconceito ideológico, sairão da vida para entrar no “esgoto da história”, ou – para empregar a expressão de Lênin – na “lata de lixo da história”.



NOTAS

[1] A expressão “Pã de Idaho” é de Gerardo Mello Mourão.
[2] O referido artigo foi publicado no “blog” “Verbo Solto”.
[3] O artigo em questão foi publicado na “Folha de S. Paulo” a 03/05/1995.
[4] O texto de Dines está disponível em seu “blog”, o “Circo da Notícia”.
[5] A respeito do “Plano Cohen”, recomendo a leitura de “O homem e o muro”, de Rubem Nogueira, “A ameaça vermelha – o Plano Cohen”, de Hélio Silva, “Memórias – a verdade de um revolucionário”, de Olympio Mourão Filho, e de “História das revoluções brasileiras”, de Glauco Carneiro.

Thursday, March 29, 2007

A verdade sobre a Monarquia



A verdade sobre a Monarquia
Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Os nossos manuais de História, ou melhor, de ESTÓRIA – os mesmos que pintam os próceres e fundadores da nacionalidade e os grandes vultos da História Pátria como verdadeiros “monstros” ou então “bufões” e que, à luz dos ensinamentos de Marx, reduzem toda a epopéia de nossos maiores, de nossos antepassados, a uma questão de interesses estritamente econômicos – costumam colocar o golpe de Estado que derrubou a Monarquia naquele fatídico 15 de novembro de 1889 como um fato que apenas teria apressado o inexorável ocaso de um Império que – segundo eles – era anacrônico e condenava o Brasil ao atraso.
Não é preciso pesquisar muito, entretanto, para se chegar à conclusão de que nosso Império nada tinha de anacrônico, que, longe de representar um obstáculo ao desenvolvimento nacional, constituía a Coroa uma espécie de alavanca que, conciliando Tradição e Progresso, impulsionava a evolução econômica e social do País, e que o período monárquico, ao contrário do republicano, foi caracterizado sobretudo pela Ordem e pelo Progresso.
O Império não foi perfeito, como bem observou Paulo Napoleão Nogueira da Silva, na introdução de sua obra “Monarquia: verdades e mentiras”, publicada pelas Edições GRD em 1994, já que nenhum regime é perfeito, “porque em todos está presente o elemento ‘erro’, a falibilidade que é própria dos seres humanos”.
A maior parte dos não poucos erros e falhas do Império, tanto no plano religioso como no político-social, decorre da influência nefasta das idéias liberais surgidas na Europa dos séculos XVII e, sobretudo, XVIII.
Todos esses erros e falhas, porém, nem sequer de longe se comparam a todos os erros e falhas da República, regime em que não há – como assinalou Nogueira da Silva – correspondência natural entre a estrutura do Estado e a “realidade antropológica, sociológica, cultural e histórica” da Sociedade. E é a carência de tal correspondência, como igualmente ressaltou o jurista, “que faz com que a República nos mantenha permanentemente marcando passo, ficando para trás em relação a países menos dotados -, sobretudo, ficando distanciados das nossas naturais perspectivas nacionais”.
De modo que a restauração da Monarquia, ainda que seja – como foi durante o Império – influenciada em certa medida por idéias liberais, será o melhor meio de reconduzir o Brasil a seu destino histórico e de construir a Sociedade efetivamente justa, harmônica, fraterna e humana e a Pátria verdadeiramente grande, livre, unida, soberana e democrática com que todos sonhamos.
Durante todo o Império este País não teve, como acentuou Nogueira da Silva, sequer “um único dia sob ditadura ou censura à imprensa”, de sorte que não era por acaso que os presidentes argentinos Saens Peña e Bartolomé Mitre se referiam ao Brasil daquele tempo como a “democracia coronada”, a “democracia coroada”; como também não foi por acaso que Thiers, em diferentes discursos perante a Assembléia Nacional Francesa, e William Gladstone, dentre outros, tanto elogiaram o regime monárquico brasileiro.
No dia imediato ao da proclamação da República, ao receber o Cônsul Geral do Brasil na Venezuela, Múcio Teixeira, o Presidente daquele país, Dr. Juan Pablo Rojas Paúl – tendo lhe dito que pedisse a Deus para que sua Pátria, governada por um sábio durante meio século, não fosse a partir de então regida pelo primeiro “tirannello” que o Exército lhe apresentasse – exclamou, sincera e profundamente comovido: "Se ha acabado la única República que existia en América: el Imperio del Brasil!"
Quase ao mesmo tempo, ao receber o embaixador brasileiro em Quito, o Supremo Magistrado da nação equatoriana lhe ofereceu os pêsames, afirmando em seguida que o Brasil acabara de cometer “o erro mais fatal de sua História!”
Em dezembro de 1914, o insuspeitíssimo Senador Rui Barbosa, antigo Conselheiro do Império que se tornara um republicano dos mais ardorosos e destacados, proferiu um memorável discurso ao Senado Federal em que disse:
“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.
Esta foi a obra da República nos últimos anos.
No outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, cuja severidade todos temiam, e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade. Era o Imperador Dom Pedro II.”
Quatro anos mais tarde, Monteiro Lobato, em seu artigo intitulado “D. Pedro II” e publicado na “Revista do Brasil”, salientou que “o fato de existir na cúspide da sociedade um símbolo vivo e ativo da Honestidade, do Equilíbrio, da Moderação, da Honra e do Dever, bastava para inocular no país em formação o vírus das melhores virtudes cívicas”.
Ainda em “D. Pedro II”, observou o autor de “Urupês” e de “Cidades mortas” que “mais um século de luz acesa, mais um século de catálise imperial e o processo cristalizatório se operaria por completo. O animal, domesticado de vez, dispensaria açamo. Consolidar-se-iam os costumes; enfibrar-se-ia o caráter. E do mau material humano com que nos formamos sairia, pela criação duma segunda natureza, um povo capaz de ombrear-se com os mais apurados em cultura”, sendo que, “para esta obra moderadora, organizadora, cristalizadora, ninguém” - segundo o grande escritor e patriota valparaibano - era “mais capaz do que Pedro II”, não havendo “nenhuma forma de governo melhor do que sua monarquia”.
Em julho de 1930, Plínio Salgado – então Deputado Estadual por São Paulo e já um renomado e consagrado escritor e jornalista, tendo publicado, em 1926, a obra “O estrangeiro”, primeiro e maior romance social em prosa modernista de nossa Literatura e havendo depois fundado, ao lado de outros vultos do Modernismo, os movimentos literários conhecidos como Revolução da Anta e Verde-amarelismo – assim afirmou, em sua carta ao Dr. Manoel Pinto, escrita de Milão: “O Império legou à República um país unido, homogêneo, vibrando pelo mesmo coração; a República, com mais vinte ou trinta anos, terá completado sua obra de dissociação”.
Observações parecidas estão presentes em muitos dos artigos que o autor de “Psicologia da Revolução” e de “Vida de Jesus” escreveu em sua célebre “Nota Política” no jornal “A Razão”, de que era o redator principal, tendo como companheiros de redação jovens intelectuais como San Tiago Dantas, Mario Graciotti, Alpínolo Lopes Casali, Nuto Sant’Anna, Silveira Peixoto, Nóbrega de Siqueira, Marques Rabelo, Leopoldo Sant’Anna e Gabriel Vendoni de Barros. Em meu artigo intitulado “O negro e o Integralismo”, lembrei a importância deste matutino cujo proprietário era o Dr. Alfredo Egídio de Souza Aranha e que “revolucionou a imprensa da Capital Bandeirante e mesmo do Brasil e acabaria empastelado nos distúrbios de 23 de maio de 1932”.
Em fins da década de 1920, surgira em São Paulo o movimento patrianovista, que – inspirado sobretudo nos ensinamentos da Doutrina Social da Igreja e no pensamento de mestres tradicionalistas d’aquém e d’além mar, tais como o sergipano Jackson de Figueiredo, fundador do Centro D. Vital, e o alentejano António Sardinha, principal doutrinador do movimento tradicionalista, patriótico e monárquico conhecido como Integralismo Lusitano – pregava a instauração, no Brasil, de um regime monárquico tradicional como aquele que vigorara nos áureos tempos do Império Lusitano e em que o Estado organizar-se-ia à base da autonomia dos Municípios e das agremiações profissionais, bem como a recatolização de nossa Sociedade, defendendo a Ordem e a Justiça Social.
Reunindo diversos intelectuais como Ataliba Nogueira, Sebastião Pagano e Antônio Paim Vieira, o Patrianovismo tinha como principal líder o pensador, poeta, jornalista, escritor e homem de ação Arlindo Veiga dos Santos, que fundou e dirigiu também a Frente Negra Brasileira.
Àqueles que desejarem saber mais a respeito do Patrianovismo, recomendo a leitura do excelente verbete dedicado a este movimento por José Pedro Galvão de Sousa, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho em seu “Dicionário de Política” – de longe o melhor de quantos tenho lido -, assim como da obra “Império e Missão”, da historiadora Teresa Malatian.
Vejamos, agora, algumas das informações que o Dr. Paulo Napoleão Nogueira da Silva colheu em diferentes fontes, todas elas absolutamente insuspeitas, e transcreveu em sua obra já aqui citada.
Na edição de “O Estado de São Paulo” de 14 de setembro de 1991, encontra-se a informação de que nos cento e um anos decorridos desde a proclamação da República até aquela data, os preços mundiais elevaram-se em vinte e três vezes, ao passo que no Brasil elevaram-se em nada menos do que trinta e dois trilhões de vezes!
Segundo a revista “Finanças Públicas”, editada pelo Ministério da Fazenda, em seu volume 213 (maio/junho de 1960), no Império, entre 1840 e 1889, o menor salário do País era de 25.000 réis, o que equivalia a 22,5 gramas de ouro. Com a República, de acordo com Nogueira da Silva, só cento e três anos mais tarde, em julho de 1993, os trabalhadores conseguiram obter um salário mínimo de CR$ 5.600,00, o que correspondia a apenas 06 gramas de ouro!
Da mesma fonte provém a informação de que o maior salário do Brasil Imperial, o de Senador, foi de 300.000 réis; isto é, somente doze vezes maior do que o menor salário. Em princípios da década de 1990, quando Nogueira da Silva escreveu seu ensaio, o salário de Senador da República correspondia a duzentas e quarenta vezes o salário mínimo!
É ainda a mesma fonte que afirma que, entre 1840 e 1889, o Brasil teve inflação de 1,58%. Neste mesmo período, a inflação da França, do Reino Unido, dos Estados Unidos e da Alemanha oscilava entre 1,6% e 04%. Nos cento e três anos que separam a imposição da República e o trabalho de Nogueira da Silva, o acúmulo de inflação chegou a cerca de dez trilhões por cento!
A “Gazeta Mercantil” informa que, no Império, tinha o Brasil a segunda maior frota mercante do Planeta, da mesma forma que o Ministério da Marinha informa que, naquele período de nossa História, tínhamos a segunda maior esquadra naval do Mundo. Hoje, em 2007, todos sabem o quão longe estamos disto...
Provém, por fim, do Ministério dos Transportes a informação de que, durante o II Império (1840-1889), construiu o nosso Brasil cerca de 10.000 quilômetros de ferrovias. A República, em suas primeiras décadas, ampliou até bastante o número de quilômetros de estradas de ferro, mas depois desativou praticamente todas as nossas linhas férreas.
Um dos grandes desacertos da República foi o de acabar com o Poder Moderador. Com a extinção deste poder que sustenta, como nenhum outro, o imprescindível equilíbrio entre Autoridade e Liberdade, sem o qual não pode haver uma verdadeira e efetiva Democracia, extinguiram-se, ainda, - como frisou João de Scantimburgo em seu artigo intitulado “Suma de Filosofia do Poder Moderador” e publicado no n° 85 da “Revista Brasileira de Filosofia” (janeiro/fevereiro/março de 1972) – “ e por via de conseqüência, na estrutura das instituições políticas brasileiras, o conselho de Estado, o conselho de ministros, o Senado vitalício e teve início a debandada da classe dirigente, cuja evolução se processou, através do tempo, em torno do cetro imperial.” Segundo o eminente pensador, escritor, jornalista e Imortal, “não atinaram os republicanos do século XIX, nutridos de inspiração alienígena e de doutrina estrangeira, que abriam um vácuo cujo preenchimento se tem feito, durante toda a história posterior do Brasil, por meios aleatórios e, no exato rigor da palavra, por sucedâneos, aos quais falta a consistência das instituições solidamente edificadas no espaço e no tempo”.
Nenhum mal foi pior, todavia, do que aquele que Rui Barbosa chamou, no final de sua vida, de “o mal grandíssimo e irremediável das instituições republicanas”, que consiste, segundo a “Águia de Haia”, “em deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado e, desta sorte, o condenar a ser ocupado, em regra, pela mediocridade”.
Tudo o que afirmei até agora, neste artigozinho, pode ser resumido por este pequeno trecho do já mencionado artigo de Monteiro Lobato:
“De Norte a Sul o povo lamuria a sua desgraça e chora envergonhado o que perdeu. Tinha um rei, tem sátrapas. Tinha dinheiro, tem dívidas. Tinha justiça, tem cambalachos de toga. Tinha Parlamento, tem ante-salas de fâmulos. Tinha o respeito do estrangeiro, tem irrisão e desprezo. Tinha moralidade, tem o impudor deslavado. Tinha soberania, tem cônsules estrangeiros assessorando ministros. Tinha estadistas, tem pêgas. Tinha vontade, tem medo. Tinha leis, tem estado de sítio. Tinha liberdade de imprensa, tem censura. Tinha brio, tem fome. Tinha Pedro II, tem ... não tem! Era. Não é”.
Sabemos que a longa e tenebrosa noite que é a idade materialista logo terá o seu crepúsculo, dando lugar à Aurora da Idade Nova, cujo romper já se anuncia. Esta Idade Nova, que Berdiaeff chamou de “a nova Idade Média”, caracterizar-se-á acima de tudo pelo Primado, pela Primazia do Espírito.
Do mesmo modo que a velha e mofada idade materialista dará lugar à Idade Nova, dos escombros de nossa República oligárquica e plutocrática nascerá, segundo Paulo Napoleão Nogueira da Silva, em seu ensaio tantas vezes aqui citado, uma nova Monarquia, pois “a república tem sido uma noite, de agonias intermináveis. Há noites que parecem se prolongar indefinidamente. Mas, é lei natural, não há noite, por mais longa que seja, que não preceda à Aurora.”
Também não me resta dúvida de que esta República, que de República, aliás, nada tem, “cairá por terra – como previu Antônio Vicente Mendes Maciel, o profeta sertanejo mais conhecido como Antônio Conselheiro – para confusão daquele que concebeu tão horrorosa idéia.” Se será substituída por uma “Democracia Coroada” ou por uma nova República em que os representantes do Povo serão todos homens competentes, íntegros e honestos, só o futuro responderá.
Saibamos, porém, que, caso advenha o III Império, será ele imensamente mais glorioso do que o II, da mesma forma que a “nova Idade Média” será enormemente mais grandiosa do que a antiga.