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Ribeiro Couto envergando o fardão da Academia Brasileira de Letras |
Por Victor
Emanuel Vilela Barbuy
Nas linhas finais da segunda parte do presente
ensaio, publicada na última edição deste jornal, observamos que, no ano de
1924, Rui Ribeiro Couto, já então noivo de D. Ana Jacinta Pereira, natural de
São Bento do Sapucaí, deixou esta bucólica cidadezinha montanhesa, onde fora
Delegado de Polícia, indo para o Município de Cunha, também na região do Vale
do Paraíba, onde, entre março e abril daquele ano, igualmente ocupou o cargo de
Delegado. Em seguida, conforme igualmente fizemos notar no final da primeira
parte deste ensaio, foi o fino poeta de O
jardim das confidências e magistral contista de A casa do gato cinzento nomeado Promotor de Justiça em São José do
Barreiro, também no Vale do Paraíba.
Ainda conforme assinalamos nas derradeiras linhas
da segunda parte deste trabalho, a passagem de Ribeiro Couto pela antiga e
pacata cidadezinha de São José do Barreiro, uma das “cidades mortas” valeparaibanas
de que nos falou Monteiro Lobato,[i]
proporcionou ao autor de Poemetos de
ternura e de melancolia, como sublinhou Milton Teixeira, originais
acontecimentos, que inspiraram novos poemas, contos e crônicas.[ii]
Dentre os poemas, destacamos aqueles que compõem a terceira parte da obra Um homem na multidão, intitulada, com
efeito, São José do Barreiro, e
também os versos da obra Província,
que, embora escritos em Pouso Alto, no interior de Minas Gerais, entre os anos
de 1926 e 1928, falam todos do município valeparaibano de São José do Barreiro.
Transcrevemos, no final da segunda parte deste
ensaio, alguns trechos da terceira parte de Um
homem na multidão, nos quais podemos ver toda a singeleza e a musicalidade
da poesia de Ribeiro Couto, singeleza e musicalidade que dele fazem, com
efeito, um dos maiores poetas brasileiros.
Pouco depois dos trechos por nós citados na segunda
parte do presente trabalho, havendo falado do cantar dos ventos nos bambuais em
frente à sua janela, das gargalhadas de joão-de-barro que estridulavam nos
“arvoredos da vizinhança”, das negras pobres que conversavam enquanto batiam
roupa “nas lajes do ribeirão”, em cujas margens corriam meninos nus, e dos
“gansos fanhosos” que se perseguiam “na paisagem queimada de sol”,[iii]
assim concluiu Ribeiro Couto seus versos sobre São José do Barreiro:
VII
Minha casa
é pequena e velha./ Na calçada de pedras, em torno dela,/ Viçam matos
parasitários./ As janelinhas são quadradas./ Em frente, além de uns terrenos
baldios,/ Uma chácara se esconde entre arvoredos./ E atrás é a serra, muralha
azul./ Os fundos da igreja são ali perto./ Há repiques de sino ao cair da
noite./ As moças cantam rezas, sem o padre,/ Que vem apenas duas vezes por
mês./ A rua desemboca no caminho de Areias./ Estalam patas no solo duro:/ Passam
caboclos de ar triste,/ Bambos nos cavalinhos trotões.
VIII
Nas ruas
arenosas e estreitas/ Os lampiões mortiços adormecem./ A luz elétrica é
vermelha e pobre como a do querosene./ Há manchas brancas de muros velhos./ Com
massas escuras de arvoredo a emergir dos quintais./ No largo da igreja brincam
crianças./ Vêm das estradas, à boca dos campos,/ Alaridos de cachorros nas
chácaras./ Debruçado no parapeito da ponte/ Um vulto olha o rio./ A lua
reflete-se nas águas.[iv]
Em princípios da década de 1940, publicou Ribeiro
Couto, no jornal A Manhã, do Rio de
Janeiro, a crônica Negro forro,[v]
na qual falou de um velho negro, ex-escravo, por nome de Samuel, a quem
conhecera em São José do Barreiro, quando lá ocupava o cargo de Promotor Público,
e que aparecera, com o nome de João Nagô, em poema do livro Província que ora transcreveremos:
JOÂO NAGÔ
Preto velho, tua mão/ Era trêmula, doente,/
E teus pés, pesadamente,/ Se arrastavam pelo chão./ Ia longe o tempo mau:/
Capitães, matos, cafuas/ E umas negras carnes nuas/ A sangrar no bacalhau./ Ao
morreres tinhas fé/ Em que Deus te deixaria/ Ir ao Céu no mesmo dia/ Ver a
Princesa Isabé.[vi]
Muitos são os poemas de Província que mereceriam ser aqui transcritos, mas, por questão de
tempo e de espaço, transcreveremos apenas mais um, que reputamos ser um dos
mais simples e belos da aludida obra do ilustre poeta santista:
DOMINGO
O sino repica chamando todos à missa./ A
neblina enche todo o vale,/ Cobre os telhados, apaga as árvores./ Os caboclos
descem da serra para a cidade/ Em cavalinhos que põem fumaça pelas narinas./ O
Largo da Matriz está enfeitado de bambus/ Com fios mortos de bandeirinhas de
papel./ Restos carbonizados de fogueiras/ Jazem à toa, entre foguetes caídos./
Ontem foi dia de Santo Antônio./ Passam mulheres para o mercado/ Levando
meninos que choramingam/ Porque sujaram a roupa nova.[vii]
Em março de 1925, Ribeiro Couto casou-se com D. Ana
Pereira, a Donana do Largo da Matriz de São Bento do Sapucaí, imortalizada,
como observamos na segunda parte deste ensaio, no magnífico conto Largo da Matriz, que, publicado em 1940,
é, sem dúvida alguma, um dos mais belos e tocantes contos de nosso idioma.
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O Largo da Matriz de São José do Barreiro em princípios do século XX |
Ainda em 1925, Ribeiro Couto e a esposa se mudaram
para o município mineiro de Pouso Alto, na Serra da Mantiqueira, onde o
escritor foi Promotor de Justiça até o ano de 1928 e em que, em fins de 1925 ou
princípios de 1926, deu, na pequena casa que alugara, ao lado de um ribeirão,
um histórico jantar de que participaram, além dele próprio, os poetas Manuel
Bandeira, então hospedado em sua residência, e Carlos Drummond de Andrade.
Em 1926, foi publicada a obra Um homem na multidão, que mereceu dois longos e elogiosos estudos
de Mário de Andrade, ambos publicados no jornal carioca A Manhã. Este diário, dirigido por Mário Rodrigues, pai do então
futuro escritor Nelson Rodrigues, não se confunde com o jornal de mesmo nome,
também carioca, fundado em 1941 pelo poeta e ensaísta Cassiano Ricardo, aliás,
valeparaibano de São José dos Campos. Foi neste último periódico, de orientação
nacionalista, que Ribeiro Couto publicou, no início da década de 1940, suas
mais belas crônicas.
No ano de 1927, foram dados à estampa dois volumes
de contos de Ribeiro Couto, intitulados O
crime do estudante Batista e Baianinha
e outras mulheres. Este último volume deu ao autor santista o Prêmio de
Contos da Academia Brasileira de Letras e em ambas as obras já se revela o
escritor um dos maiores contistas do País e do idioma.
Em 1928, ano da publicação de suas Canções de Amor, entre as quais se
encontra, como vimos na primeira parte do presente estudo, a belíssima Canção de Campos do Jordão, partiu
Ribeiro Couto para a França em companhia da esposa, uma vez que fora designado
para trabalhar como auxiliar no Consulado Geral do Brasil em Marselha, onde
tornar-se-ia também Vice-Cônsul Honorário.
Em 1931, foi o escritor transferido para Paris,
onde serviu como adido junto ao Consulado Geral do Brasil. Por essa época, foi
nomeado Cônsul de terceira classe, ingressando formalmente na carreira
diplomática.
Em fins do ano de 1931, quando o escritor residia
na capital francesa, foi publicado o romance Cabocla, que teve considerável sucesso tanto em matéria de público
quanto em matéria de crítica. Escrita em Marselha no ano anterior, esta obra,
segundo o autor “um desabafo de saudade e, talvez, de angústia”,[viii]
embora ambientada no interior do Espírito Santo e, em parte, no Rio de Janeiro,
está cheia de reminiscências e saudades que o romancista tinha dos tempos
vividos na região do Vale do Paraíba.
Em Cabocla,
inegavelmente um dos mais belos romances campestres da Literatura Brasileira, Ribeiro
Couto, “grande poeta no verso e na prosa”, no dizer de João de Barros,[ix]
deu-nos, ainda nas palavras do poeta e publicista português, “um livro que poucos,
pouquíssimos escritores nos poderiam dar com igual e tão penetrante e
comunicativo fervor:- o romance do ambiente do Brasil rústico, do Brasil
tradicional e íntimo, raiz indestrutível do complexo e prodigioso Brasil de
hoje e de amanhã”.[x]
Noutras palavras, em tal romance o autor atingiu plenamente seu objetivo de dar
ao público uma obra que fosse um “espelho” da “terra nacional”,[xi]
ou, em outros termos, do Brasil Profundo, Autêntico e Verdadeiro.
Em 1932, Ribeiro Couto retornou ao Brasil, passando
a trabalhar no Ministério das Relações Exteriores, no Palácio do Itamaraty, no
Rio de Janeiro, e, também na redação do Jornal
do Brasil, então dirigido por Barbosa Lima Sobrinho. Havendo trabalhado até
o ano de 1935 neste prestigioso órgão de nossa imprensa, do qual fora
correspondente no período em que residira na França, ali publicou o autor de Cabocla diversos artigos admiráveis.
Durante os conturbados dias da Revolução
Constitucionalista, escreveu Ribeiro Couto um pequeno ensaio intitulado Espírito de São Paulo e publicado no Rio
de Janeiro pelo poeta e editor Augusto Frederico Schmidt. Em tal ensaio,
demonstrou o escritor e diplomata santista que o Alçamento de 09 de Julho de
1932 não era um levante de natureza separatista e ressaltou que foi São Paulo,
“na crônica remota, como nos seus dias do Império e da República, uma
afirmação”, sem medo e sem mácula, “de brasilidade inteligente, de vontade
construtora, de amor à ordem e à cultura”.[xii]
Segundo o homem de letras e diplomata paulista, “o espírito de São Paulo,
atento a todas as manifestações da vida nacional, não o arrastará nunca ao
isolamento, mas sempre a uma preocupação sempre maior do bem do Brasil,” e a
vitalidade da Terra Bandeirante “esteve sempre, estará sempre a serviço do
país”. Daí resultar a acusação de separatismo lançada contra São Paulo, quando
não de má-fé, de um completo desconhecimento das condições em que São Paulo se
desenvolvia havia quatro séculos.[xiii]
Foi durante o tempo em que residiu no Rio de
Janeiro, trabalhando no Palácio do Itamaraty e na redação do Jornal do Brasil, que Ribeiro Couto
ingressou na Ação Integralista Brasileira, como observamos na segunda parte
deste estudo.
Em entrevista concedida, em meados da década de
1930, ao Diário de Notícias, de
Lisboa, e parcialmente transcrita por Milton Teixeira em Ribeiro Couto, ainda ausente, o autor de O jardim das confidências proclamou que os integralistas, entre os
quais se incluía, queriam “o Brasil integrado na tradição, dentro dos moldes do
Império”, combatendo o federalismo de estilo estadunidense, importado em nosso
País pela Constituição de 1891. Em seguida, defendeu o Estado Corporativo e a
denominada Democracia Orgânica, condenando a liberal-democracia, que, em seu
sentir, representaria, em última análise, uma “ditadura de simples
manipuladores de forças eleitorais”.[xiv]
Ainda segundo observou o escritor patrício na
referida entrevista, os integralistas queriam “estabelecer um clima nacional
consciente, fortificar o espírito unitário do país e convencer a Nação de que
as soluções integralistas são as únicas capazes de defender os princípios de
tradição e o espírito brasileiro, resolvendo, ao mesmo tempo, as questões
sociais”.[xv]
Concluiu Ribeiro Couto a referida entrevista
proclamando sua profunda admiração por Plínio Salgado, sobre quem, aliás,
escreveu, por essa mesma época, um pequeno porém magistral ensaio, intitulado O cavaleiro do Brasil Integral e
originalmente publicado no Jornal do
Brasil, tendo sido posteriormente transcrito em Plínio Salgado, obra de autoria coletiva lançada em 1936 pela
Companhia Editora Panorama, de São Paulo, e, mais recentemente, na revista Sei que vou por aqui!, editada na
Capital Paulista por Gumercindo Rocha Dorea. Em tal ensaio, fez o escritor
santista uma admirável síntese do pensamento político de Plínio Salgado, a quem
se referiu como o “cavaleiro do Brasil Integral” e o “apóstolo” que “desceu das
montanhas de São Bento do Sapucaí, a velha cidade colonial que repousa entre
verdes lavouras, num píncaro de serra, na Mantiqueira” e, consciente de que o Brasil
necessitava “de um vasto movimento revolucionário”, de “uma reconstrução
integral orientada por princípios filosóficos e uma exata observação da
realidade brasileira”, lançara o Movimento Integralista.[xvi]
Ainda no aludido
ensaio, declarou Ribeiro Couto sua adesão ao Integralismo, que era, em seu
entender, “uma ideia necessária” para o País, ressaltando que os integralistas
mobilizavam “as forças do espírito brasileiro” e estavam “com as portas
abertas” a todos aqueles que sentiam “a urgência de uma reconstrução total e
corajosa”.[xvii]
Em 1933, deu Ribeiro
Couto à estampa as obras poéticas Noroeste
e outros poemas do Brasil, de forte inspiração nacionalista, Província, que, como vimos, fala de São
José do Barreiro, e Correspondência de
família, esta última contendo versos seus e do poeta português Adolfo
Casais Monteiro, que, dois anos mais tarde, publicaria, pelas Edições Presença,
da cidade do Porto, o breve porém significativo ensaio A poesia de Ribeiro Couto.
Ainda no ano de 1933,
foi publicado, pela editora de Augusto Frederico Schmidt, o volume de contos,
ou, talvez, novelas intitulado Clube das
esposas enganadas.
Eleito membro da
Academia Brasileira de Letras a 28 de março de 1934, tomou o escritor, a 17 de
novembro daquele ano, posse da cadeira número 26 da chamada Casa de Machado de
Assis, cujo patrono é Laurindo Rabelo, tendo sido recebido por Laudelino
Freire.
Ainda em 1934, Ribeiro
Couto, que, no ano anterior, fora condecorado pelo governo português com o grau
de Cavaleiro da Ordem de São Tiago da Espada, foi promovido a Cônsul de segunda
classe, sendo lotado em Haia, na Holanda, como Segundo Secretário da Legação Brasileira.
Também em 1934, foram
publicados os livros Conversa inocente,
que contém algumas crônicas do escritor santista, e Presença de Santa Teresinha, ensaio sobre esta santa, de quem era
Ribeiro Couto devoto, como observamos na segunda parte deste estudo, e sua cidade
natal de Lisieux, que o poeta visitara no tempo em que residira na França. Tal
livro, que contém belas ilustrações de Portinari, seria mais tarde vertido para
o francês e publicado na França, assim como poemas e outras obras do autor, que
também teve obras traduzidas para o italiano, o sueco, o húngaro e o
servo-croata.
Nos decidimos a ler Presença de Santa Teresinha, obra que
muito nos tocou, depois de havermos lido as belas palavras que a poeta santista
Carolina Ramos proferiu sobre tal obra, no memorável discurso de posse na
cadeira número 30 da Academia Santista de Letras, cujo patrono é Ribeiro Couto.
Muito gostaríamos de citar ao menos algumas dessas inspiradas palavras, mas,
infelizmente, não encontramos, em nossa biblioteca, o pequeno volume que, sob o
título de Ribeiro Couto: vida e obra,
contém algumas das mais lindas páginas já escritas sobre o grande e olvidado
poeta da cidade de Brás Cubas.
Em 1935, foi o escritor
e diplomata santista agraciado pelo Papa Pio XI com o grau de Cavaleiro da
Ordem de São Gregório Magno. No mesmo ano, foi publicado o livro de viagens Chão de França, que contém a poética e
encantatória descrição de algumas das cidades e paisagens daquele país europeu.
Em 1939, Ribeiro Couto,
que perdera a mãe dois anos antes, publicou, em Lisboa, o magnífico Cancioneiro de Dom Afonso, dedicado ao
seu grande amigo Afonso Arinos de Mello Franco[xviii]
e à esposa deste, Anah.
No ano seguinte, o
autor de Baianinha e outras mulheres,
“mestre de contistas”, na justíssima expressão do escritor português Joaquim
Paço D’Arcos,[xix] deu
a lume seu último volume de contos inéditos, que não é outro senão o já aqui mencionado
Largo da Matriz. Tal obra é, em nosso
entender, no terreno do conto, a máxima obra de Ribeiro Couto, que, conforme
bem fez notar Herman Lima, foi, “com os seus contos de tão intenso lirismo e de
tão funda sensibilidade”, profundamente marcados “pelo teor poético”, um
autêntico “renovador do conto”, para isto tendo contribuído o fato de
“continuar poeta em tudo o que escreveu, prolongando-se nas suas narrações a
arte sutil de poeta penumbrista”.[xx]
Em 1941, foi publicado
o segundo e derradeiro romance de Ribeiro Couto, intitulado Prima Belinha e dedicado ao historiador
Hélio Vianna. Tal obra, cuja redação fora iniciada em Pouso Alto, Minas Gerais,
no ano de 1926, e concluída em Paris no ano de 1931, se ambienta entre o Sul de
Minas e o Rio de Janeiro e, escrita dentro do mesmo clima tradicionalista e
sadiamente nacionalista de Cabocla,
é, como este romance, um autêntico espelho do Brasil Profundo, Tradicional e
Verdadeiro.
Em 1943, foi dado a
lume o volume de versos Cancioneiro do
ausente, que contém alguns dos mais formosos poemas do autor de Poemetos de ternura e de melancolia. No
mesmo ano, o ilustre diplomata patrício, que, em 1941, fora Secretário da
Legação do Brasil à Conferência Regional do Prata, em Montevidéu, e, em 1942,
fora Delegado à 2ª Conferência Pan-Americana de Cooperação Intelectual,
realizada em Havana, Cuba, tornou-se encarregado dos Negócios do Brasil em
Lisboa. Nesta época, escreveu a belíssima obra poética Entre mar e rio, que seria publicada em 1952 e que, como escreveu
Milton Teixeira, “é um autêntico roteiro poético de Portugal”, no qual o poeta
“entrelaça Santos, sua terra natal”, com cidades do antigo Reino de Portugal,
“numa única mensagem de amor fraternal”.[xxi]
Em 1946, deixou Ribeiro
Couto o amado Portugal dos antepassados, indo para Genebra, na Suíça, na
condição de Cônsul-Geral do Brasil naquela cidade alpina, e, no ano seguinte, seguiu,
como Ministro Plenipotenciário, para Belgrado, na Iugoslávia, tendo sido
nomeado Embaixador do Brasil naquele país em 1952. Apesar de firmemente
contrário à ideologia comunista, tornou-se amigo do Marechal Tito, governante
daquele país, como antes, em Portugal, se tornara amigo de Salazar, estadista a
quem admirava e com quem possuía, evidentemente, mais afinidades do ponto de
vista político e doutrinário.
Em 1956, foi publicado
o volume de crônicas Barro do Município,
no qual, dentre outras crônicas, originalmente publicadas no Jornal do Brasil ou em A Manhã e algumas delas já citadas ao
longo deste estudo, se encontra a interessante crônica intitulada Província sentimental, em que o escritor
fala de uma “província natal independente e própria”, província do espírito, na
qual não nascera, mas em que sentira renascer, e que era composta de
territórios que ele mesmo juntara “por amor”. Tal província sentimental
abrangia as serras da Bocaina e de Cunha, “desde as praias de Parati”, descendo
“até o vale do Paraíba, entre Bananal e Taubaté”, subindo pela Mantiqueira e se
estendendo “por Minas em fora, entre Paraisópolis e Pouso Alto”.[xxii]
Em 1958, conquistou o
poeta santista, em Paris, pela coletânea de versos por ele mesmo vertida ao
francês e intitulada Le jour est long,
publicada naquele ano, o Prêmio Internacional de Poesia Les Amitiés Françaises, da Sociedade dos Poetas Franceses.
No ano de 1960, foram publicadas, pela José Olympio
Editora, do Rio de Janeiro, as Poesias
reunidas de Ribeiro Couto, saudadas com entusiasmo, dentre outros, por
Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt e Wilson Martins. Tal obra reúne a
maior parte das poesias até então publicadas pelo autor de Um homem na multidão, poeta maior, que, como escreveu Ledo Ivo,
“fecundado pela melodiosa lição” de Paul Verlaine, Albert Samain e António
Nobre, e “ainda a desse obscuro e fantasmal Marcelo Gama”, soubera “extrair da
noite, das solidões estreladas e do silêncio, a sua música pura”, em “plena
atmosfera solar e colorida do modernismo”.[xxiii]
Ainda em 1960, foi publicado o livro Sentimento lusitano, que contém diversos
ensaios admiráveis, a exemplo de A
mensagem do lusíada António Nobre e de Lugares
comuns de um admirador brasileiro de Eça de Queiroz.
No ano seguinte, lançou o poeta seu último volume de
versos publicado em vida, intitulado Longe
e dedicado, como vimos na segunda parte deste estudo, à sua esposa Ana, ou
Menina, como a chamava, “junto ao rio Sapucaí, na serra da Mantiqueira”. Deste
livro, um dos mais belos, sem dúvida alguma, que saíram da inspirada pena do
grande escritor patrício, julgamos interessante evocar, além dos poemas a que
nos referimos na segunda parte deste trabalho, o poema Biografia, que fala, dentre outras coisas, dos pinheirais e do bom
ar de Campos do Jordão:
BIOGRAFIA
Porto natal, grandes navios de antigamente,/
Ambição de saber do que havia por diante,/ Cismas do menino, planos do
adolescente,/ Nada durou mais que um instante./ Depois os pinheirais, o ar bom
para o doente,/ A montanha embalando a cadeira de cura/ E enfim de novo o mar
no litoral ardente./ Anos de força, andanças da aventura,/ O mundo! E uma
canção já com voz diferente,/ O escurecer do céu na tarde que não dura./ Agora
a pedra e o nome em três letras. Em breve,/ Chuvas virão. Água do tempo tudo
lava./ A inscrição não será mais do que um rasto leve/ E não se saberá o que a
pedra lembrava.[xxiv]
Em 1999, foi publicado, postumamente, o último livro
poético de Ribeiro Couto, Adeuses,
precedido pelo estudo Ribeiro Couto e Afonso Arinos, de Afonso Arinos,
filho, prefaciado por Antonio Olinto, e de uma apresentação escrita pelo autor
do mencionado estudo. Adeuses se
inicia com um belíssimo poema no qual o autor de O jardim das confidências evoca os jardins brumosos, nostálgicos e
crepusculares de seus juvenis versos penumbristas e outoniços, observando que
neles, além da espessa “névoa simbolista” havia claros “mármores parnasianos”,
que “de ninguém estavam à vista”, sob o nevoento “céu de Bruges-a-Morta”.[xxv]
Em 1963, Ribeiro Couto, quase cego, aposentou-se da
carreira diplomática, saindo de Belgrado e indo para Paris, onde faleceu a 30
de maio do mesmo ano, no Hospital Lariboisière, vítima de um infarto do
miocárdio, longe da cidade de Santos, onde nascera, e da região do Vale do
Paraíba, em que sentira renascer. Tempos antes, escrevera o poeta ao escritor e
advogado Genésio Pereira Filho, natural de São Bento do Sapucaí e seu sobrinho
por afinidade, assim como de Plínio Salgado, e primo em primeiro grau da
escritora Benedicta Rezende, mais conhecida pelo pseudônimo de Eugênia Sereno,
uma carta em que manifestara o desejo de voltar para o Brasil e passar os
últimos dias de sua vida em Campos do Jordão.[xxvi]
Já havendo nos estendido além daquilo que
deveríamos, encerramos aqui o presente ensaio em homenagem ao exemplar
diplomata e brilhante e criminosamente esquecido poeta, contista, cronista,
romancista, ensaísta e jornalista patrício Rui Ribeiro Couto, um dos máximos
vultos da Literatura Pátria, e à sua e nossa tão amada região do Vale do
Paraíba.
Campos do Jordão, São Bento do Sapucaí e São Paulo,
julho-novembro de 2014.
* Artigo originalmente publicado no jornal O Lince, de Aparecida-SP (nova fase, ano 8, número 60,
Aparecida-SP, novembro-dezembro de 2014, pp. 5-7.
[i] Cidades
mortas: contos e impressões, 1ª edição, São Paulo, Revista do Brasil, 1919.
[ii]Ribeiro
Couto, ainda ausente, São
Paulo, Editora do Escritor, 1982, p. 126.
[iii] Um
homem na multidão, 2ª edição, in Poesias
reunidas, Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1960, p. 162.
[iv] Idem, pp.163-164.
[v] Negro
forro, in Barro do Município, São
Paulo, Editora Anhembi Limitada, 1956, pp. 71-79.
[vi] Província,
2ª edição, in Poesias reunidas, cit.,
p. 213.
[vii] Idem, p. 194.
[viii] Nota
à 2ª edição, in Cabocla, 4ª
edição, São Paulo, Clube do Livro, 1949, p. 178.
[ix] Prefácio
da 3ª edição, in Cabocla, cit.,
p. 180.
[x] Idem, p. 183.
[xi] Nota
à 2ª edição, in Cabocla, cit.,
loc. cit.
[xii] Espirito de São Paulo, Rio de Janeiro,
Schmidt, Editor, 1932, p. 66.
[xiii] Idem, p. 67.
[xiv] Ribeiro
Couto, ainda ausente, cit., pp. 258-259.
[xv] Idem, p. 260.
[xvi] O
cavaleiro do Brasil Integral, in Sei
que vou por aqui!, ano I, n. 2, São Paulo, setembro-dezembro de 2004, p.
XVII. Artigo originalmente publicado no Jornal
do Brasil a 20/07/1933.
[xvii] Idem, p. XVIII.
[xviii] Sobre a amizade de Ribeiro Couto e Afonso
Arinos: Afonso ARINOS, filho, Ribeiro
Couto e Afonso Arinos, Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1999.
[xix] No
senáculo da tábua rasa: Ribeiro Couto, in Vasco MARIZ (coordenador) e
Milton TEIXEIRA (organizador), Ribeiro
Couto:30 anos de saudade, Santos, Editora da UNICEB, 1994, p. 139.
[xx] Evolução
do conto, in Afrânio COUTINHO (direção) e Eduardo de Faria COUTINHO
(codireção), A Literatura no Brasil,
7ª edição, São Paulo, Global, 2004 (1ª reimpressão, 2008), volume 6, p. 55.
[xxi] Ribeiro
Couto, ainda ausente, cit., p. 336.
[xxii] Província
sentimental, in Barro do Município,
cit,. pp. 17-18. Crônica originalmente publicada no jornal A Manhã.
[xxiii] O
governador da nostalgia, in Ribeiro
Couto: 30 anos de saudade, cit., p. 172.
[xxiv] Longe,
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1961, p. 37.
[xxv] Adeuses,
Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Letras, 1999, p. 239.
[xxvi] Cf. Pedro PAULO FILHO, Genésio Pereira Filho, escritor sambentista, in A Montanha Magnífica (memória sentimental de
Campos do Jordão), 2º Volume, São Paulo, O Recado Editora Ltda., 1997, p.
330.