Thursday, November 20, 2008

Homenagem da Frente Integralista Brasileira ao negro brasileiro de ontem, hoje e amanhã


Neste 20 de novembro, data em que é celebrado o “Dia da Consciência Negra”, a Frente Integralista Brasileira (FIB) presta justa e singela homenagem ao negro brasileiro de ontem, hoje e amanhã, destacando o papel do africano e de seus descendentes na edificação desta Grande Nação do Passado e do Futuro e reiterando, antes e acima de tudo, o nosso repúdio a toda e qualquer forma de racismo.
Lembramos que o “Manifesto de Outubro”, escrito pelo brilhante e consagrado escritor, jornalista e político Plínio Salgado e por este divulgado a 07 de Outubro de 1932, foi não apenas o primeiro manifesto oficialmente integralista do País e o manifesto que marcou o início das atividades independentes da Ação Integralista Brasileira (AIB), até então setor de orientação política da Sociedade de Estudos Políticos (SEP), mas também o primeiro manifesto do Brasil a condenar as estapafúrdias teorias racistas tão em voga entre a nossa burguesia leitora de Gobineau, Vacher de Lapouge, Houston Stewart Chamberlain, Gumplowicz e outros pensadores que defendiam a tese pretensamente científica da superioridade étnica de certos povos europeus, constituindo tal tese claro pretexto a justificar as políticas imperialistas de seus países.
Plínio Salgado, à luz dos ensinamentos do Evangelho e da obra de Alberto Torres, sempre condenou, com efeito, o racismo, proclamando que “o problema do mundo é ético e não étnico” e demonstrando que os países desenvolvidos eram detentores de substanciais reservas de hulha, carvão de pedra vital no processo de industrialização e de construção de ferrovias, sendo esta e não a tão propalada quanto falsa superioridade étnica a fonte de seu poder e de sua prosperidade.
O Integralismo, movimento anti-racista por excelência, reuniu centenas de milhares de brasileiros de todas as etnias, credos e classes sociais, incluindo muitos negros, dentre os quais podemos destacar o “Almirante Negro” João Cândido, herói da denominada Revolta da Chibata, o líder negro, teatrólogo, escritor, ator, artista plástico, professor e ex-Senador Abdias do Nascimento, o militante negro e escritor Sebastião Rodrigues Alves, o sociólogo e político Guerreiro Ramos, o advogado, professor, escritor, jornalista e militante negro Ironides Rodrigues e o advogado, professor de Direito, escritor e membro da Academia Sul-Riograndense de Letras Dario de Bittencourt, aliás o primeiro Chefe Provincial da Ação Integralista Brasileira no Rio Grande do Sul.
Cumpre ressaltar, ademais, que Arlindo Veiga dos Santos – fundador e principal líder da Ação Imperial Patrianovista (AIPB) e da Frente Negra Brasileira (FNB) e um dos mais notáveis astros da constelação de intelectuais negros deste País – proferiu, por ocasião do I Congresso Integralista Brasileiro, realizado em Vitória, ES, em 1934, um discurso em que manifestou seu apoio ao movimento cívico-político fundado por Plínio Salgado, cuja candidatura à Presidência da República, aliás, apoiaria, tanto em 1937 como em 1955.
Por falar na Frente Negra Brasileira, maior e mais importante e sadio movimento negro não apenas da História do Brasil como também de toda a chamada América Latina, devemos lembrar que esta sofreu influência do Integralismo Brasileiro, tanto que seu órgão oficial, o jornal “A Voz da Raça”, chegou a ter por epígrafe o lema “Deus, Pátria, Raça e Família”, nitidamente inspirado no lema integralista “Deus, Pátria e Família”.
Não podemos nos esquecer, ainda, que Plínio Salgado, quando Deputado Federal, expediu, na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, um parecer favorável ao Projeto nº 2.140/70, do Deputado Adalberto Camargo, que propunha a instituição do “Dia da Comunidade Afro-Brasileira” e infelizmente não foi aprovado.
Sejam estas as homenagens da Frente Integralista Brasileira a todos os brasileiros cujos ancestrais vieram da África, quase todos nos navios-negreiros imortalizados por Castro Alves em seu trágico poema, e que tanto contribuíram, contribuem e contribuirão para a formação e o engrandecimento da Nação Brasileira, desta Nação que, cumprindo a profecia de Keyserling, dará ao Mundo uma nova e superior Civilização.

Victor Emanuel Vilela Barbuy, Vice-Presidente e Secretário de Doutrina e Estudos da Frente Integralista Brasileira e 1° Vice-Presidente da Casa de Plínio Salgado.

Friday, October 31, 2008

Setenta e seis anos do "Manifesto de Outubro"


SETENTA E SEIS ANOS DO "MANIFESTO de OUTUBRO"[I]


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy[II]

Há setenta e seis anos, mais precisamente a 07 de outubro de 1932, Plínio Salgado, já então um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, lançou, em São Paulo, o Manifesto por ele redigido em maio e aprovado em junho pela Sociedade de Estudos Políticos (SEP), núcleo de estudos da problemática política e social brasileira criado em fevereiro daquele ano por um grupo de intelectuais capitaneado por Plínio Salgado. Tal Manifesto, por haver sido divulgado no referido mês, entrou para a História como “Manifesto de Outubro”.
O “Manifesto de Outubro” constitui o primeiro manifesto oficialmente integralista do País – a despeito de haver sido, em nosso sentir, o “Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo”, também da lavra de Plínio Salgado e divulgado em 1931, já um manifesto integralista em virtude de seus princípios doutrinários – e sua divulgação marca o surgimento da Ação Integralista Brasileira (AIB). Esta, que durou apenas cinco anos, sendo extinta por Getúlio Vargas no início da ditadura estadonovista, configurou-se como o primeiro partido de âmbito nacional de nossa História republicana e o primeiro “movimento de massas” do Brasil, reunindo centenas de milhares de pessoas de todos os credos, etnias e classes sociais, assim como uma verdadeira legião de intelectuais do mais alto relevo, que, no dizer do insuspeito Pedro Calmon, “lotaria uma Academia em vez de ocupar uma trincheira” e que formou, na expressão de Gerardo Mello Mourão, o “mais fascinante grupo da inteligência do País”.
O primeiro artigo do “Manifesto de Outubro” trata da concepção integral do Universo e do Homem. Nele, Plínio Salgado, sob profunda influência do Cristianismo, da Doutrina Social da Igreja e do pensamento de Farias Brito, afirma, em suma, que “Deus dirige o destino dos povos”; que o Homem, ser dotado de vocação sobrenatural, tem o dever de praticar sobre a Terra “as virtudes que o elevam e aperfeiçoam”; que o Ente Humano vale pelo trabalho e pelo sacrifício em prol da Família, da Pátria e da Sociedade, bem como pelo estudo, inteligência, honestidade e pelo progresso científico, técnico e artístico “tendo por fim o bem estar da Nação e o elevamento moral das pessoas”; que as riquezas são bens meramente passageiros, não engrandecendo a seus detentores, ao menos que estes cumpram os deveres que lhes são impostos em benefício da Pátria e da Sociedade e que os Homens, do mesmo modo que as classes, “podem e devem viver em harmonia”.
No artigo segundo de seu Manifesto, o autor de “O estrangeiro” defende a Democracia Orgânica, ou Democracia Integral, consagrando o princípio democrático da representação política dos trabalhadores conforme suas categorias profissionais, sistema que está totalmente de acordo com a Doutrina da Igreja a partir de Pio IX e principalmente de Leão XIII.
No artigo terceiro, em que se percebe claramente a influência de Jackson de Figueiredo, Plínio proclama a necessidade da restauração do princípio de Autoridade, entendida pelo ilustre pensador e homem de ação patrício como pressuposto da Liberdade autêntica e efetiva.
No artigo quarto do Manifesto, sob influência de Alberto Torres, de Euclides da Cunha e de outros que estudaram a nossa Terra e o nosso Povo, assim como de Olavo Bilac, José de Alencar, Gonçalves Dias, Couto de Magalhães, Castro Alves e outros poetas e prosadores que serviram e exaltaram a Nação Brasileira e os seus filhos, sob o signo do Tradicionalismo tão vivo em Oliveira Lima e Eduardo Prado e do entusiasmo patriótico do Conde de Afonso Celso, Plínio Salgado sustenta um modelo de Nacionalismo sadio, edificador, justo e equilibrado, tendente ao Universalismo, combatendo o cosmopolitismo e a influência estrangeira, bem como os tão nefastos preconceitos étnicos que levaram muitos de nossos compatriotas a amesquinhar os elementos formadores da Nacionalidade, assim como aqueles que nela se estabeleceram posteriormente.
No artigo quinto, Plínio condena antes e acima de tudo o regionalismo excessivo e o exclusivismo da política estadual em detrimento da política nacional, dando combate aos “partidarismos egoístas”, ao caudilhismo e à luta de classes.
Já no artigo sexto, o futuro autor de “Vida de Jesus” e de “Primeiro, Cristo!” condena as conspirações sem objetivos doutrinários, as revoluções carentes de programas, proclamando que o Integralismo é a “Revolução em marcha”, porém a “Revolução com idéias”, sendo, portanto, “franca, leal e corajosa”.
O artigo sétimo, por seu turno, cuida da questão social tal como a considera a Doutrina Integralista, sob notória influência da Doutrina Social da Igreja e das idéias reformadoras de Rui Barbosa e Pandiá Calógeras, aliás inspiradas acima de tudo na Encíclica “Rerum Novarum”, de Leão XIII, e na obra do Cardeal Mercier. Em tal artigo, o autor de “Literatura e Política” condena tanto o liberal-capitalismo quanto o comunismo, que constituem, com efeito, dois lados de uma mesma moeda: o materialismo. Defende, ainda, o Direito Natural de Propriedade, contra o qual atentam a um só tempo o comunismo e o sistema econômico liberal-capitalista, e sustenta as justas reivindicações dos trabalhadores, que deveriam perceber “salários adequados às suas necessidades”, participar dos lucros das empresas “conforme seu esforço e capacidade” e tomar parte nas decisões governamentais.
O artigo oitavo defende a Família, cellula mater da Sociedade e primeiro dos Grupos Naturais, que, do mesmo modo que a Pessoa Humana, precederam o Estado, que tem o dever de respeitar sua intangibilidade.
O artigo nono, por sua vez, defende o Municipalismo, com fundamento sobretudo nos ensinamentos dos constitucionalistas do Primeiro Reinado e nas observações, já no período republicano, de homens como Gama Rodrigues, ao lado de quem Plínio fundara, na década de 1910, o Partido Municipalista, e Domingos Jaguaribe, a quem o autor de “O esperado” considerava, com justa razão, o “patriarca do Municipalismo”. Neste artigo, o fundador da Sociedade de Estudos Políticos sustenta que o Município, cellula mater da Nação, é uma reunião de pessoas livres e de famílias autônomas, devendo ser autônomo em tudo aquilo que diz respeito a seus interesses peculiares.
Por fim, o artigo décimo do “Manifesto de Outubro” constitui – segundo afirmaria Plínio Salgado em “O Integralismo na vida brasileira”, trabalho que consta da “Enciclopédia do Integralismo”, idealizada e organizada na década de 1950 por Gumercindo Rocha Dorea – “a síntese do Estado Cristão, o resumo da democracia orgânica”, nele sendo traçados os lineamentos da expressão do prestígio internacional da Nação Brasileira, e vivendo o espírito de um Alexandre Gusmão e de um Barão do Rio Branco, bem como o sonho de estadistas lusitanos da estirpe de D. João III, do Conde de Bobadela e do tão injustiçado D. João VI; a firmeza de um José Bonifácio na edificação da unidade e da grandeza nacionais e a ação do Imperador D. Pedro II e do Duque de Caxias, Condestável do Império, na consolidação de tal patrimônio.
O Estado Integral proposto por Plínio Salgado no “Manifesto de Outubro” é – ao contrário do Estado hegeliano que tanto influenciou Mussolini, Gentile, Rocco e outros doutrinadores do Fascismo italiano – um Estado-meio, uma vez que não constitui um fim em si próprio, mas sim um instrumento a serviço do Homem e do Bem Comum, um meio para a edificação da nova Nação Brasileira, una, forte, livre, soberana, justa e efetivamente democrática, salva “dos erros da civilização capitalista e dos erros da barbárie comunista”, reconduzida às bases morais de sua formação e ao caminho de seu destino histórico, dando início à Nova Civilização, que, pela força, audácia e fé do nosso Povo, “faremos partir do Brasil, incendiar o nosso continente, e influir mesmo no Mundo”.
Infelizmente não podendo e não devendo nos estender mais do que já nos estendemos, encerramos por aqui o presente artigo sobre o “Manifesto de Outubro”, documento que trata, ainda que de forma bastante sucinta, de todos os princípios básicos da Doutrina Integralista, posteriormente aprofundados por Plínio Salgado e outros vultos do Movimento do Sigma em outros manifestos, assim como em livros, artigos e discursos.


[I] Artigo a ser publicado na primeira edição do jornal integralista "Nova Offensiva", do Rio de Janeiro.

[II] Victor Emanuel Vilela Barbuy é articulista, acadêmico de Direito, Vice-Presidente e Secretário de Doutrina e Estudos da Frente Integralista Brasileira e 1º Vice-Presidente da Casa de Plínio Salgado.

Friday, October 24, 2008

Carta da FIB à Rede Record de Televisão

A Frente Integralista Brasileira vem, por meio desta, manifestar o seu repúdio às inverdades históricas veiculadas na reportagem “Fazenda nazista”, exibida na última edição do “Domingo Espetacular”, da Rede Record de Televisão, sugerindo ao Sr. Cabrini que estude mais a história da Ação Integralista Brasileira (e não “Aliança Integralista Brasileira”) e do Integralismo, movimento anti-racista e antitotalitário cuja doutrina, fundamentalmente cristã, nada tem que ver com o nacional-socialismo.O Sr. Cabrini deveria saber que o chamado “Manifesto de Outubro”, com que Plínio Salgado lançou oficialmente a Ação Integralista Brasileira, é categórico ao condenar as absurdas teorias racistas ainda tão em voga no País naquele ano de 1932 e que o mesmo Plínio Salgado foi pioneiro na condenação do nacional-socialismo no Brasil, havendo escrito numerosos artigos contra esta ideologia, além da célebre “Carta de Natal e fim de ano”, de 1935.O Sr. Cabrini deveria saber, ademais, que o Integralismo reuniu milhares de negros, incluindo personalidades como João Cândido, Abdias do Nascimento, Sebastião Rodrigues Alves, Ironides Rodrigues e Dario de Bittencourt, este último o primeiro Chefe Provincial da Ação Integralista Brasileira no Rio Grande do Sul, e que o Integralismo contou, ainda, com a admiração e o apoio de Arlindo Veiga dos Santos, fundador e principal líder da Frente Negra Brasileira, que tinha como órgão oficial o jornal “A voz da raça”, cuja epígrafe – claramente inspirada na divisa integralista “Deus, Pátria e Família” – era “Deus, Pátria, Raça e Família”.
Por derradeiro, o Sr. Cabrini deveria ter conhecimento de que na década de 1930 o então embaixador alemão no Brasil, Karl von Ritter, declarou que um alemão de camisa-verde era “o coveiro de seu próprio germanismo”, que Frei Nicolau de Flue Gut teve que deixar a Alemanha nacional-socialista por haver escrito uma tese sobre Plínio Salgado em que tratava das idéias antitotalitárias e anti-racistas deste, ao contrário do que fez Carlos Henrique Hunsche em sua tese “Der Integralismus”, em que, à luz do nacional-socialismo e do pangermanismo, fez algumas severas críticas ao Integralismo, sobretudo no que respeita à posição anti-racista deste.
Victor Emanuel Vilela Barbuy, Vice-Presidente e Secretário de Doutrina e Estudos da Frente Integralista Brasileira e Primeiro Vice-Presidente da Casa de Plínio Salgado.
São Paulo, 14 de outubro de 2008

Saturday, October 11, 2008

Velada de Versos a alto e bom som por Robert Brasillach


Por Rodrigo Emílio


Moída mais que por mós,

A memória dá recado

De um coração que por nós

Bate apesar de enterrado.

Concha do chão, sonho a sós,

Na morte o encontro marcado

Do silêncio com a voz,

Do presente com o passado.

Veio a noite e a paz após.

De vala a vale embalado,

Ali jaz, sono sem foz,

Em solidão o soldado.

Atrás do remorso atroz

Que punge e chaga do lado

De um coração que por nós

Bate apesar de enterrado.

Pela dádiva desmedida

Do eterno camarada,

Levo o tempo de vencida

E trago na minha vida

A morte dele hospedada!

Brasillach al paredón - um irremível pecado da França



Por Rodrigo Emílio


Se datas há que não podem deixar de ser lembradas por nós anualmente sob pena de incorrermos num imperdoável pecado de omissão para com elas e para com aquilo, sobretudo, que representam, o 6 de Fevereiro de 1945 é, incontestavelmente, uma dessas datas.
Faz anos que a França se desembaraçou, pela lei da bala, de um dos seus filhos mais incómodos, mais exemplares – e mais dotados. Faz anos que caiu, de pé, no fosso de Montrouge, varado pela salva de um pelotão de fuzilamento, um dos maiores artistas literários europeus de todos os tempos. Concretamente, faz anos que De Gaulle caprichou em mandar abater a tiro de rajada Robert Brasillach. (Parece que é sina dos grandes poetas morrerem às mãos dos maus prosadores de patente militar…)Estava-se numa França de hecatombe e mais «ocupada» (a matar…) do que nunca.Com o pesadelo da chamada «Libertação» – há-de notar lapidarmente Maurice Bardèche – a nação gaulesa tinha contraído o mau (o péssimo) hábito de mandar passar pelas armas os seus escritores ou de pregar com eles na «choça», congratulando-se com essa forma expedita e pouco dispendiosa de resolver as suas crises de consciência colectiva.Na eventualidade, está escrito que Brasillach venha a ser um dos intelectuais expiatoriamente sacrificados desde logo – e um dos cem mil e tal franceses, sumariamente chacinados de caminho.Condenado à morte mal e porcamente – depois de um julgamento político clamoroso que figura na história dos processos de acusação como modelo acabado de farsa judiciária – o poeta de Fresnes cada vez avulta mais como legenda de batalhas que tiveram talvez de se perder para poderem vir a ser ganhas.Os seus crimes? Tanto quanto se sabe, respondeu por um único: o crime de ter amado a França e sonhado a Europa sem conta, peso e medida! Por outras palavras e abreviando razões: Brasillach cometeu tão-somente a injúria, e apenas reivindicou para si o direito, de pensar as circunstâncias ao invés do que mandavam as boas normas da ‘intelligentzia’ demo-marxista de antanho. E bastou isso para o liquidarem.De onde se segue que meia dúzia de opções cardiais, assumidas com toda a galhardia e firmadas com inteira verticalidade no campo de batalha das ideias por homens de uma só convicção – como ele era – já então se pagavam caro. A pretexto delas, conferia-se foros de justiça aos morticínios, força de lei à iniquidade, e tudo era pesadinho na balança de uma justiça que funcionava ‘avec un seul plateau’.Promoviam-se torneios de tiro ao homem a torto e a direito por todo o território e, por sistema, confiava-se o destino de seres tortuosamente incriminados ao cuidado e à pontaria (sempre certeira, sempre infalível) de pelotões de execução.«O nível da magistratura – comentará sardonicamente Marcel Aymé – chegou a revelar-se, de uma maneira geral, francamente inferior ao dos próprios presos de delito comum» visando esses baixos tempos, e muito justa e justiceiramente invectivando o despudor da jurisprudência depuradora levada a cabo na sua pátria após a chegada dos respectivos «libertadores».Na barra dos tribunais contavam-se entretanto pelos dedos da mão de um maneta as vozes verdadeiramente insubornáveis e realmente susceptíveis de se atreverem a erguer num levantamento de razões, mais ou menos cerrado, contra tanto desatino e desaforo juntos.Brasillach veio a ter uma dessas vozes pelo lado dele, já que pôde encomendar, à eloquência de fogo de Maître Isorni, o encargo de o defender. Mas nenhum resultado (prático) deram, nem qualquer efeito surtiram, as imparáveis alegações e o verbo incontestado do grande causídico; como, também, de coisíssima nenhuma valeu ao poeta a petição de indulto que foi subscrita, a favor dele, por um sem-número de artistas e homens de letras seus compatriotas (e todos, por sinal, de altíssima craveira). É que a sorte de Brasillach já estava traçada e ditadinha de antemão, e o poeta previamente condenado a acabar como acabou: amarrado ao poste da pena capital, na força dos seus trinta e cinco anos, o corpo crivado de balas.Uma consolação entretanto nos resta, mormente se admitirmos – como Céline – que «o mais terrível dos juízes é o condenado à morte»: a de sabermos que Robert Brasillach, ao cabo de tantas e tão longas horas de calvário e paixão celular, e de mortificação judiciária, observará, até ao fim, uma conduta exemplar, toda ela pautada por um estoicismo supremo, por uma coerência indefectível, por uma coragem inabalável; a consolação de tão-pouco ignorarmos que, chegado à hora da verdade, saberá ele, como poucos mais, encarar e receber a morte – de frente! – sem pestanejar. Daí que o seu luminoso exemplo nos contemple, e que a sua lição de sangue ainda agora nos norteie. Daí que a sua morte seja em nós uma chaga em carne viva, uma ferida sempre aberta – e que não fecha, nem mesmo à vista da estuante vitalidade que de todos e de cada um dos seus livros se desprende, se liberta e evade, sem cessar.E a atestar, de forma concludente, aquilo que afirmo, nós aí temos, em curso de impressão regular e sistemática, a edição integral das suas obras, que vai de vento em popa, num empreendimento da Plon.O descerramento das mesmas tem-nos reservado, inclusivamente, de tempos a tempos, a grata surpresa de entrar em contacto com títulos e textos novinhos em folha, devidos ao punho (ainda agora fecundo!) do fabuloso polígrafo.Foi esse o caso, relativamente recente ainda, do aparecimento de outro romance seu, intitulado Les Captifs: um original inebriante (apesar de inacabado), até agora rigorosamente inédito, e que a Plon em boa hora declarou a público.Acima de tudo, porém, dá gosto ver como os livros daquele que foi, indubitavelmente, o maior mago da ficção da Europa literária de 40, já agora vão deixando de ser raridades inobtíveis, para andarem numa roda viva de reedições que a cada passo se esgotam (ao nível, designadamente, das consagratórias colecções de poche).O significado de que se reveste semelhante fenómeno assinala assim o regresso mesmo do poeta fuzilado para junto daqueles, como nós, que sempre se recusaram a acatar ou a aceitar como terminante o veredicto da sua morte e muito menos, ainda, o do seu esquecimento.De uma vez por todas, ei-lo que volta, realmente, ao convívio fraterno de quantos, não tendo deixado nunca de o frequentar, saúdam e entrevêem neste retorno como que a prova provada e o testemunho indesmentível da eterna jovialidade de Robert Brasillach.

Tuesday, September 23, 2008

Carta à mocidade brasileira - Gustavo Barroso



Moços do meu Brasil,
O Crepúsculo que Barbusse previu logo depois da grande guerra alastra pelo mundo as suas sombras tristes. O liberalismo impotente e hipócrita agoniza. O credo comunista cria duas humanidades, declarando que nem a morte apaga o antagonismo entre o operário e o burguês. Mais horrendo que o fantasma das discórdias civis, se ergue o espectro da guerra de classes. Ao embate das contradições, o nosso país corre para o naufrágio. Só a Mocidade Cristã, que é o futuro, lhe resta como tábua de salvação; somente ela é capaz de renová-lo, como, ao som da Giovinezza, reformou a Itália, consertou Portugal e redimiu a Alemanha.Do alto das serranias do meu pátrio Ceará, quando o sol inclemente das secas combure os esqueletos das caatingas e todo o sertão imenso se alonga nu e preto, as copas verdes dos joazeiros úteis e heróicos, cuja sombra abriga a rês sequiosa e o vaqueiro emagrecido, cuja rama e cujo fruto alimentam o gado e o retirante, pontilham a desolação. Quanto mais a estiagem se prolonga, quanto mais a canícula dos longos dias de estio calcina a terra infeliz, e mais cresce a solidão, e mais aumenta a agonia, mais viçoso, mais belo, mais senhoril e mais verde pompea o joazeiro, como um estandarte de Esperança!Sêde como o joazeiro, moços do Brasil! Sêde como o joazeiro, erectos, varonis e sempre cheios de fé; tanto mais erectos, mais varonis e mais cheios de fé, quanto mais cresçam as dores, e aumentem as provações e se multipliquem as dificuldades!Meu olhar se espraia pelos largos horizontes da Pátria e avista as negras nuvens que ficaram para trás, e os nimbus escuros que se adensam a nossa frente. A complexidade dos problemas nacionais desafia o esforço da geração nova. Na vasta planície lamacenta dos preconceitos e da inércia, das chatices e dos conchavos pessoais, os moços idealistas, ainda não contaminados pelas abixezas do ambiente, são os úteis e heróicos joazeiros verdes em que residem as derradeiras esperanças do Brasil, moços de hoje, homens de amanhã, construtores da futura sociedade.Unicamente vós podereis opor barreiras intransponíveis ao alude das maiorias incapazes e aos assaltos das minorias estéreis que guerreiam a arte e a ciência, que combatem os mais altos, nobres e sagrados ideais humanos, pretendendo reduzir o panorama das pátrias a pântanos peçonhentos ou monótonas estepes moscovitas. Somente a Mocidade Cristã poderá salvar o mundo.Falo-vos com o coração, do meio do caminho de minha vida, em que não pratiquei um ato de que me possa envergonhar. Falo-vos com a convicção duma doutrina e com a força dum idealismo construtor. São já demasiadas as ruínas que enchem a superfície da terra. Antes de descer a ladeira sombria da montanha que trabalhosamente subi, sorrio de prazer, porque avisto por cima da paisagem causticada de sol, agitados ao vento da manhã radiosa, os verdes e gloriosos estandartes da mocidade!
Assinado: Gustavo Barroso

Sunday, May 11, 2008

O Levante de 11 de Maio de 1938

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Introdução

O Levante de 11 de Maio de 1938, que injustamente passou à História como “Intentona Integralista” ou “’Putsch’ Integralista”, foi a única reação armada contra a ditadura imposta ao País por Getúlio Dornelles Vargas a 10 de novembro de 1937, até a deposição deste pelos militares, em outubro de 1945, e resultou, na verdade, de uma ampla conspiração interpartidária contra o regime de exceção estadonovista. Tal conspiração, tendo como líder o General Castro Júnior, reuniu diversas lideranças civis e militares, tanto liberais quanto integralistas, bem como alguns militares que, embora não fossem liberais ou integralistas, também estavam descontentes com os rumos que vinha tomando a ditadura varguista.

Antecedentes históricos

Em 1930, quando triunfou a chamada “Revolução de Outubro”, com a deposição do Presidente Washington Luís pela Junta Militar formada por seus próprios generais, que entregaram o poder a Getúlio Vargas, líder máximo dos revolucionários, este, revogando a Constituição de 1891, deu início a um governo discricionário.
A 11 de novembro de 1930, Getúlio Vargas, na qualidade de Chefe do Governo Provisório, decretou a dissolução do Congresso Nacional, das assembléias estaduais e das câmaras municipais. No dia seguinte, os coronéis João Alberto e Mendonça Lima e o General Miguel Costa criaram a Legião Revolucionária de São Paulo. Nesta época surgiam, em todo o País, outras associações igualmente preocupadas em dar um novo rumo ao Brasil, realizando as reformas de que ele tanto carecia. Dentre estas associações, também chamadas de “Legiões de Outubro”, podemos citar o Clube 3 de Outubro, a Legião 5 de Julho e a Legião Liberal Mineira, mais conhecida como Legião Mineira, que, organizada por Francisco Campos, Gustavo Capanema e Amaro Lanari, desfilou defronte ao Palácio da Liberdade, onde o Interventor de Minas Gerais, Olegário Maciel, se apresentou, de uma sacada, usando a camisa parda dos legionários por baixo do paletó.
A 03 de março de 1931 foi divulgado, pelo periódico “O Jornal”, do Rio de Janeiro, o Manifesto da Legião Revolucionária de São Paulo, escrito por Plínio Salgado e publicado também em “O Estado de São Paulo” em suas edições dos dias 05 e 06 de março daquele ano.
O Manifesto de Plínio Salgado, pretendendo traçar à Nação Brasileira uma diretriz clara e definida em face dos problemas fundamentais de nossa Pátria e podendo, em virtude de seu conteúdo, ser considerado já um Manifesto Integralista, foi elogiado por Oliveira Vianna, Tristão de Athayde (Alceu Amoroso Lima), Octavio de Faria e Azevedo Amaral, dentre outros intelectuais de igual ou menor estatura.
Ainda em 1931, surge, em São Paulo, o jornal “A Razão”, que, tendo Alfredo Egydio de Souza Aranha como proprietário e Plínio Salgado como presidente, em pouco tempo se tornou, graças, sobretudo, a este, “o mais perfeito e elevado de quantos hajam sido fundados no Brasil”, na expressão de Virgínio Santa Rosa [1].
Foi em “A Razão” - matutino que teve entre seus colaboradores intelectuais da estirpe de San Tiago Dantas, Paulo Setúbal, João Carlos Fairbanks, Mário Graciotti, Nuto e Leopoldo Sant’Anna, Silveira Peixoto e Alpínolo Lopes Casali – que Plínio Salgado – por meio do artigo de abertura diário, intitulado “Nota Política”, transcrito no jornal “Era Nova”, da Bahia, e em jornais do Ceará e lido com entusiasmo de Norte a Sul do Brasil e mesmo no exterior – revelou o brilhante sociólogo que vivia embuçado no igualmente brilhante romancista, sendo saudado por Tristão de Athayde como a principal revelação do ano [2].
A 24 de fevereiro de 1932, quando milhares de pessoas participavam, na Praça da Sé, no Centro de São Paulo, do comício promovido pela Liga Paulista Pró-Constituinte para celebrar o quadragésimo aniversário da Constituição de 1891, um grupo de intelectuais se reunia, sob a liderança de Plínio Salgado, para organizar a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), cuja assembléia de fundação seria realizada a 12 de março daquele ano, no Salão de Armas do Clube Português, à Avenida São João.
A SEP foi uma organização que reuniu dezenas de homens de pensamento e de ação e que a partir do estudo de nossa realidade e de nossos problemas, bem como dos ensinamentos de pensadores nacionais e estrangeiros, estabeleceu um novo caminho para o Brasil, caminho que, caso seguido, salvá-lo-ia da balbúrdia que nele imperava desde o crepúsculo do Império, o reconduzindo à sua vocação histórica, às bases morais de sua formação, e o transformando numa Nação verdadeiramente grande, unida, próspera, feliz e soberana.
A 23 de maio daquele conturbado ano de 1932, o jornal “A Razão”, injustamente acusado de ser contrário à reconstitucionalização do País, foi empastelado e incendiado durante os distúrbios que culminaram no ataque da sede da Legião Revolucionária e na morte dos estudantes Mário MARTINS de Almeida, Euclides Bueno MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Sousa e Antônio Américo de CAMARGO, cujas iniciais dos nomes pelos quais eram mais conhecidos deram origem à sigla MMDC, que se tornou o nome do mais importante movimento em prol da reconstitucionalização do Brasil.
Foi durante aquele mês de maio que Plínio Salgado redigiu o Manifesto que entraria para a História como “Manifesto de Outubro”, mês de sua divulgação, que não se deu antes por conta da Revolução Constitucionalista de 09 de julho de 1932, já iminente, como sabia Cândido Mota Filho, que a respeito disto alertou Plínio em junho daquele ano, quando fora aprovado pela SEP o ante-projeto do Manifesto Integralista do consagrado autor de “O estrangeiro” e “O esperado”.
O Manifesto de Outubro, cuja mensagem se espalhou pelo País, de Norte a Sul, feito um rastilho de pólvora, se inspira, antes e acima de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de pensadores e escritores brasileiros como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Pandiá Calógeras, Oliveira Lima, Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Rui Barbosa, Eduardo Prado, Conde de Afonso Celso, Domingos Jaguaribe, José de Alencar e Graça Aranha, nos poemas patrióticos e nas campanhas cívicas de Olavo Bilac e nas poesias de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros poetas nacionalistas.
Sustentando a concepção integral do Universo e do Homem, a Revolução Interior, os valores fundamentais da Nacionalidade, a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica, o Municipalismo, a revalorização da Autoridade, pressuposto à existência da autêntica Liberdade, a Harmonia Social e a Harmonia Étnica e o Estado Ético-Integral, ao mesmo tempo antitotalitário e antiindividualista e caracterizado, sobretudo, pelo respeito à intangibilidade do Ente Humano, de seu Livre-arbítrio e dos Grupos Naturais dele procedentes, o Manifesto de Outubro já trata, ainda que de maneira sucinta, de todos os princípios básicos da Doutrina Integralista, depois aprofundados em inúmeros livros, manifestos, artigos e discursos de Plínio Salgado e de outros doutrinadores integralistas.
Entre outubro de 1932 e novembro de 1937, o Integralismo teve um crescimento espantoso, conquistando centenas de milhares de adeptos e outras tantas de simpatizantes nas mais variadas religiões, etnias e classes sociais, tornando-se a Ação Integralista (AIB) o primeiro “partido de massas” do País e o primeiro partido de âmbito nacional desde a implantação da República e reunindo a extraordinária plêiade de intelectuais a que Gerardo Mello Mourão chamou o “mais fascinante grupo da inteligência do País” [3].
Os atentados perpetrados pelos comunistas, sicários do imperialismo russo-soviético de Stálin ou da IV Internacional de Trótski, bem como as perseguições empreendidas por governadores como Juracy Magalhães, da Bahia, e Lima Cavalcanti, de Pernambuco, em vez de conter o avanço do Integralismo, ajudaram este Movimento a crescer, de forma análoga ao que ocorrera com o Cristianismo sob as perseguições sofridas em Roma, sobretudo ao reinado de Nero.
Em maio de 1937, os integralistas decidiram, por meio de um plebiscito, qual seria o seu candidato às eleições presidenciais que ocorreriam em janeiro do ano seguinte. Plínio Salgado, que obteve 846.354 votos, foi o escolhido.
As eleições presidenciais, a que concorreriam, ainda, Armando de Sales Oliveira e José Américo de Almeida, não foram, porém, realizadas, uma vez que Getúlio Vargas, se aproveitando da divulgação do “Plano Cohen” – farsa criada por Góis Monteiro, que se apoderou de um documento escrito por Olympio Mourão Filho, simulando como seria uma revolução comunista, e o divulgou como se verdadeiro fosse - instaurou, a 10 de novembro de 1937, o Estado Novo.
A 03 de dezembro de 1937, Getúlio Vargas - que, ao criar o Estado Novo, fechara o Congresso e revogara a Constituição de 1934, outorgando nova Carta, de autoria de Francisco Campos e de caráter acentuadamente autoritário -, decretou a dissolução de todos os partidos políticos, inclusive a AIB, que, segundo Plínio, obteve a permissão do ditador para continuar funcionando como entidade cultural e educacional. Enquanto, porém, Alcibíades Delamare, advogado e correligionário de Plínio Salgado, promovia o registro da nova entidade e levava os papéis a Francisco Campos, então Ministro da Justiça, que protelou o despacho o quanto pode, deixando, por fim, de dá-lo, os interventores dos Estados e o Chefe de Polícia do então Distrito Federal (Rio de Janeiro), Filinto Müller, desencadeavam terrível perseguição contra os integralistas, prendendo líderes e depredando sedes [4].
Foi por esse tempo que Plínio Salgado entrou em contato com Otávio Mangabeira, liberal, ex-Chanceler no Governo de Washington Luís, e em torno de quem se reuniam diversos opositores da ditadura estadonovista. Armando de Sales Oliveira se encontrava preso, não podendo tomar parte nas conspirações, mas seus numerosos amigos e aliados guardavam cuidadosamente o que restara das armas que seriam usadas por Flores da Cunha, Governador do Rio Grande do Sul até outubro de 1937 e opositor de Vargas, em sua luta em prol do federalismo, caso este, derrotado, não houvesse sido obrigado a fugir para o Uruguai a 18 de outubro daquele ano [5].
Em conseqüência dos encontros com Otávio Mangabeira, Plínio Salgado tomou contato com o General Castro Júnior e, depois, com os generais Guedes da Fontoura e Basílio Taborda. Entrementes, outros integralistas se articulavam com o General Flores da Cunha, em seu exílio no Uruguai, e com o grupo do Sr. Júlio de Mesquita Filho, na Capital Paulista. De tais conversações resultou, como observa Plínio Salgado, a mobilização de significativas correntes militares e políticas, tendo como objetivo comum a restauração da Constituição de 1934 e, por conseguinte, do regime democrático.
Certo dia, Plínio Salgado foi informado, por Jaime Regalo Pereira, de que se preparava, no Rio, à sua revelia, um ataque ao Palácio Guanabara.
Redigiu, então, o autor de “Psicologia da Revolução” um Manifesto aos integralistas, condenando toda e qualquer espécie de atentados, golpes violentos e assassinatos, que eram totalmente contrários à Doutrina Integralista, recomendando aos camisas-verdes que esperassem “o grande movimento nacional, não de caráter integralista, mas de todo o povo brasileiro, no sentido de volta à Constituição de 34 e das liberdades que tanto almejávamos”. Foi portador de tal Manifesto Lafayette Soares de Paula e, mais tarde, Plínio Salgado recebeu a notícia de que todos os seus exemplares haviam sido queimados no Rio[6].
Chegaram, então, os últimos dias de abril. Plínio Salgado dera autorização, por escrito, a Raymundo Barbosa Lima e Belmiro Valverde, para que mantivessem a articulação dos integralistas na então Capital Federal, não tomando qualquer iniciativa sem que chegassem ordens superiores.
E, informado de que Belmiro Valverde, que se aliara a Severo Fournier, liberal e notório antiintegralista, para desferir, com pequeno grupo, um ataque ao Palácio Guanabara, Plínio enviou ao Rio o Dr. Loureiro Júnior, seu genro e correligionário, portando uma carta em que visava dissuadir Valverde de seu insensato plano.
A profética carta escrita pelo autor de “A Quarta Humanidade” – e que foi queimada na presença do portador, de acordo com a ordem de Plínio, uma vez que nela eram citados diversos nomes - dizia, em síntese, que Valverde, Barbosa Lima e os demais não deveriam tomar nenhuma iniciativa de golpes armados, posto que o Movimento, cujos propósitos eram civis e interpartidários, deveria partir de uma ação exclusivamente militar e tinha como chefe o General Castro Júnior, única autoridade no assunto; que eles deveriam se lembrar de que uma tropa que ficasse em seu quartel e sem iniciativa de ação seria uma tropa que seguramente iria contra todo e qualquer movimento, uma vez que se enquadraria na disciplina hierárquica dos comandos; que, caso tomassem eles “qualquer iniciativa de ataque, desrespeitando a unidade do movimento nacional”, não contariam com qualquer apoio militar, sendo que seu fracasso, longe de atingir os objetivos por eles desejados, serviria apenas para tornar mais forte a ditadura; que não contassem com ilusórias promessas e nem com as fantasias de determinados militares; e, por derradeiro, que os integralistas tinham compromissos de honra que não podiam romper sem indignidade para eles [7].
Ainda segundo as instruções de Plínio, Loureiro Júnior promoveu, no Rio, uma reunião de altas personalidades do Movimento que se preparava para restaurar a Constituição de 1934, ficando nesta reunião claramente estabelecido que apenas o General Castro Júnior poderia transmitir as ordens para o início da Revolução. E, como não confiava nem um pouco em Belmiro Valverde, Plínio pediu que lhe prestassem assistência, acalmando seus eventuais ímpetos, San Tiago Dantas, Henrique Brito Pereira e os então capitães Albuquerque e Bittencourt.
Ao meio dia de 10 de maio de 1938, Plínio Salgado foi procurado em sua residência, na Capital Bandeirante, pelo Dr. Jaime Regalo Pereira, que o informou de que recebera por um aparelho de rádio amador um recado de Valverde que sem dúvida alguma significava que o Levante principiaria à meia noite do dia seguinte, 11 de Maio.
Às 20 horas daquele dia 10 de maio, chegou o Dr. Brito Pereira à casa de Plínio Salgado, exclamando que tudo estava perdido, pois Belmiro ia, logo mais, dar início à “burrada” [7].

O Levante de 11 de Maio

O Levante principiou, então, naquela madrugada de 11 de Maio, data escolhida pelos revolucionários para atacar o Palácio Guanabara e prender Vargas – e não matar a ele ou a sua família – porque naquele dia o Tenente Júlio Barbosa do Nascimento, integralista, chefiava a guarda, composta de fuzileiros navais.
Infelizmente o tempo e o espaço me são exíguos, de modo que, por hora, não tratarei propriamente do ataque ao Palácio Guanabara, em que vários jovens integralistas deram o seu sangue e suas vidas pela restauração da Liberdade e da Democracia, da mesma forma que, pelos mesmos motivos, não cuidei do Levante de 11 de Março daquele ano de 1938, quando foi ocupada a Escola Naval, na Ilha das Enxadas, por um grupo de oficiais integralistas da Marinha, dentre os quais se destacou, sobretudo, o heróico Tenente e depois Almirante Jatyr de Carvalho Serejo.
Por falar em Marinha, quase todos os membros deste glorioso ramo de nossas Forças Armadas foram integralistas na década de 1930. Foi o Almirante Serejo quem, com efeito, declarou que 70% dos homens de nossa Marinha de Guerra eram integralistas, “e outros 10% eram ardorosos simpatizantes” da Doutrina do Sigma [8].
Antes de encerrar o presente trabalho, julgo oportuno frisar que participou do assalto ao Palácio Guanabara o “Almirante Negro” João Cândido, líder da Revolta da Chibata, a que se deve o fim dos castigos físicos em nossa Marinha de Guerra, e que na década de 1930 aderiu ao Integralismo, Movimento de cuja Doutrina jamais se afastou, tornando-se amigo de Plínio Salgado, com quem se encontrou diversas até a década de 1960, conforme afirmado por Genésio Pereira Filho e confirmado por Gerardo Mello Mourão [9].
Seja este, pois, meu singelo artigo a respeito do alçamento que – embora precipitado, custando a vida a vários camisas-verdes, que, no Panteão dos Mártires do Integralismo, se uniram a Nicola Rosica, a Jayme Guimarães, a Caetano Spinelli e a todos os outros que tombaram em defesa de Deus, da Pátria e da Família sonhando um Brasil maior, melhor e mais justo – teve o mérito de haver sido a única reação armada contra a ditadura estadonovista de Getúlio Vargas até sua deposição, em 1945.



Notas

[1] Virgínio Santa Rosa, “A personalidade de Plínio Salgado”, in “Plínio Salgado”, 4ª ed., São Paulo, Edição da Revista Panorama, 1937, p. 73.
[2] Idem, loc. cit.
[3] Gerardo Mello Mourão, entrevista concedida a 24 de outubro de 1996 ao jornal “Diário do Nordeste”, onde foi republicada a 12 de março de 2007. Disponível em:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=414001. Acesso em 09 de maio de 2007.
[4] Plínio Salgado, “Livro verde da minha campanha”, Rio de Janeiro, Livraria Clássica Brasileira, 1956, p. 106.
[5] Glauco Carneiro, “História das revoluções brasileiras”, 2ª ed., Rio de Janeiro, Record, 1989, p. 362.
[6] Plínio Salgado, op. cit., p. 108.
[7] Plínio Salgado, op. cit., p. 111.
[8] Contra-almirante Serejo, apud Glauco Carneiro, op. cit., p. 363.
[9] Cláudio de Cápua, “Fim da chibata na Marinha de Guerra”, São Paulo, EditorAção, 2003, p. 67.

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Tuesday, April 15, 2008

Heidegger, Filósofo da Poesia, Poeta da Filosofia


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Martin Heidegger é certamente o maior filósofo germânico do século XX e o maior filósofo germânico desde Nietzsche. Sua doutrina filosófica – assim como o Tomismo – instituiu, conforme observou Vicente Ferreira da Silva, “uma experiência pensante do Ser”, apresentando hodiernamente uma clara “vontade de radicar o pensamento em seu próprio domínio, que não é evidentemente o domínio da subjetividade, mas o domínio aberto do Ser” [1].
O existencialismo heideggeriano é imensamente superior ao “existencialismo de mesa de café” de Sartre, como bem ressaltou José Pedro Galvão de Sousa em sua belíssima homenagem póstuma a Heraldo Barbuy [2]. Enquanto o autor de “A náusea”, mais literato do que filósofo, manipulou, como sublinhou Heraldo Barbuy, “os temas heideggerianos em plano puramente humano, Heidegger depois de ‘Sein und Zeit’ se desenvolveu a si mesmo numa linha cósmica e poética” não por isso deixando de ser o grande “filósofo da angústia existencial, de que Sartre foi como que a expressão literária” [3].
O existencialismo do discípulo francês, convertido desde princípios da década de 1950 ao credo obscurantista de Marx [4], é um existencialismo que, consoante frisou Barbuy, “traduz a derrota, a falência, a fraqueza”. Já o existencialismo do Mestre alemão, adversário sincero do marxismo durante toda a vida, exprime, nas palavras de Barbuy, “a vitalidade do herói, tendido para o futuro, sereno diante da morte e disposto a salvar a grandeza final do existir humano” [5].
A filosofia existencial do Mestre de “Ser e Tempo” não é uma “lamentação sob os muros da ruína. Acima de todas as suas contradições”, como ressaltou Barbuy, “Heidegger é o filósofo da Poesia. Ele ressuscita o mito wagneriano, desenha o perfil do Herói, tenso na direção do futuro, atravessando o Nada, como Siegfried atravessou o fogo mágico. E sua lição é e esta: Não é na vida banal, mas na audácia angustiosa do Herói que repousa a grandeza final do existir humano [6].
Heidegger nasceu no vilarejo suábio de Messkirch, na Floresta Negra, a 26 de setembro de 1889, sendo filho de Friedrich Heidegger, sacristão e zelador de objetos sacros da Igreja de Sankt Martin (São Martinho), e de Johanna Heidegger, nascida Kempf. A Suábia é também a terra natal de Hölderlin, o profundo poeta de “A morte de Empédocles” e romancista de “Hyperion”, talvez o maior bardo de todas as Alemanhas, sobre quem Heidegger pronunciou, em Roma, a memorável conferência intitulada “Hölderlin e a essência da Poesia” [7].
Heidegger nasceu, como disse, em setembro de 1889. Cinco meses antes, mais precisamente a 20 de abril de 1889, nascera em Braunau am Inn, na divisa entre o Império Austro-Húngaro e o Reino da Baviera, aquele a quem Heidegger – bem como a esmagadora maioria do povo alemão – um dia veria como um Messias. E o próprio Heidegger, após o fim da II Guerra Mundial, buscando redimir-se de haver seguido aquele ex-pintor e arquiteto frustrado de Viena, lembrou, em carta ao estudante Hans-Peter Hempel, que enganos como aquele já haviam acontecido com “homens maiores” que ele: “Hegel viu em Napoleão o espírito do mundo e Hölderlin o viu como o príncipe da festa para a qual os deuses e Cristo eram convidados” [8].
Em “O caminho do Campo”, texto escrito no outono de 1948 e publicado m uma obra de autoria coletiva celebrando o centenário (1949) do falecimento do compositor Conradin Kreutzer (aliás parente distante de Heidegger), o Filósofo evoca, saudoso, passagens da infância e da mocidade em Messkirch, onde residia na casinha baixa do outro lado da Igreja de St. Martin, na praça que se abria em direção ao Castelo de Fürstenberg, erigido no século XVI [9]. “Do portão do Jardim do Castelo estende-se [o caminho] até as planícies úmidas do Ehnried. Sobre o muro, as velhas tílias do Jardim acompanham-no com os olhos, estenda ele, pelo tempo da Páscoa, seu claro traço entre as sementeiras que nascem e as campinas que despertam, ou desapareça, pelo Natal, atrás da primeira colina, sob turbilhões de neve” [10].
O caminho do campo fala somente enquanto homens nascido no ar que os rodeia forem capazes de escutá-lo. É em vão que o Homem, por meio de planejamentos, busca instaurar uma ordenação no orbe terrestre, se não for capaz de ouvir o apelo do caminho do campo. É perigoso que o Homem de nossos dias já não possa entender a linguagem de tal caminho, pois em seus ouvidos retumba o fragor das máquinas, que chega a tomar pela Divina Voz. Assim, o Homem se dispersa, se torna errante. O Simples passa a parecer uniforme e a uniformidade é entediante. O Simples se desvaneceu e sua silenciosa força se esgotou [11].
O número daqueles que ainda conhecem o Simples, o dom da Simplicidade, diminui velozmente. Mas os poucos que ainda o conhecem “serão, em toda a parte, os que permanecem. Graças ao tranqüilo poder do caminho do campo, poderão sobreviver um dia às forças gigantescas da energia atômica, que o cálculo e a sutileza do homem engendraram para com ela entravar sua própria obra” [12].
“... Das baixas planícies do Ehnried, o caminho retorna ao Jardim do Castelo. Galgando a última colina, sua estreita faixa transpõe uma depressão e chega às muralhas da cidade. Uma vaga luminosidade desce das estrelas e se espraia sobre as coisas. Atrás do Castelo alteia-se a torre da igreja de São Martinho. Vagarosamente, quase hesitantes, soam as badaladas das onze horas desfazendo-se no ar noturno. O velho sino, em suas cordas outrora mãos de menino se aqueciam rudemente, treme sob o martelo das horas, cuja silhueta jocosa e sombria ninguém esquece [13].
“... Tudo fala da renúncia que conduz ao Mesmo. A renúncia não tira. A renúncia dá. Dá a força inesgotável do Simples. O apelo faz-nos de novo habitar uma distante Origem, onde a terra natal nos é devolvida” [14].
Antes de encerrar o presente artigo, julgo oportuno tratar da posição de Heidegger perante o Cristianismo e, mais precisamente, o Catolicismo.
Filho, como disse, de um sacristão, Heidegger foi preparado para o sacerdócio, havendo, inclusive, entrado, em 1909, no noviciado da Sociedade de Jesus em Tisis, Feldkirch, Vorarlberg, Império Austro-Húngaro, ali permanecendo por não mais que duas semanas de se haver queixado de problemas de saúde. As queixas repetir-se-iam dois anos mais tarde, causando a interrupção de sua carreira sacerdotal [15].
Os primeiros artigos de Heidegger, de tom conservador e contrários ao modernismo católico, tão condenado pelo Papa São Pio X, foram publicados em revistas católicas. O primeiro deles foi sobre a inauguração, em Kreenheinstetten, do monumento a Abraham a Sancta Clara, célebre monge agostiniano suábio cujo verdadeiro nome era Johann Ulrich Megerle e que foi o mais notável pregador católico das Alemanhas durante o período barroco, bem como escritor de amplos recursos.
Havendo rompido com o sistema do Catolicismo em 1919 e chegado a atacar duramente o Cristianismo durante o período em que foi reitor da Universidade de Freiburg (Friburgo), Heidegger ia à missa até bem velho sempre que se encontrava em Messkirch, sentando-se na mesma cadeira do coro onde se sentava quando menino-sineiro [16].
O filósofo e intelectual católico Max Müller conta que, em passeios a pé, quando chegava com Heidegger a igrejas ou capelas, este dobrava os joelhos e molhava as mãos em água benta. Certa vez, indagou Müller a Heidegger se aquilo não era incoerência, já que Heidegger havia muito se afastara dos dogmas da Igreja. E Heidegger assim respondeu ao antigo aluno: “É preciso pensar historicamente. E onde tanto se rezou, o Divino está próximo de maneira muito especial” [17].
Por fim, o enterro de Heidegger foi um enterro religioso, conforme a vontade do Filósofo, que segundo alguns retornara ao Catolicismo e segundo alguns outros jamais perdera a Fé ou se livrara da visão católica do Mundo [18].
Ainda antes de encerrar os presentes escritos, considero necessário dedicar algumas linhas ao mais polêmico dos assuntos relacionados a Heidegger: a militância nacional-socialista [19].
Heidegger foi um fervoroso militante nacional-socialista e não apenas durante os dez meses em que, como reitor da Universidade de Freiburg, pugnou pela completa renovação da Universidade alemã, por meio de sua completa ideologização e pela instituição do chamado “Führerprinzip”. Heidegger militou no Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães até o seu trágico fim, jamais deixando de pagar a ele, até 1945, sua cotização voluntária.
Heidegger viu na revolução nacional-socialista uma revolução metafísica, uma “transformação total” do “’dasein’ alemão” [20], e no “Führer” – e somente nele - “a atual e futura realidade alemã e sua lei” [21]. Viu o Filósofo, ainda, na revolução nacional-socialista a única esperança de salvar a Europa do imperialismo norte-americano e do imperialismo russo-soviético e a única força capaz de resistir à funesta evolução do mundo contemporâneo, sendo esta “a verdade interior e a grandeza desse movimento” [22].
Ademais, Heidegger viu o nacional-socialismo como o único movimento capaz de realizar o que se chamou “Renascimento Alemão”, de restaurar o poder e a glória da Alemanha e o bem-estar de seu povoe de romper o ignóbil “Diktat” de Versalhes. E é forçoso reconhecer que, em tempo recorde, Hitler erradicou o desemprego, a inflação e a miséria, que atingiam níveis absurdos antes de sua subida ao poder; recolocou a Alemanha em sua antiga posição de maior potência econômica e militar da Europa e jogou na lata do lixo o “Diktat” de Versalhes.
Cumpre sublinhar, entretanto, que, a despeito de sua crença no “Führer” e no nacional-socialismo, Heidegger – que dedicara “Ser e Tempo” ao judeu Husserl, fora amante da judia Hannah Arendt e sofreu influências do meio-judeu Max Scheler – sempre criticou duramente as idéias racistas e biologicistas [23] tão caras aos principais teóricos do nacional-socialismo e, em especial, a Alfred Rosenberg, o autor de “O mito do século XX”, que, aliás, detestava Heidegger.
Já havendo escrito mais do que deveria, encerro meu singelo artigo sobre este nobre e autêntico homem da Floresta Negra, filho espiritual de Hölderlin e grande Filósofo da Poesia e Poeta da Filosofia que é bem provavelmente o maior poeta em prosa da língua alemã desde o autor de “Assim falava Zaratustra”.


NOTAS:

[1] Vicente Ferreira da Silva, “São Tomás e Heidegger”, in “Diálogo”, n. 6, São Paulo, fevereiro de 1957, p. 21.
[2] José Pedro Galvão de Sousa, “Senso comum e senso de mistério”, in “Coleção Tema Atual”, Rio de Janeiro, Presença Edições, s/d, p. 3. O mesmo texto também pode ser encontrado na “Revista Brasileira de Filosofia”, vol. XXX, fasc. 116, São Paulo, pp. 375-396 e em separata da mesma revista.
[3] Heraldo Barbuy, “Sartre e Heidegger, in “Diálogo”, n. 7, São Paulo, julho de 1957, p. 34. Também disponível em Heraldo Barbuy, “O problema do ser e outros ensaios”, São Paulo, Convívio/EDUSP, 1984, p. 207.
[4] Sobre o caráter religioso do marxismo, recomendo a leitura do livro de Heraldo Barbuy intitulado “Marxismo e Religião” (2ª ed., São Paulo, Convívio, 1977) e considerado por Gilberto de Mello Kujawski a “contribuição mais relevante em nosso meio intelectual para o exame do marxismo em alto plano de indagação” (Gilberto de Mello Kujawski, comentário a “Marxismo e Religião”, in “Diálogo”, n. 16, abril de 1964, p. 100).
[5] Heraldo Barbuy, “Sartre e Heidegger”, in “Diálogo, n. 7, São Paulo, julho de 1957, p. 37/ “O problema do ser e outros ensaios”, São Paulo, Convívio/EDUSP, 1984, p. 211.
[6] Idem, loc. cit..
[7] Disponível em “Cavalo Azul”, n. 6, São Paulo, s/d, pp. 3-17.
[8] Martin Heidegger, apud Rüdiger Safranski, “Heidegger, um mestre da Alemanha entre o bem e o mal”, trad. de Lya Luft, 2ª ed., São Paulo, Geração Editorial, pp. 276-277.
[9] Rüdiger Safranski, op. cit., p. 32.
[10] Martin Heidegger, “O caminho do Campo” (trad. de Ernildo Stein e José Geraldo Nogueira Moutinho), in “Cavalo Azul”, n. 4, São Paulo, s/d, p. 3. Também disponível em http://caminhodocampo.blogspot.com/2008/03/o-caminho-do-campo-martin-heidegger.html. Último acesso em 03/04/2008.
[11] Idem, p. 5.
[12] Idem, loc. cit..
[13] Idem, p. 6.
[14] Idem, loc. cit..
[15] Rüdiger Safranski, op. cit., p. 41.
[16] Idem, p. 76.
[17] Max Müller, apud Rüdiger Safranski, op. cit., p. 500.
[18] Thomas Sheeman, comentando uma carta escrita por Heidegger ao Pe. Krebs, seu amigo, explicando os motivos pelos quais se afastara do Catolicismo dogmático, observa que Heidegger não afirma, na carta, que perdeu a fé religiosa, rompeu com a visão católica do Mundo ou com os valores que nela encontrou, ou mesmo que abandonou a Igreja Católica, compreendida como comunidade de pessoas e rituais compartilhados, lembrando, em seguida, que Heidegger contaria, mais tarde, a um confidente, que jamais deixara a Igreja Católica (Thomas Sheeman, apud Luiz Hebeche, “Uma arqueologia da cura”. Disponível em http://www.cfh.ufsc.br/~nim/hebeche3.pdf. Último acesso em 03/04/2008).
[19] Sobre este assunto, recomendo a leitura de “Heidegger e o Nazismo”, obra do intelectual chileno Victor Farias que, a despeito de algumas falhas, traz uma boa análise da militância de Heidegger no movimento nacional-socialista (Victor Farias, “Heidegger e o Nazismo”, trad. de Sieni Maria Campos, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1988).
[20] Martin Heidegger (Discurso de Tübingen, 30/11/1933), apud Rüdiger Safranski, op. cit., p. 281.
[21] Idem (“Conclamação aos Estudantes Alemães”, 03/11/1933), apud Rüdiger Safraski, op. cit., loc. cit..
[22] Martin Heidegger (“Introdução à Metafísica”, 1935), apud Rüdiger Safranski, op. cit., p. 343.
[23] Vide, p. ex., Martin Heidegger, “Nietzsche”, vol. I, trad. de Pierre Klossowski, in “Bibliothèque de Philosophie”, Paris, Gallimard, 1971, pp. 402-410.

Friday, March 21, 2008

Vexila Regis - António Sardinha


Como é Sexta-feira da Paixão, resolvi postar um inspirado poema de António Sardinha que trata deste dia e se encontra na obra ititulada "Na corte da saudade".


Vexila Regis
Por António Sardinha

Alors commence la solenelle procession des siècles chrétiens s'acheminent à la suite de la croix dans la direction de l'avenir.

Godefroid Kurth

O órgão geme. É Sexta-feira Santa
Adoração da Cruz na Catedral.
E sobe o coro numa voz que espanta,
- voz de trágédia e cerração mortal!

Só um madeiro agreste se levanta,
abrindo os braços negros por igual.
Os padres cantam. E em tristeza tanta
recanta o incenso a mística espiral.

Soluça o órgão... Com a cruz erguida,
por todo o templo a fé que nos alenta
entoa um hino à Árvore-da-Vida.

E eu, pobre criatura transitória,
enquanto a procissão perpassa lenta,
julgo assistir ao desfilar da História!

Thursday, March 06, 2008

Brasil, Pátria hispânica, Grande Nação do passado e do futuro

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

O Brasil é uma Pátria hispânica. Como sua Pátria-Mãe, Portugal, é ele uma das Espanhas de que falava algures o brilhante jusfilósofo espanhol Francisco Elías de Tejada y Spínola, um dos maiores pensadores tradicionalistas de todos os tempos, fazendo parte do imenso Mundo Hispânico, que engloba, além desses dois países, todas as nações que compõem aquilo que um dia foi a América Espanhola, todos os países tão diferentes – como Castela, Galiza, ou Galícia, Leão, Astúrias, Navarra, Biscaia, Aragão, Andaluzia, Catalunha e Canárias - que formam a nação a que chamamos Espanha, a Sardenha, os antigo reinos de Nápoles e da Sicília, que depois formaram o Reino das Duas Sicílias, as Filipinas e os antigos territórios portugueses na África e na Ásia.
Além de Tejada, diversos outros homens de pensamento espanhóis defenderam a hispanidade de Portugal e do Brasil, incluindo Ramiro de Maeztu – outro dos mais notáveis pensadores tradicionalistas já nascidos, morto pelos vermelhos durante a chamada Guerra Civil Espanhola -, em sua mais célebre obra, intitulada “Defensa de la Hispanidad” e publicada no ano de 1934.
Em Portugal também não foram poucos os escritores e pensadores de estirpe que defenderam que sua nação e, por conseguinte, o Brasil, pertencem ao Mundo Hispânico. Camões, em “Os Lusíadas”, jóia maior da poesia lusófona, já chamava os lusitanos a “gente fortíssima da Espanha”. Antes disso, escrevia André de Resende que os portugueses “Hispani omnes sumus”. E mais tarde, no século XIX, Almeida Garrett ponderava, em seu “Camões”, que todos os filhos da Península Hispânica, ou Península Ibérica, devem ser chamados espanhóis.
Vale lembrar, ademais, que os geógrafos gregos e latinos da Antigüidade, entre os quais o célebre Estrabão, chamavam Hispânia a toda a denominada Península Ibérica.
Já no século XX, o inspirado poeta e vigoroso ensaísta e doutrinador monárquico, patriótico e nacionalista António Sardinha, principal líder do movimento denominado Integralismo Lusitano e sem sombra de dúvida o mais importante pensador da Tradição em Portugal e um dos mais importantes em todo o Mundo, defendeu, em obras como “A aliança peninsular” e “Ao princípio era o Verbo”, que Portugal, seu vasto império ultramarino então ainda existente e o Brasil pertencem ao Mundo Hispânico. E observou, no dealbar de seu livro “À lareira de Castela”, que foi à sombra da velha Catedral de Toledo, num “dia amargo de saudade”, que sentira “como uma realidade viva”, a Espanha-Madre, as Espanhas das clássicas inscrições e dos primitivos roteiros, que “tanto é Castela como Aragão, tanto é Portugal como Navarra”, vendo, desde então, na Hispanidade a unidade não da “raça” (hoje dir-se-ia etnia) ou da terra em seu sentido imediato, mas sim “a unidade cultural e social do elevado destino que Portugal e Castela nobremente conseguiram no Universo, dilatando com a Fé e o Império o mesmo ideal superior da civilização”.
No Brasil, Plínio Salgado, pensador, filósofo e escritor dos mais notáveis, também sustentou que Portugal e o nosso País pertencem à Comunidade Hispânica, falando, por exemplo, em sua obra “O ritmo da História”, de 1949, da “unidade de nosso destino histórico – de Portugal e do Brasil” e da “própria unidade dos povos ibéricos, nesse mesmo destino de sustentar a Cruz de Cristo nos quadrantes do mundo”. Em seguida, afirmou o autor de “Vida de Jesus” e de “Aliança do sim e do não” que “a unidade cultural e moral dos povos hispânicos impõe-se na hora presente”, sendo que tal unidade “fortalecerá o patriotismo de cada nação em particular”, estimulando "as afirmações das personalidades nacionais de cada povo deste grupo humano que floresceu ao sol da América”.
O ilustre pensador, jurista e filósofo José Pedro Galvão de Sousa – maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de Plínio Salgado, na tão abalizada opinião de Francisco Elías de Tejada – proferiu a 28 de abril de 1960, no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sob o patrocínio de tal Instituto e da Casa de Cervantes, uma magnífica conferência em que demonstrou que o Brasil pertence ao Mundo Hispânico, uma vez que suas raízes históricas remontam à Hispanidade. Dois anos mais tarde, foi publicada a obra “O Brasil no Mundo Hispânico”, reunindo, além da referida conferência, o texto de uma comunicação apresentada por José Pedro ao Centro de Estudos Sociais e Políticos da Associação Comercial de São Paulo, no mesmo ano de 1960, e um artigo denominado “A lição da Espanha” e publicado no jornal “A Gazeta” a 18 de julho de 1961, data em que se celebrou o vigésimo quarto aniversário do levantamento, do alçamento nacional espanhol contra os comunistas e seus aliados, responsáveis, diga-se de passagem, pela queima de inúmeras igrejas e pelo fuzilamento de milhares de pessoas cujo único crime foi o de crer em Deus e na imortalidade da alma.
Anos mais tarde, no “Dicionário de Política” que escreveu em colaboração com Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho, o Prof. José Pedro tratou, uma vez mais, da hispanidade do Brasil e de Portugal em verbetes como os dedicados à Hispanidade, à Comunidade Hispânica e ao Hispano-americanismo.
Outros brasileiros que sustentaram a condição hispânica de nossa Pátria foram Bento Munhoz da Rocha, em seu ensaio “Uma interpretação das Américas”, e Gilberto Freyre, autor da obra “O brasileiro entre outros hispanos”, em que defende a tese de que o Brasil é duplamente hispânico, uma vez que recebeu, ao longo de sua História, não apenas influência portuguesa, mas também espanhola.
O Brasil é, portanto, uma Pátria hispânica, fazendo parte – juntamente com as antigas possessões castelhanas deste continente – da América Hispânica e da Hispanidade. E o Brasil só será realmente grande, só deixará de ser o grande País do passado e do futuro, do ontem e do amanhã, na expressão de Rui Barbosa, para ser também o grande País do presente, do hoje, quando assumir a consciência de sua hispanidade.

Sunday, February 24, 2008

Setenta e seis anos da SEP

Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Na manhã de 24 de fevereiro de 1932, quando – num prelúdio à Revolução Constitucionalista de 09 de julho daquele ano – uma enorme multidão comprimida na Praça da Sé, no Centro de São Paulo, participava do comício promovido pela Liga Paulista Pró-Constituinte para celebrar o quadragésimo primeiro aniversário da Constituição de 1891, suspensa por Vargas desde sua ascensão ao poder, em novembro de 1930, na sede do jornal “A Razão”, à Rua José Bonifácio, na mesma Capital, reunia-se um grupo de intelectuais liderados por Plínio Salgado para organizar a Sociedade de Estudos Políticos (SEP). A SEP seria uma organização que, partindo do estudo da realidade e dos problemas brasileiros, bem como dos ensinamentos de grandes pensadores nacionais e estrangeiros, estabeleceria um novo rumo para o País, salvando-o da sanguinolenta balbúrdia que nele imperava desde o ocaso do Império e o reconduzindo a sua vocação histórica.
A esta reunião, em que restou decidida a criação da SEP e marcada para 12 de março daquele ano a assembléia de fundação da mesma, compareceram, além de Plínio Salgado, Mário Graciotti, Cândido Mota Filho, Fernando Callage, José de Almeida Camargo, Ataliba Nogueira, Alpínolo Lopes Casali, Mário Zaroni, Leães Sobrinho, Iracy Igayara, João de Oliveira Filho, José Maria Machado, Sebastião Pagano, James Alvim e outros não menos ilustres.
A assembléia de fundação da SEP foi realizada a 12 de março, como previsto, no Salão de Armas do Clube Português, à Avenida São João, esquina do Anhangabaú, hoje Avenida Prestes Maia. O Salão, onde se realizaram, ainda, diversas outras reuniões da SEP, fora emprestado – segundo Mário Graciotti, que foi primeiro secretário da organização – por intermédio de José Maria Machado, funcionário do clube que era “português de nascimento, mas brasileiro de coração”[1].
Mais de uma centena de pessoas esteve presente àquela assembléia, entre escritores, jornalistas, advogados, médicos, engenheiros, estudantes e outros. Além daqueles que já citei ao falar da reunião realizada a 24 de fevereiro no Salão Nobre do matutino “A Razão”, compareceram à assembléia de fundação da SEP: Arlindo Veiga dos Santos, Álvaro de Campos, Alfredo Buzaid, Antônio de Toledo Piza, Rui de Arruda Camargo, Ernani Silva Bruno, Ignacio e Goffredo da Silva Telles, Almeida Salles, Lauro Escorel, Roland Corbisier, Ângelo Simões de Arruda, Pimenta de Castro, Carvalho Pinto e diversos outros, totalizando, como anteriormente afirmei, mais de cem pessoas.
Plínio Salgado, que - vale lembrar - era já àquele momento um escritor, jornalista e político nacionalmente consagrado, abriu a sessão de 12 de março com as seguintes palavras:
“Senhores, por toda a parte ouço a palavra revolução; de todos os lados nos chegam os ecos de ingentes reclamos que, em meio à confusão dominante no País desde Outubro de 1930, apelam para o ‘espírito revolucionário’. Na verdade, tudo indica que o Brasil quer renovar-se, quer tomar posse de si mesmo, quer marchar resolutamente na História. Clama-se por justiça social e por uma mais humana distribuição dos bens; exige-se do Estado que intervenha, com poderes mais amplos, tendentes a moderar os excessos do individualismo e a atender aos interesses da coletividade. Neste momento, congrego-vos para estudarmos os problemas nacionais e traçarmos em conseqüência destes estudos, os rumos definitivos de uma política salvadora. No entanto, quero frisar, com a maior veemência, que procede das profundas convicções espiritualistas inspiradoras do meu pensamento e da minha ação, o seguinte: fala-se de revolução, pedem-se revoluções; pois bem: façamos as que forem necessárias à justiça humana e à saúde da Pátria, mas não nos esqueçamos um instante sequer dos intangíveis direitos da pessoa humana. Peço-vos, senhores, que havendo de reformar, de modificar, de revolucionar, tudo façais se assim vos ditar vossa consciência; mas por favor, meus amigos, não toquemos no Homem”[2].
E acrescentou, de forma apaixonada, o autor de “O estrangeiro”: “O Homem é livre, Deus o fez livre e responsável, e o seu maior tesouro é a sua liberdade, a intangível expressão da sua própria consciência, o caráter que imprime ao que faz e ao que possui, o escudo com que se defende do arbítrio do Estado e da Coletividade e é constituído pelo grupos naturais em que se integra. Assim, repito-vos: não toquemos no Homem e na sua Liberdade”[3].
Ainda nesta reunião, havendo terminado de ler a longa exposição iniciada pelas linhas que acabo de transcrever, Plínio Salgado apresentou os nove princípios básicos da SEP, por ele anteriormente redigidos e que cabe aqui reproduzir:
“- Somos pela unidade da Nação.
- Somos pela expressão de todas as suas forças produtoras no Estado.
- Somos pela implantação do princípio da autoridade, desde que ele traduza forças reais e diretas dos agentes da produção material, intelectual e da expressão moral do nosso povo.
- Somos pela consulta das tradições históricas e das circunstâncias geográficas, climatéricas e econômicas que distinguem nosso país.
- Somos por um programa de coordenação de todas as classes produtoras.
- Somos por um ideal de justiça humana, que realize o máximo de aproveitamento dos meios de produção, em benefício de todos, sem atentar contra o princípio da propriedade, ferido tanto pelo socialismo, como pelo democratismo, nas expressões que aquele dá à coletividade e este ao indivíduo.
- Somos contrários a toda tirania exercida pelo Estado contra o Indivíduo e as suas projeções morais; somos contra a tirania dos Indivíduos contra a ação do Estado e os superiores interesses da Nação.
- Somos contrários a todas as doutrinas que pretendem criar privilégios de raças, de classes, de indivíduos, grupos financeiros ou partidários, mantenedores de oligarquias econômicas ou políticas.
- Somos pela afirmação do pensamento político brasileiro baseado nas realidades da terra, nas circunstâncias do mundo contemporâneo, nas superiores finalidades do Homem e no aproveitamento das conquistas científicas e técnicas do nosso século”[4].
Reuniam-se diariamente as comissões e subcomissões da SEP, que eram organizadas de acordo com as vocações pessoais de cada um dos associados e consoante as categorias dos assuntos: Filosofia, Sociologia, História, Geografia, Literatura, Arte, Economia e Finanças, Pedagogia, Direito Público, Medicina Social[5]. Ademais, eram realizadas sessões plenárias duas ou três vezes por semana.
Na SEP eram estudadas as obras de pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Euclides da Cunha, Oliveira Lima, Oliveira Vianna, Jackson de Figueiredo, Joaquim Nabuco, Tavares Bastos, Calógeras, Alberto e Octavio de Faria, Tristão de Athayde, Conde de Afonso Celso, Graça Aranha e outros, bem como as de autores europeus como os italianos Giovanni Gentile e Alfredo Rocco e o português António Sardinha, maior pensador tradicionalista de seu país e principal líder do movimento patriótico, nacionalista, tradicionalista e monárquico a que chamamos Integralismo Lusitano.
A 06 de maio de 1932, Plínio Salgado propôs a criação de uma seção cujo fim seria o de difundir, em todas as classes sociais, o programa político regenerador da SEP. Tal seção chamar-se-ia Ação Integralista Brasileira.
Foi nomeada, então, uma comissão encarregada da elaboração do Manifesto a ser lançado ao povo, sendo tal comissão constituída por Mota Filho, Almeida Camargo, Ataliba Nogueira e Plínio Salgado, este último designado relator.
Aos 23 dias daquele mês, uma turba enfurecida empastelou e incendiou o jornal A Razão, que por ser um órgão de doutrinação nacionalista, opondo-se, outrossim, a qualquer regionalismo desagregador e, ainda, por ter a consciência de que São Paulo não poderia derrotar em armas a ditadura varguista, foi julgado injustamente como adversário da constitucionalização do Brasil. Terminava, assim, a curta porém gloriosa história do jornal que, graças a Plínio Salgado, se tornara em pouco tempo – na expressão de Virgínio Santa Rosa – o mais perfeito e elevado de quantos hajam sido fundados no Brasil[6]. Fora naquele matutino – que tivera como colaboradores intelectuais do porte de San Tiago Dantas, João Carlos Fairbanks, Silveira Peixoto, Mário Graciotti, Nuto e Leopoldo Sant’Anna, dentre outros de igual ou um pouco menor estatura – que Plínio Salgado revelara – através de seu artigo de abertura diário, intitulado Nota Política e lido com entusiasmo em todo o País e mesmo fora dele – o notável sociólogo que vivia embuçado no igualmente notável romancista, sendo saudado por Tristão de Athayde como a maior revelação do ano[7].
Após empastelar e incendiar as oficinas de A Razão, a multidão dirigiu-se à sede da Legião Revolucionária de São Paulo, cujo Manifesto – magnífico, aliás, como reconheceram Oliveira Vianna, Tristão de Athayde, Octavio de Faria, Azevedo Amaral e tantos outros – fora redigido por Plínio Salgado, que logo se afastara da Legião justamente por vê-la se distanciar das diretrizes por ele traçadas naquele Manifesto.
Ao tentar invadir a sede da Legião Revolucionária, a multidão foi recebida a bala, sendo que a chegada dos homens da Força Pública só fez recrudescer a luta, que culminou em dezenas de feridos e na morte dos estudantes Mário MARTINS de Almeida, Euclides Bueno MIRAGAIA, DRÁUSIO Marcondes de Sousa e Antônio Américo de CAMARGO, cujas iniciais dos nomes pelos quais eram mais conhecidos formaram a famosa sigla MMDC, que acabou por se tornar o nome do principal movimento pela constitucionalização do Brasil.
Como observa Sérgio de Vasconcellos, do incêndio criminoso que destruiu o diário “A Razão” escaparam, “milagrosamente incólumes, uma mesa e uma estante, justamente as que abrigavam os fichários e arquivos da S.E.P. e da Ação Integralista Brasileira”, de modo que Plínio Salgado pode prosseguir em “sua obra de arregimentação das novas inteligências brasileiras”[8].
Em junho, a SEP realizou - segundo Plínio Salgado – duas reuniões, sendo que na primeira delas Plínio leu o anteprojeto de seu Manifesto, havendo ficado deliberado que se tirariam dele diversas cópias a serem distribuídas entre os associados da SEP, a fim de que estes sugerissem a ele reparos, emendas ou acréscimos a serem discutidos.
Na segunda reunião de junho, o Manifesto – que fora redigido por Plínio ao longo de maio, “mês inolvidável” de seus padecimentos, em virtude do empastelamento e incêndio de “A Razão”[9] - foi aprovado, praticamente sem modificações. Estavam São Paulo e o Brasil, porém, às vésperas da inevitável guerra fratricida, de modo que Cândido Mota Filho sugeriu, prudentemente, o adiamento da publicação do Manifesto para momento mais oportuno.
De fato, poucos dias mais tarde, mais precisamente a 09 de julho, estourou a Revolução Constitucionalista, que – a despeito de toda a bravura dos paulistas e demais brasileiros que lutaram pela reconstitucionalização do Brasil – terminou com a inevitável derrota militar das forças constitucionalistas, a 02 de outubro daquele ano, com a assinatura do armistício na cidade valparaibana de Cruzeiro.
Uma vez terminada a Revolução, chegou-se à conclusão de que era finalmente chegado o momento de imprimir e divulgar o Manifesto, que, uma vez impresso, foi distribuído a 07 de outubro de 1932, tornando-se, assim, conhecido como “Manifesto de Outubro”, a despeito de haver sido redigido em maio e aprovado em junho.
Para terminar a presente exposição, julgo oportuno transcrever os três derradeiros parágrafos de meu artigo referente aos setenta e cinco anos do Manifesto que criou, oficialmente, a Ação Integralista Brasileira:
“O ‘Manifesto de Outubro’ é inspirado, antes de tudo, nos ensinamentos perenes do Evangelho, na Doutrina Social da Igreja, nas lições de grandes pensadores nacionais como Alberto Torres, Farias Brito, Jackson de Figueiredo, Euclides da Cunha, Tavares Bastos, Joaquim Nabuco, Oliveira Vianna, Oliveira Lima e Graça Aranha, nas campanhas cívicas e poesias patrióticas de Olavo Bilac e nos igualmente patrióticos poemas de Gonçalves Dias, Castro Alves e outros.
Às concepções unilaterais do liberalismo e do comunismo, Plínio Salgado opõe, no Manifesto de Outubro, a concepção integral do Universo e do Homem. Á liberal-democracia, ou democracia inorgânica, opõe ele a Democracia Integral, ou Democracia Orgânica. Em oposição à visão simplista segundo a qual Autoridade e Liberdade seriam termos antitéticos, defende ele a revalorização da primeira, pressuposto para a existência da verdadeira Liberdade. Contra a luta de classes pugna ele, à luz das encíclicas ‘Rerum novarum’ e ‘Quadragesimo anno’, pela Harmonia Social. Em face do falso nacionalismo propõe o nacionalismo sadio, justo e equilibrado, tendente ao universalismo. Contra as teorias racistas importadas da Europa e dos EUA por nossa burguesia, prega a Harmonia Étnica e a valorização ‘do caboclo e do negro de nossa terra’. E, por fim, em face dos modelos totalitário e individualista de Estado, sustenta o Estado Integral, o Estado Ético, a um só tempo antitotalitário e antiindividualista, que não é princípio e nem fim e se caracteriza, acima de tudo, pelo respeito à intangibilidade da Pessoa Humana e de seu Livre-Arbítrio.
A mensagem do Manifesto de Outubro espalhou-se, como um rastilho de pólvora, por todo o Brasil; centenas de milhares de brasileiros de todos os credos, etnias e classes sociais ingressaram na Ação Integralista Brasileira, que configurou-se como o primeiro ‘movimento de massas’ e o primeiro partido nacional do Brasil, reunindo, inclusive, centenas de intelectuais da mais alta projeção, que fizeram do Integralismo o ‘mais fascinante grupo da inteligência do País’, no dizer de Gerardo Mello Mourão. Dentre estes intelectuais, destacam-se - além do próprio Plínio e de Gerardo Mello Mourão - Miguel Reale, Gustavo Barroso, Goffredo Telles Junior e seu irmão Ignacio da Silva Telles, Alfredo Buzaid, San Tiago Dantas, Câmara Cascudo, Tasso da Silveira, Adonias Filho, Herbert Parentes Fortes, Olbiano de Melo, Raymundo Padilha, Hélder Câmara, Madeira de Freitas, Rubem Nogueira, Hélio Vianna, Ernani Silva Bruno, Américo Jacobina Lacombe, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Lúcio José dos Santos, Alcibíades Delamare, Guerreiro Ramos, Rosalina Coelho Lisboa e inúmeros outros não menos ilustres”[10].


NOTAS:

[1] Mário Graciotti, “Os deuses governam o mundo”, São Paulo, Nova Época Editorial, 1980, p. 253.
[2] In Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, in “Enciclopédia do Integralismo”, vol. I, Rio de Janeiro, Edições GRD/Livraria Clássica Brasileira, s/d, pp. 144-145.
[3] Idem, p. 145.
[4] In “Plínio Salgado” (obra coletiva), 4ª ed., São Paulo, Edição da Revista Panorama, 1937, p. 35.
[5] Idem, loc. cit..
[6] Virgínio Santa Rosa, in “Plínio Salgado”, op. cit., p. 73.
[7] Idem, loc. cit..
[8] Sérgio de Vasconcellos, “Apêndice histórico sobre o Manifesto de Outubro”. Disponível em http://www.integralismo.org.br/novo/?cont=75&vis=. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.
[9] Plínio Salgado, “O Integralismo na vida brasileira”, op. cit., p. 146.
[10] Victor Emanuel Vilela Barbuy, “75 anos do Manifesto de Outubro”, in “O Município”, São João da Boa Vista, 06/10/2007. Também disponível em: http://cristianismopatriotismoenacionalismo.blogspot.com/2007/10/75-anos-do-manifesto-de-outubro.html. Acesso em 22 de fevereiro de 2008.

Tuesday, January 22, 2008

Cento e treze anos de Plínio Salgado


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy


Há cento e treze anos, no dia 22 de janeiro de 1895, nasceu, na bucólica, pacata, acolhedora e tradicional cidadezinha serrana de São Bento do Sapucaí, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais, um dos maiores e mais injustiçados homens de pensamento e ação deste País: Plínio Salgado.
Pensador, escritor, romancista, poeta, jornalista, filósofo, ensaísta, historiador, sociólogo, político e orador dos mais amplos recursos, Plínio Salgado foi, sem sombra de dúvida, o maior doutrinador cristão, patriótico e nacionalista do Brasil, nos legando atualíssimas lições de Cristianismo, de tradicionalismo, civismo, democracia e dos mais sadios, justos, equilibrados e construtivos patriotismo e nacionalismo.
Maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de José Pedro Galvão de Sousa, na opinião do brilhante jusfilósofo espanhol Francisco Elías de Tejada y Spínola, Plínio nos legou obras religiosas da envergadura de “Primeiro, Cristo!”, “A Aliança do sim e do não” e de “Vida de Jesus”, que é “a jóia de uma literatura”, no dizer do Pe. Leonel Franca, havendo sido traduzida para diferentes idiomas e recebido os mais merecidos elogios da parte de diversos dos mais ínclitos escritores, críticos literários, religiosos e pensadores católicos d’aquém e d’além mar.
Os romances sociais em prosa modernista da lavra de Plínio Salgado, em especial o primeiro deles, “O estrangeiro”, receberam os maiores e mais justos elogios, ao longo das décadas, da parte de dezenas dos mais abalizados escritores e críticos literários do País e do exterior, de Monteiro Lobato a Wilson Martins, de Menotti Del Picchia a Tristão de Athayde, de Cassiano Ricardo a Jackson de Figueiredo, de Tasso da Silveira a Agripino Grieco, de Afrânio Peixoto a Amândio César, de Augusto Frederico Schmidt a Brito Broca, de Cândido Mota Filho a Augusta Garcia Rocha Dorea, de José Américo de Almeida a Fernando Whitaker da Cunha...
Outro romance de sua autoria é “A voz do Oeste”, poema em prosa ambientado no tempo dos bandeirantes e que configurou-se, segundo Juscelino Kubitschek, no “grito” que preparou a edificação de Brasília.
Se o tempo não me fosse tão escasso, trataria das grandes obras políticas e filosóficas de Plínio Salgado, que contêm páginas de impressionante atualidade, conforme observado por Miguel Reale, Gerardo Mello Mourão e tantos outros tão ilustres quanto estes ou um pouco menos.
Não cabe tratar aqui a respeito do Integralismo, o tão denegrido movimento cívico-político fundado por Plínio Salgado e que se configurou no primeiro “movimento de massas” da História do Brasil e no “mais fascinante grupo da inteligência do País”, no dizer de Gerardo Mello Mourão, reunindo dezenas e dezenas de intelectuais da mais alta envergadura, de Miguel Reale a Câmara Cascudo, de Gustavo Barroso a Goffredo Telles Junior e seu irmão, Ignacio da Silva Telles, de Alfredo Buzaid a San Tiago Dantas, de Adonias Filho a Hélder Câmara, de Tasso da Silveira a Gerardo Mello Mourão, de Augusto Frederico Schmidt a Guerreiro Ramos, de Dantas Mota a Rosalina Coelho Lisboa...
Sei – como sabia o Prof. Miguel Reale, ao escrever seu artigo intitulado “O centenário de Plínio Salgado” e publicado em “O Estado de S. Paulo” a 25 de fevereiro de 1995 – que meu pronunciamento não será capaz de fazer justiça ao grande brasileiro e paulista que foi Plínio Salgado, posto que só o tempo o fará. Mas também sei – como o saudoso autor de “O Estado Moderno” e de “Horizontes do Direito e da História” – que Plínio Salgado, assim como o Tenente Siqueira Campos, de quem era sincero admirador, sempre considerou que da Pátria nada se deve esperar, nem mesmo compreensão. E me resta o consolo de que o nome de Plínio Salgado, como afirmou Juscelino Kubitschek, perpetuar-se-á, “como um símbolo iluminando o futuro”.

Thursday, January 10, 2008

Heraldo Barbuy


Por Victor Emanuel Vilela Barbuy

Neste dia 09 de janeiro completam-se vinte e nove anos do falecimento de Heraldo Barbuy, brilhante professor, pensador, filósofo, sociólogo, historiador, jornalista, conferencista, orador e tradutor infelizmente tão desconhecido das novas gerações.
Nascido em São Paulo, no ano de 1913, era filho de Hermógenes Barbuy e de Maria Chinaglia Barbuy aquele que foi - no dizer de Paulo Bomfim, o poeta da Terra Bandeirante - um “cruzeiro estelar” que a todos guiou "através do mar tenebroso destes dias”. A seu lado, o autor de “Transfiguração” e muitos outros homens de pensamento contornaram o “Cabo das Tormentas” e rumaram “para as Índias secretas do pensamento e da beleza”. Barbuy, “último cruzado num mundo onde os homens se mecanizam e as máquinas se espiritualizam”, conduzido - como lembra o poeta de "Armorial" - pelas “paixões e por sua vontade de acertar, caminhou da trapa ao ceticismo, do ceticismo a São Tomás, de Santo Tomás a Heidegger”.
Heraldo - como observou Gilberto de Mello Kujawsky - foi sempre fiel ao nome, que significa arauto, uma vez que jamais deixou de ser o portador da palavra e de seu poder espiritual. "Não da palavra oca e sonora, e sim da palavra repassada de pensamento e sentido, 'logos'”. O autor de “Fernando Pessoa, o outro” - que se considera devedor de Barbuy pela revelação que este fez, a ele e a tantos outros, “da vida como missão de grandeza, da cultura como criadora de sentido, da história como fonte da realidade, da poesia e da mística como iniciação ao êxtase” - evocou o “assombroso poder verbal” com que Heraldo Barbuy “familiarizava imediatamente os ouvintes" com os temas por ele focalizados nas salas de aula, nos salões de conferências, no rádio, na televisão, ou nas simples conversas entre amigos.
Heraldo Barbuy, “personalidade marcante de fulgurante inteligência e de soberbas virtudes humanas”, no dizer do pensador humanista Jessy Santos, foi, ainda segundo as palavras de Jessy, um “católico fervoroso”, “um homem religioso no sentido mais autêntico do termo” e “um pai de família extremado em zelos". Proferiu diversas conferências magníficas e foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Filosofia, colaborando na “Revista Brasileira de Filosofia”, de cujo conselho de redação foi membro. Colaborou também na revista e no jornal “Reconquista”, periódicos tradicionalistas dirigidos respectivamente por José Pedro Galvão de Sousa e Clovis Lema Garcia, em revistas como "Clima", da qual foi um dos fundadores, "Diálogo", "Convivium" e "Problemas Brasileiros" e em jornais como "Correio Paulistano", "O Estado de S. Paulo", "A Gazeta" e "Folha da Manhã”. Foi, ainda, redator da "Revista da Universidade de São Paulo" e do jornal "A Notícia", de Joinville, Santa Catarina.
Como professor, Heraldo Barbuy lecionou disciplinas como História, Francês, Literatura Francesa e Sociologia Econômica nos colégios Bandeirantes, Pan-americano e Rio Branco, na Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, na Faculdade de Jornalismo Cásper Líbero, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo e na Fundação Armando Álvares Penteado.
Barbuy - aquele “homem da 'Floresta Negra', ser cósmico” que rumou "para a morte lendo Novalis, Hoelderlin e Rilke, ouvindo Beethoven, Wagner, Richard Strauss e Carl Orff”, no dizer de Paulo Bomfim - nos legou ensaios filosóficos do quilate de “O problema do ser” (1950) e “Marxismo e Religião” (1963). Nesta última obra, demonstrou o Mestre que o marxismo constitui, antes e acima de tudo, uma heresia do Cristianismo, sendo a concepção marxista do Homem não mais do que “a degenerescência da concepção cristã do Homem”.
Na década de 1980, a editora Convívio, dirigida por Adolpho Crippa, publicou uma antologia de Heraldo Barbuy intitulada "O problema do ser e outros ensaios".
E por falar em antologia, Gumercindo Rocha Dorea, este incansável editor - que figura ao lado de José Olympio e de Augusto Frederico Schmidt como o maior descobridor de vultos de nossa Literatura e que praticamente inaugurou o gênero ficção científica no Brasil - deve lançar, ainda neste ano de 2008, uma antologia de cem páginas do Prof. Heraldo Barbuy organizada pela viúva deste, a Profa. Belkiss Silveira Barbuy, autora de "Nietzsche e o Cristianismo", obra em que é analisada a posição do autor de "Assim falava Zaratustra" em face da Doutrina Cristã e que também foi publicada pela GRD.
É importante recordar, entretanto, que a obra de Heraldo Barbuy, em que pese toda a sua grandeza, como observa o Prof. José Pedro Galvão de Sousa - o maior pensador tradicionalista do Brasil ao lado de Plínio Salgado, na abalizada opinião de Francisco Elías de Tejada y Spínola - “ficou muito longe de esgotar o tesouro das reflexões que ao longo dos anos ele foi acumulando sobre os grandes problemas da existência e do destino do homem”, sendo que “os que tiveram a ventura de conhecê-lo de perto e de privar de seu convívio bem sabem quanto o conteúdo do seu riquíssimo mundo interior ultrapassou a dimensão dos escritos legados por ele à posteridade”.